Um terço dos casos de covid-19 é fora das metrópoles
Levantamento do 'Estadão' mostra que no fim de março apenas 12,4% dos relatos confirmados de covid-19 no País haviam sido registrados em municípios do interior; no fim de maio, número saltou para 34,5%
Em meio ao anúncio de relaxamento de quarentena em vários Estados, o coronavírus avança pelo interior do Brasil. A área já registra um terço de todos os casos confirmados de covid-19 no País e tem ritmo de crescimento mais acelerado do que o observado em capitais e suas respectivas regiões metropolitanas, segundo levantamento feito pelo Estadão com base em dados das Secretarias Estaduais da Saúde compilados pela plataforma colaborativa Brasil.IO, que reúne estatísticas por município.
Foram analisados os dados acumulados de casos e mortes por covid-19 até 28 de maio, último dado disponível quando o levantamento começou a ser feito. Os números mais atuais foram então comparados com os cenários de um e dois meses antes para que fosse avaliada a evolução da doença pelo País.
No fim de março, apenas 12,4% dos casos confirmados de covid-19 no País haviam sido registrados em municípios do interior. No fim de abril, esse porcentual passou para 18,6% e, na data mais recente, saltou para 34,5%, o que representa mais de 150 mil infecções confirmadas nessa parte do País.
O número de óbitos registrados no interior segue trajetória semelhante: passou de 9,2% no fim de março para 17,8% no fim de abril e agora representa 22% do total do Brasil. Em números absolutos, já eram quase 6 mil vítimas nessas regiões no fim de maio.
Quando calculada a taxa de casos por 100 mil habitantes nos municípios afetados, verifica-se maior aceleração nas cidades do interior. Embora a incidência da doença ainda seja maior nas capitais e suas regiões metropolitanas, o índice cresce quase duas vezes mais rápido no interior do País.
Somente no último mês, entre o fim de abril e o fim de maio, a taxa de infecções confirmadas cresceu 727% no interior, passando de 16,7 para 138,3 casos por 100 mil habitantes. Nas capitais e respectivas regiões metropolitanas, a alta foi de 371% no mesmo período, com o índice subindo de 68,4 para 323,1 registros por 100 mil habitantes.
Outro dado que indica a interiorização da pandemia é o crescente número de municípios brasileiros com ao menos um caso confirmado da doença. No fim de março, eram 299. Um mês depois, eram 1.953, e hoje já são 4.098, o equivalente a 73,5% de todas as cidades brasileiras.
Oito Estados já registram mais casos no interior do que nas capitais e regiões metropolitanas: Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Em alguns deles, como Santa Catarina, a pandemia já estava mais concentrada fora da capital e sua região metropolitana desde os primeiros casos. Em outros Estados, porém, o fenômeno é mais recente. Observa-se que, enquanto a capital tem queda no número de casos novos, o interior registra crescimento acelerado de novas infecções. É o caso do Pará, que, no fim de abril, tinha apenas 24% das suas infecções registradas fora da região metropolitana de Belém. Hoje, esse mesmo índice chega a 54,8%.
Em São Paulo, a maioria dos casos segue concentrada na Grande SP, mas a proporção de casos no interior subiu de 15,1% para 22,1% no último mês.
Falta de estrutura
Além de sinalizar a ocorrência de novos focos de disseminação do vírus, a interiorização da pandemia traz a preocupação de como o sistema de saúde menos estruturado dessas localidades vai conseguir oferecer assistência adequada ao crescente número de infectados.
Segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), embora as capitais reúnam 24% da população brasileira, 48% de todos os leitos de UTI adulto do País estão concentrados nelas.
Para o virologista Pedro Vasconcelos, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e pesquisador do Instituto Evandro Chagas, é preciso que os governos estaduais fiquem atentos à situação do interior antes de saírem anunciando planos de reabertura ao primeiro sinal de declínio de novos casos nas capitais.
"A interiorização é um problema muito sério porque o interior não tem a mesma infraestrutura de atendimento e retaguarda hospitalar que as capitais. Isso já começou a acontecer em alguns Estados e traz dois cenários possíveis: ou o número de infectados vai crescer de forma que o sistema de saúde dessas localidades não vai
dar conta e acabará colapsando ou esses doentes irão para as capitais, sobrecarregando mais o sistema e aumentando risco de uma nova onda onde a situação já era de declínio", ressalta.
No Pará, pacientes têm de fretar avião para chegar à capital
Enquanto a curva de contaminação pela covid-19 está em sentido decrescente na região metropolitana de Belém, a preocupação agora se volta para o interior do Pará. Projeções apontam que duas regiões devem ser bastante afetadas: Marajó e, para os próximos dias, a do Baixo Amazonas.
O município de Breves, no arquipélago do Marajó, foi apontado pela Universidade Federal de Pelotas como a cidade com a pior taxa de contaminação do Brasil. O estudo nacional aponta que 25% dos moradores foram infectados. A estimativa mostra que, dos 103 mil habitantes, 25 mil se infectaram.
O governo do Estado informa que Breves tem 14 leitos de UTI, com a ocupação de 82,3%. Para a cidade, foram enviados 820 testes rápidos. O paciente do município que tem de chegar a Belém precisa fretar um avião - a viagem demora 45 minutos - ou ir de barco, percorrendo 10 a 12 horas de rio. No último boletim da cidade, 488 casos foram confirmados e 56 pessoas morreram com a covid-19. Outras doenças também pressionam o atendimento no município. Por causa da falta de aparelhos, pacientes com a covid-19 que apresentam problemas renais estão ficando sem tratamento.
"O hospital de campanha não possui nenhuma UTI, apenas respiradores, e ele foi construído e inaugurado com 18 dias de atraso, para atender oito municípios próximos, além de Breves", disse o chefe de gabinete da prefeitura de Breves, Reginaldo Lourenço.
O pesquisador Jonas Castro, da Universidade Rural da Amazônia (Ufra), faz um alerta sobre aumento de casos também no Baixo Amazonas, no oeste paraense, região que registrou o primeiro óbito no Estado, no dia 1.º de abril, em Alter do Chão, no município de Santarém. A taxa de ocupação de leitos de UTI na região é de 77,8% e a de leitos clínicos é de 80, 34%. A região abrange os municípios de Alenquer, Almeirim, Belterra, Curuá, Faro, Juruti, Mojuí dos Campos, Monte Alegre, Óbidos, Oriximiná, Placas, Prainha, Terra Santa e Santarém, a cidade que recebe o maior fluxo de pacientes.
A Secretaria de Estado de Saúde pública informa que tem intensificado as ações de prevenção no interior. Entre as medidas, estão a ampliação de leitos de UTI; construção de mais quatro hospitais de campanha (Soure, Altamira, Redenção e Belém), com mais de 420 leitos entre UTIs e clínicos. Também destaca a compra e a distribuição de medicamentos que estão sendo utilizados, de acordo com a prescrição médica, no tratamento da doença; entre outras ações./ROBERTA PARAENSE, ESPECIAL PARA O ESTADO