Vacina anima, mas Brasil não pode abandonar reformas
Retorno do capital estrangeiro dá alento aos emergentes, mas ajuste fiscal no País é fundamental, segundo economistas do Ibre/FGV que participaram de seminário em parceria com o Estadão
RIO - A recuperação mais vigorosa e sustentada da economia brasileira passa pela vacinação da população contra a covid-19, mas também pela retomada da agenda de reformas necessárias ao equilíbrio das contas do governo, defendem economistas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
As incertezas e atrasos que cercam o programa de vacinação da população brasileira contra o novo coronavírus trazem uma preocupação adicional à recuperação da atividade econômica no pós-pandemia, alertou José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV.
"A pandemia é uma questão mundial. Temos uma preocupação adicional, que tem a ver com o programa de vacinação. Estamos muito atrasados, com dois laboratórios fundamentalmente. O Canadá comprou nove opções. A incerteza da vacina é somada a todas as outras para volta da normalidade do País", alertou Senna, durante o IV Seminário de Análise Conjuntural, promovido online pelo Ibre/FGV em parceria com o Estadão.
Senna frisa que a pandemia de covid-19 tem como característica fundamental o caráter de elevado grau de incerteza, em meio ao fechamento de negócios que não serão reabertos, empresas endividadas com menos capacidade de investimentos e o desafio da retomada do emprego.
Segundo Armando Castelar, coordenador da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV, a solução para a recuperação dos investimentos e, consequentemente, da economia como um todo, não passa por mais desembolsos públicos. "Acho que tem dinheiro no setor privado, o que não tem é confiança de que vai poder construir sem ficar doente", afirmou. Castelar crê que a reforma mais imediata de governo neste momento deveria ser a de comunicação, um esforço de construir uma narrativa para apontar as prioridades.
Narrativa
"Não se tem uma ideia clara do que vem pela frente, qual a prioridade, nada. Isso penaliza muito a recuperação da economia", disse Castelar: "A questão da vacina é importante nisso, de construir um plano de como as coisas vão voltar. Não existe coordenação política para ser muito ambicioso, mas precisa ter uma narrativa."
A perspectiva de uma vacina contra o novo coronavírus e o retorno do capital estrangeiro nos países emergentes trazem boas perspectivas para 2021, mas o esquecimento do compromisso com o ajuste fiscal ameaça as condições econômicas adiante.
"(A vacina) Não resolve os problemas estruturais do Brasil. Tenho receio muito grande que essa recuperação cíclica mais forte acabe adormecendo o processo de reformas, acabe gerando uma certa inércia em resolver as questões mais fundamentais, e mais na frente a gente tenha um aprofundamento disso. Acho que a gente pode estar daqui a um ano se apavorando com 2022, um cenário econômico complicado", declarou Castelar.
O economista reforça que o fluxo de capital que voltou ao País em novembro é uma boa notícia, mas pode haver nova fuga, dependendo dos desdobramentos da pandemia e da condução da política fiscal.
José Júlio Senna lembra que uma euforia toma conta dos mercados financeiros mundo afora, em decorrência na eleição do democrata Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos, mas, principalmente, pela perspectiva de vacinação da população contra a covid-19. No entanto, há muitos obstáculos a serem superados até que a imunização alcance parte expressiva da população.
Senna concorda que o tema do ajuste fiscal não deva ser abandonado em meio ao otimismo com o futuro. Ele ressalta que preservar o teto de gastos é fundamental, mas ainda suficiente.
A coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV, Silvia Matos, estima que o Produto Interno Bruto (PIB) recue 4,7% no ano de 2020. A projeção para o quarto trimestre deste ano ante o terceiro trimestre é de uma alta de 1,3%. A economista calcula que o resultado do segundo semestre já deixe um carregamento estatístico positivo de 2% para 2021, mas que a economia teria que crescer além de 3,5% para recuperar as perdas deste ano, disse. As projeções da FGV consideram uma perda de força no consumo de bens, com alguma recuperação no consumo de serviços. No entanto, o novo agravamento da pandemia reduz um pouco a mobilidade e a retomada do setor de serviços, alertou Silvia.