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Coronavírus

Saúde diz que não é obrigada a dar respiradores e máscaras

Guinada de discurso é registrada em ata de reunião do Centro de Operações de Emergência (COE) do ministério de 17 de junho

24 jul 2020 - 14h29
(atualizado às 14h41)
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BRASÍLIA - Após descumprir promessas de entregas de testes de diagnóstico, leitos de UTI, respiradores e equipamentos para proteção individual, o Ministério da Saúde mudou a orientação sobre compras contra a covid-19, transferindo a responsabilidade para Estados e municípios em pleno avanço da pandemia. A guinada de discurso foi registrada em ata de reunião do Centro de Operações de Emergência (COE) do ministério de 17 de junho, já sob a gestão interina do general Eduardo Pazuello.

Ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello
09/06/2020
REUTERS/Adriano Machado
Ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello 09/06/2020 REUTERS/Adriano Machado
Foto: Reuters

O documento sugere "deixar claro" que o ministério "não tem a responsabilidade de fornecer respiradores e EPI (equipamentos para proteção individual)". "Isso ocorreu devido a atual conjuntura da emergência de a falta de atendimento no mercado, porém hoje já estamos com um panorama mais estabilizado possibilitando aos Estados usarem suas verbas destinadas a esta emergência para aquisição", registra a ata.

A ata da reunião de 17 de junho não diz de quem partiu a fala sobre mudar o discurso para compras, mas o Estadão apurou que a orientação é de auxiliares de Pazuello. A composição dos encontros do COE varia. Além de técnicos da Saúde, já participaram representantes da Casa Civil, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Agência Brasileira de Inteligência (Abin), entre outros. O órgão serve para orientar o ministro da Saúde sobre ações na pandemia e já alertou sobre benefícios do isolamento, falta de medicamentos para UTI e sobras de cloroquina, como revelou o Estadão.

Na reunião, representantes da Saúde ainda afirmam que o governo federal precisava ser "reativo" e atender imediatamente locais mais impactados no começo da pandemia, mas que a ideia "neste segundo momento" é "estruturar onde ainda não aconteceu levando em consideração capacidade de compra e logística."

Auxiliares de Pazuello pediram também atenção "especial" em contratações extraordinárias, para evitar "tantos problemas na hora da compra por erros nos editais". "Verificar com o solicitante se a demanda está de acordo com sua real necessidade e capacidade para uso de imediato. Fazer um check list do pedido para entender qual a urgência da situação no momento, se isto vai realmente salvar vidas naquele momento", orienta ainda o COE.

Representantes de Estados e municípios queixam-se de que o Ministério da Saúde, além de descumprir promessas de compras, não coordenou a aquisição nacional de insumos estratégicos, como medicamentos usados em UTI para sedar e intubar pacientes graves.

Para o professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e primeiro presidente da Anvisa, o médico Gonzalo Vecina, o ministério deveria liderar as aquisições na crise. "A política de compra, de garantia de estoque regulador, ou mesmo de tentar importar produto, é do governo federal. O ministério importa com um 'pé nas costas'. Já para um Estado ou município, comprar na pandemia é um desastre", disse.

O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) afirma que, no começo da pandemia, o ministério "chamou para si" a responsabilidade de distribuição de respiradores. Os Estados "montaram seus leitos de UTI certos de que receberiam aqueles equipamentos, o que não se concretizou", diz a entidade em nota. O Conass afirma que muitos Estados e municípios tiveram de arcar com compras emergenciais após o governo não cumprir com o prometido.

O mesmo ocorreu com máscaras, luvas e outros equipamentos de proteção, diz o Conass. "É necessário atentar para o fato de que o mercado está desregulado com o consumo exagerado em escala mundial, exigindo ações coordenadas e efetivas."

Promessas descumpridas

O Ministério da Saúde chegou a prometer a entrega de 3 mil kits para instalação de leitos de UTIs. Somente 540 foram enviados. Após licitações fracassadas, a pasta desistiu de novos contratos.

A pasta lançou em 6 de maio e relançou em 24 de junho o programa Diagnosticar para Cuidar, com praticamente a mesma meta de entrega de testes para a covid-19: cerca de 46 milhões, sendo 24 milhões do tipo RT-PCR, mais preciso e que detecta a presença do vírus, e 22 milhões de exames sorológicos (rápidos), que encontram anticorpos para a doença.

Mesmo após reciclar o programa, no entanto, o governo entregou cerca de 20% dos testes RT-PCR e 34% dos modelos sorológicos prometidos.

As promessas descumpridas se repetem com respiradores. Além de contar com a fabricação nacional, a pasta chegou a fechar contrato de cerca de R$ 1 bilhão para trazer 15 mil unidades da China, mas, em 29 de abril anunciou que o negócio seria desfeito, pois os acordo não foi cumprido pela empresa. Não houve pagamento. Desde então, o governo conta com um mutirão da indústria do País para entregar a mesma quantidade. Até a última semana, mais da metade (7.994) respiradores foram distribuídos.

O presidente Jair Bolsonaro afirma, desde o começo da pandemia, que o governo federal já fez a sua parte para conter a doença ao enviar recursos para a saúde a Estados e municípios. "Vocês não vão botar no meu colo essa conta. O que nós, do governo federal, fizemos desde o começo: é liberar recursos para saúde. E também criar aquele benefício emergencial", disse em 29 de abril.

Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), no entanto, aponta que, até o fim de junho, o ministério pagou apenas cerca de 30% do orçamento reservado para a pandemia.

Procurado para comentar sobre diversos pontos registrados em atas do COE, o Ministério da Saúde não se manifestou sobre a mudança de discurso em relação às compras na pandemia. A pasta tem destacado que, no lugar da entrega kits para instalação de leitos, faz o custeio das estruturas, com diária de R$ 1.600 para cerca de 10.500 quartos, montadas pelos próprios Estados.

Estadão
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