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Coronavírus

Testes genéticos ajudam na escolha de remédios contra ansiedade e depressão; saiba como funcionam

Exames, oferecidos por laboratórios, mapeiam riscos de efeitos adversos e baixa eficácia de medicamentos; planos de saúde não cobrem avaliações desse tipo

24 set 2021 - 22h00
(atualizado em 25/9/2021 às 11h17)
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SÃO PAULO - Um dos desafios do tratamento para ansiedade e depressão é fazer com que pacientes sigam tomando os remédios prescritos pelos médicos mesmo após episódios de efeitos adversos ou quando o paciente não percebe melhora do quadro. Com oferta crescente no Brasil, os testes farmacogenéticos se apresentam como uma opção para dar precisão e evitar que medicamentos sejam recomendados por meio da tentativa e erro. Diante da pandemia, do isolamento social e da alta do desemprego, profissionais de saúde têm sido cada vez mais procurados para tratar de sintomas, diagnósticos e tratamentos contra essas doenças.

Realizados com saliva ou sangue, os testes analisam o DNA dos pacientes e permitem identificar alterações que podem impactar na resposta dos medicamentos, nos efeitos colaterais e alguns fazem até o cruzamento para verificar se interações medicamentosas e hábitos de vida, por exemplo, podem interferir no sucesso do tratamento.

"Esse exame envolve uma estratégia chamada Medicina de precisão, que avalia características das pessoas, das doenças e do DNA, e adapta o tratamento de acordo com a necessidade do paciente. Além de melhorar as respostas, os testes objetivam economizar dinheiro, porque, toda vez que ajusta o medicamento, o preço do tratamento aumenta", explica Leandro Brust, líder de Farmacologia da GeneOne, empresa de genômica da Dasa. O exame da GeneOne chegou ao mercado no começo do ano passado, o que coincidiu com o início da crise da covid-19 no Brasil.

Ele diz o conceito de Medicina de precisão já é uma tendência em países como os Estados Unidos, Espanha, Holanda, Taiwan e Turquia, e que os testes farmacogenéticos estão em crescimento, principalmente com o aumento de casos de depressão e ansiedade, algo que se intensificou na pandemia de covid-19.

"A maioria dos medicamentos psiquiátricos acaba passando por determinadas enzimas, em 70% dos pacientes elas passam. Sabemos que, de cada dez pessoas, nove têm alguma alteração nos genes que, se fosse conhecida, poderia ter melhorado a resposta terapêutica e evitado o efeito colateral", diz. O exame analisa ainda outros fatores que podem impactar no tratamento.

"A genética determina uma parte disso, a outra parte é a interação entre os medicamentos. A gente consegue avaliar as interações, porque um paciente com depressão pode ter pressão alta ou diabete. O exame vai observar hábitos também. Se a pessoa toma café, bebe álcool. A gente pode simular situações novas, como infecção por covid", afirma. "O médico pega o exame, faz um login com uma chave personalizada, entra em uma plataforma com base científica mundial e vai fazer a simulação antes de receitar."

No resultado, o psiquiatra pode ver quais medicamentos se encaixam para o paciente, quais demandam mais atenção e quais têm potencial para não apresentar êxito em tabelas separadas pelas cores do semáforo e com detalhamento do resultado. A interpretação deve ser feita apenas pelo profissional.

Entre junho e agosto desde ano, houve um crescimento de 456% nos testes realizados pela GeneOne em relação ao mesmo período do ano passado, quando o exame estava nos primeiros meses no mercado. Por enquanto, os testes com foco na área de psiquiatria ainda são particulares e os valores variam entre R$ 1.485 e R$ 1.990. Mas o objetivo é que esses exames fiquem mais populares no futuro.

"O mundo inteiro está caminhando nessa direção. A pandemia deu uma alavancada e vai continuar crescendo. As pessoas querem ter respostas, ter menos efeitos colaterais. A ciência tem se dedicado firmemente nessa questão e tem até política pública de países para pesquisar e caminhar para isso." Até o fim deste mês, quando é celebrado o Setembro Amarelo, campanha de prevenção ao suicídio, o PharmOne, da GeneOne, está sendo oferecido com desconto especial.

Wagner Baratela, chefe da genômica do Grupo Fleury diz que o teste é uma ferramenta para ajudar os médicos e que a análise individual de variantes do DNA associadas ao metabolismo de medicações permite que o psiquiatra defina qual será o melhor tratamento para o paciente. "O metabolismo lento faz com que leve mais tempo para a medicação ser retirada do organismo. Assim, tem o efeito de exacerbação dos sintomas em sistemas lentos. Se o metabolismo for acelerado, o efeito do tratamento acaba não sendo tão bom quanto se esperava."

Mas ele alerta que o exame não exclui a necessidade de diagnóstico e acompanhamento do tratamento pelo psiquiatra. "O tratamento dessas doenças precisa ser feito com acompanhamento de um médico. O fato de termos uma situação de pandemia, com as pessoas tristes, não significa que todas tenham depressão. É preciso ser diagnosticado por um médico."

Tentativa e erro

Fundador da Gntech, o médico psiquiatra Guido May conta que a empresa oferece os testes farmacogenéticos desde 2017 e que eles já estão na quinta geração. Em junho deste ano, foi lançada uma versão mais compacta do exame, que faz a análise de seis genes - a versão completa mapeia 32 - por um valor de R$ 1.485.

"O método de tentativa e erro dá 50% de falha. Depressão e ansiedade já são a maior causa de faltas ao trabalho no Brasil e no mundo. Cada tentativa de tratamento que falha, a depressão vai se tornando mais grave e crônica. Um grande porcentual, que pode chegar a 70%, abandona o tratamento por efeitos colaterais ou ineficácia da medicação. Já temos estudos que demonstram que, comparado com pacientes com tentativa e erro, as pessoas que fazem o teste têm resultados mais eficazes, menos gastos e menor número de internações", afirma May, que integra o corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein.

Segundo a psiquiatra Lívia Beraldo, que atua no Hospital Santa Paula, a adesão ao tratamento já é impactada pelo estigma e o preconceito com as medicações, algo agravado pelo intervalo entre o início do tratamento e a sensação de que ele está fazendo efeito.

"Essas medicações, como os antidepressivos e remédios para ansiedade, demoram cerca de 20 dias para começar a fazer efeito. Essa demora pode ser mais um fator para distanciar o paciente do tratamento. Normalmente, existem guidelines (orientações) para os tratamentos de depressão, mas isso é para a maioria, não é personalizado. Isso dá mais esperança para o paciente, porque ele vê que pode melhorar."

Ela acredita que a ferramenta será cada vez mais utilizada, principalmente por causa dos impactos da pandemia. "A gente discute se a quarta onda será de saúde mental e vamos ver os resultados disso por décadas. A pandemia escancara que não tem como fugir: a doença mental é democrática, todo mundo está sujeito. Por isso, é importante o desenvolvimento das tecnologias e que as pessoas saibam que não é para ser tabu nem para sofrer sozinho."

Estadão
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