Senador bolsonarista sugere a CPI ouvir ministro do STF e médico defensor de cloroquina
Eduardo Girão (Podemos-CE) propõe 'roteiro alternativo' para comissão, que deve ser instalada na terça-feira, 27
Aliado do Palácio do Planalto, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) propôs um plano de trabalho alternativo para a CPI da Covid. Girão é titular da comissão e lançou a candidatura a presidente do colegiado para enfrentar a maioria, que fez acordo para votar em Osmar Aziz (PSD-AM). No planejamento elaborado por ele são sugeridos para o rol de testemunhas o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello e o médico Ricardo Zimerman, defensor do tratamento precoce contra o coronavírus, prática sem eficácia comprovada.
A instalação da CPI da Covid no Senado está marcada para a próxima terça-feira, 27, quando haverá a eleição dos ocupantes dos principais postos. Na prática, porém, é uma votação simbólica. A candidatura de Girão à presidência da CPI vai na contramão do acordo construído por senadores independentes e de oposição, hoje maioria no grupo. O acerto prevê que Aziz seja o presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) assuma a vice-presidência e Renan Calheiros (MDB-AL), a relatoria dos trabalhos.
Para justificar o convite ao ministro do STF como testemunha na parte da CPI que vai apurar a aplicação de medidas de isolamento social, Girão afirmou que Marco Aurélio foi o responsável na Corte pela decisão que deu autonomia a governadores e prefeitos para aplicação de medidas de combate ao coronavírus.
"Considerando a relevância e o alcance da decisão do STF, naquele momento e no contexto da pandemia, surge a necessidade de compreender a questão da definição das medidas restritivas e o resultado efetivo das mesmas. Se há algum monitoramento de dados do STF sobre a eficácia dessa decisão, impactos no número de mortes e relatórios conexos", disse o senador ao Estadão. Embora com pautas alinhadas ao Palácio do Planalto, Girão se classifica como independente.
Há dúvidas se um ministro do Supremo pode ser chamado a depor em uma CPI. O entendimento da Corte e de parte do Senado é de que isso afrontaria a independência entre Poderes. O ex-ministro do STF Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo em 2017, disse na sua sabatina no Senado que os juízes do STF não deveriam ser chamados. "Pelo princípio de independência entre os Poderes não seria cabível indiciar agentes políticos de outros Poderes nem impor o comparecimento. Agora, o dever de colaboração é importante", afirmou Zavascki, em 2012.
À época, a afirmação foi feita em um contexto no qual os senadores queriam convocar o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, na CPI aberta para investigar os crimes envolvendo o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Gurgel não compareceu à CPI, mas enviou depoimento por escrito.
Tratamento ?
Outra testemunha citada na área de isolamento social, o infectologista Ricardo Ariel Zimerman afirmou que medicamentos para o 'tratamento precoce' da covid-19 já têm eficácia comprovada. A entrevista concedida em janeiro a uma emissora de rádio de Camaquã (RS) foi compartilhada pelo empresário bolsonarista Luciano Hang, que também defendeu o uso preventivo de medicações contra a doença.
Zimerman citou uma série de remédios, como a ivermectina, nitazoxanida e bromexina, e fez referências à hidroxicloroquina. Diferentemente do que insinuou o médico, porém, ainda não há estudos que de fato comprovem a eficácia ou a segurança dessas substâncias no controle da covid-19.
Uma nota conjunta da Associação Médica Brasileira (AMB) e Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), divulgada em janeiro, aponta que "as melhores evidências científicas demonstram que nenhuma medicação tem eficácia na prevenção ou no tratamento precoce para a covid-19, até o presente momento".
O G7, grupo de sete senadores que formam a maioria da CPI, tem outro plano de trabalho para a comissão. A pedido dos colegas, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) criou uma versão preliminar de planejamento para os trabalhos. Um dia depois da instalação da CPI, os senadores querem discutir o cronograma proposto por Alessandro e analisar sugestões para traçar o roteiro de funcionamento da comissão.
O documento preparado por Girão, por outro lado, solicita informações à Procuradoria-Geral da República (PGR), à Polícia Federal e a tribunais de contas sobre a forma como Estados e municípios aplicaram recursos federais contra a covid. São pedidos "relatórios e dados de acompanhamento ou investigação do emprego dos recursos federais pelos municípios".
No plano de Alessandro, porém, é solicitada ao Ministério da Saúde e aos tribunais de contas, de forma genérica, a "discriminação de informações orçamentárias e financeiras de recursos repassados pela União aos entes federativos".
Apesar das divergências, há semelhanças entre os planos elaborados pelos dois senadores. Ambos sugerem que o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e os ex-ministros Eduardo Pazuello, Nelson Teich e Luiz Henrique Mandetta sejam ouvidos. Outras testemunhas em comum são o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo.
No documento de autoria de Alessandro há, ainda, a citação do prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), no rol de testemunhas. Girão também cita o atual prefeito e acrescenta na lista o ex-prefeito Arthur Virgílio (PSDB).
Pacheco diz que CPI não vai interferir na pauta e defende reformas
Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19 não vai interferir na pauta de votação do Senado e na prioridade do Congresso às reformas tributária e administrativa. A declaração de Pacheco contraria o argumento de governistas. Aliados do presidente Jair Bolsonaro afirmam que a CPI vai comprometer a agenda do Congresso e o enfrentamento do novo coronavírus.
"Eu não terei uma interferência no mérito dela (CPI) e eu acredito muito que o funcionamento dela, autônoma que é, não interferirá na pauta principal do Senado, que são as reformas e os projetos de lei que temos de aprovar", disse Pacheco durante conversa transmitida com o empresário Abilio Diniz, citando as reformas administrativa e tributária - ainda com entraves para a aprovação - e uma pauta com 14 projetos no plenário na próxima semana, paralelamente à instalação da CPI. /COLABOROU DANIEL WETERMAN