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Coronavírus

The Economist diz que Bolsonaro brinca com coronavírus

Revista cita orientação do governo que mandou o Ministro da Saúde parar de pedir distanciamento social em larga escala

26 mar 2020 - 16h50
(atualizado às 17h11)
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LONDRES - A revista britânica The Economist escreveu um longo texto sobre o Brasil e disse que o presidente Jair Bolsonaro, a quem chamou de "BolsoNero", brinca com a pandemia do novo coronavírus. "É apenas uma gripezinha", avaliou. Para a publicação, ele mesmo pode ser um vetor da doença já que no dia 15, depois que seu secretário de comunicações deu positivo para o vírus, ignorou as ordens de quarentena e tirou 'selfies' com os fãs. Quando o primeiro brasileiro morreu de covid-19 no dia seguinte, o presidente apresentado como populista denunciou uma "histeria" em torno do vírus.

O presidente da República, Jair Bolsonaro, foi chamado de BolsoNero pela The Economist
O presidente da República, Jair Bolsonaro, foi chamado de BolsoNero pela The Economist
Foto: Wagner Pires / Futura Press

Outros líderes são menos complacentes, conforme o semanário. E ressaltou que, pela primeira vez, o Congresso votou de forma remota para decretar "estado de calamidade" no País, o que permite ao governo ultrapassar limites constitucionais de gastos. O veículo britânico mencionou o objetivo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de destinar recursos para a saúde e a economia e citou que o ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, não é um ideólogo, ao contrário de muitos de seus colegas de gabinete.

A revista explica que governos municipais e estaduais estão impondo medidas de isolamento e transformando estádios de futebol em hospitais; universidades e laboratórios particulares, desenvolvendo testes para a doença; empresas, doando materiais para sua produção; e que a maior cervejaria do Brasil está fazendo desinfetante para as mãos. Mas os que trabalham contra a doença devem bloquear os sinais de um presidente que continua a menosprezar seus esforços, conforme a The Economist.

O texto lembrou que ontem Bolsonaro mandou Mandetta parar de pedir distanciamento social em larga escala e que em pronunciamento na véspera solicitou aos governos locais que abandonassem as estratégias de "terra arrasada" por fechar escolas e lojas, além de criticar a mídia por espalhar "a sensação de medo". A publicação cita que o País soma 59 mortes e tem mais de 2,5 mil casos confirmados, mas que o número verdadeiro é provavelmente muito maior. "Respostas fragmentadas dos governos e do setor privado não evitarão o desastre", assegurou.

O semanário salientou que climas quentes, como o do Brasil, podem retardar a transmissão do vírus, mas que os hospitais particulares estão sobrecarregados porque os pacientes atuais tendem a ser pessoas ricas que pegaram a doença no exterior ou seus íntimos. À medida que migra para as massas, pode rapidamente sobrecarregar o sistema de saúde pública, que serve quatro quintos da população.

A The Economist ressaltou que o sistema universal de saúde do Brasil atende mais pessoas do que qualquer outro totalmente gratuito no mundo, mas o país gasta apenas 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB) nele. A Itália gasta 6,7% do PIB; Alemanha, 9,4%. O sistema público do Brasil possui apenas sete leitos hospitalares para tratamento intensivo por 100 mil pessoas, quase todos ocupados por pacientes que não estão cobertos. A demanda por leitos de tratamento intensivo em algumas cidades do exterior se aproximou de 25 por 100 mil durante a pandemia. Mandetta alerta que o sistema pode "entrar em colapso" em abril.

O Instituto de Estudos de Políticas de Saúde do Rio calcula que o governo precisaria gastar R$ 1 bilhão para cada 1% da população infectada, a fim de tratar todos os casos graves. O governo aprovou cerca de R$ 10 bilhões em gastos extras, um aumento de um décimo, mas provavelmente muito pouco. Até o governo atingir sua meta de testar de 30 mil a 50 mil pessoas por dia, o que pode levar meses, os bloqueios são a única maneira de retardar a transmissão, segundo a revista.

A situação, de acordo com a publicação, é especialmente difícil nas favelas. Esses assentamentos informais abrigam 13 milhões das 211 milhões de pessoas no Brasil, incluindo um quinto das pessoas no Rio. Eles são densamente compactados e muitos não têm água corrente. Por enquanto, grupos de base, e não o governo, estão realizando campanhas de saúde pública. Os organizadores da Maré, no Rio, sugerem a quarentena de pacientes com sintomas leves em escolas vazias. Paraisópolis, em São Paulo, planeja mudar moradores mais velhos para mansões alugadas em um distrito arborizado nas proximidades.

Ativistas estão se dirigindo pelas favelas com alto-falantes, dizendo aos moradores para ficar em casa. Em algumas, os traficantes fecharam os mercados de drogas ao ar livre, cancelaram o baile funk e impuseram toque de recolher. "Se o governo não for capaz de fazer isso acontecer, o crime organizado o fará", promete uma gangue no WhatsApp.

Em muitas favelas, o comércio continua porque as pessoas precisam trabalhar, como relata o texto. Apenas um quinto dos residentes tem empregos formais. A maioria são diaristas, vendedores ou empregados domésticos e não podem parar. O governo planeja dar aos trabalhadores informais R$ 300 por mês durante três meses, o que pode não ser suficiente de acordo com a publicação. O déficit fiscal do Brasil e o fraco rating de crédito impedirão o governo de oferecer um estímulo massivo. O ministro da Economia, Paulo Guedes, quase não propôs nenhum novo apoio econômico.

Custo político de Bolsonaro ficará mais claro, diz revista

À medida que o sofrimento se espalhar, o custo político para Bolsonaro ficará mais claro, segundo a The Economist. Vinte e três pessoas que viajaram com ele para visitar Donald Trump na Flórida este mês deram positivo para a covid-19. Em 13 de março, a Fox News informou que o filho do presidente, Eduardo, disse que seu pai estava com o vírus. Ambos então negaram. Um juiz ordenou que o hospital militar de Brasília publicasse os nomes dos casos confirmados da delegação, mas dois continuaram sem ser entregues.

Pessoas em bairros mais ricos que votaram em Bolsonaro em 2018 agora estão batendo em panelas e frigideiras em protestos noturnos. Em uma pesquisa, seu índice de aprovação caiu para o ponto mais baixo desde que assumiu o cargo no ano passado. Brincar enquanto uma pandemia se aproxima pode custar-lhe a reeleição em 2022.

Estadão
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