Verdades e mentiras do 'glow up', inventado para melhorar sua imagem
O desafio do 'antes' e 'depois' nas redes, para revelar como sua aparência melhorou, pode ser apenas um jogo que não mostra quem você
"Glow up." Talvez você já tenha ouvido essa expressão, especialmente se anda percorrendo os vídeos do TikTok e outros. Tendência entre as blogueiras mundo afora e cada vez mais presente aqui do Brasil, o glow up se traduz em algo como adotar uma série de mudanças na sua rotina que podem "melhorar" sua aparência e estilo de vida.
"O glow up acabou se tornando um desafio nas redes sociais, nas quais diversos usuários consomem e viralizam esse desafio do 'antes e depois', para mostrar como você 'evoluiu' de aparência", explica Liliah Angelini, executiva da WGSN, empresa líder em tendências de comportamento e consumo.
Começar a meditar, beber mais água, ficar de olho na alimentação e praticar mais exercícios são algumas das dicas que as influenciadoras dão para quem quer se sentir mais atraente e ter uma vida supostamente mais saudável em pouco tempo.
@giuliavanelli Dicas práticas ? bora? Vem que chegou a hora do seu glow up #glowup #dicas ? som original - Giulia Vanelli
O problema da corrente é justamente que as "melhorias" prometidas com a rotina não são reais, como explica Luiza Voll, fundadora do Grupo Contente.vc, que analisa as relações na internet e atua por uma rede mais saudável para os usuários. "Os corpos, o estilo de vida e toda construção estética reforçada pelo glow up é, na maioria das vezes, impossível de se alcançar tendo uma rotina de cuidados comuns."
De acordo com a influenciadora Marieli Mallmann, que conta com mais de 170 mil seguidores no Instagram, o glow up, como disseminado na internet, não passa de uma farsa. "Encontramos nas tendências e estéticas divulgadas na internet uma forma de fazer parte de algo e é por isso que é tão fácil cair no jogo de fingir e nos mostrar de forma diferente para o mundo - como gostaríamos de ser, não como realmente somos", adverte.
Por esse motivo, Marieli deixou de fazer uso dos filtros para gravar conteúdos. "Chegamos a um ponto em que construímos cuidadosamente essa vida online que, às vezes, não tem nada a ver com nossas vidas reais. Desde 2020 eu não uso mais filtros de redes sociais. Nem mesmo os que alteram só as cores da imagem, que dirá os que alteram o meu rosto. Minha relação com minha imagem mudou muito."
Para Luiza, é importante que o usuário entenda o limite entre querer se tornar mais saudável e se pressionar para se enquadrar em um padrão de beleza vigente. "A gente adora se cuidar e ver que com o tempo ganhamos aquele glow. Quem não quer aparentar sua melhor versão, ainda mais nas redes sociais? Mas precisamos observar se essas narrativas estão nos fazendo bem e nos divertindo, ou se estão ativando algum gatilho, alguma emoção incômoda demais", diz.
CONTROVÉRSIAS
Quando postamos algo nas redes sociais, editamos, ajustamos e adaptamos para que a publicação represente a nossa melhor versão. Com o glow up não é diferente: disfarçadas de mudanças básicas na rotina estão o estabelecimento de padrões somente alcançáveis a partir de procedimentos estéticos caros, que vão muito além de beber água e dormir mais de oito horas por noite e esbarram em uma questão financeira.
Para a psicanalista Joana Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza PUC-Rio, o problema dessas tendências é que elas uniformizam o que é bonito e vendem a solução. "É necessário que todos nós nos mantenhamos insatisfeitos. E basta você consumir, comprar, parcelar práticas e uma série de produtos que te prometem a felicidade, a saúde perfeita, uma estética irretocável", conta. Quando você não faz uso dessas "soluções", parece que tem um problema. "Dessa forma, se cria uma massa de excluídos e um mercado que promete, através dessas práticas, inclusão social."
Segundo Liliah Angelini, em uma sociedade baseada em imagens e repleta de preconceitos, o glow up se torna mais uma moeda social. "A questão é que apenas algumas pessoas podem acessá-lo e isso tem efeitos colaterais para quem fica de fora", explica. "Em um 2022 em que falamos sobre novas expressões de beleza, autoexpressão em voga, consumidores plurais e autênticos, aumento da aceitação individual, ver desafios como esse é como observar um caminhar na contramão do futuro", complementa.
IMPACTO DA PANDEMIA
Com a pandemia de covid-19, a imersão pessoal e profissional nas redes sociais se intensificou. Com o uso das telas potencializado, as pessoas ficaram mais tempo a sós consigo mesmas, se vendo por outros ângulos ao ter de ligar a câmera para as reuniões online.
Foram quase dois anos em casa, que geraram mudanças significativas no corpo e na mente. "O que conhecíamos antes como dismorfia do Snapchat, fenômeno que descreve a relação conflituosa entre filtros e a forma como nos enxergamos, se tornou a dismorfia do Zoom. Ou seja, nunca olhamos tanto para a nossa própria imagem à procura do que poderíamos melhorar, do que estava fora de conformidade com os padrões", explica Luiza.
Não coincidentemente também foi no início da pandemia que os conteúdos de autocuidado, skincare e bodycare começaram a bombar nas redes sociais. Com mais tempo em casa, as pessoas passaram a se preocupar mais com o cuidado com o corpo e com a autoimagem, sendo esse somatório de fatores essencial para a disseminação dos conteúdos de glow up.
UM NOVO OLHAR
Para uma relação mais agradável e menos adoecedora na internet, a psicanalista Joana Novaes explica que é necessário mudar a forma de pensar. "É preciso lembrar que tanto a gordura quanto o envelhecimento e a feiura acenam com aquilo que nos faz humanos, nos iguala. Todo esse mercado que surge de especialistas no sentido do aprimoramento corporal, e sobretudo do aprimoramento no vídeo, surge com o intuito de afastar de nós o contato com a realidade", afirma. "Para a gente pensar em uma relação mais inclusiva, generosa, de maior prazer com o próprio corpo, a beleza não pode ser o único marcador."
Além disso, em um oceano de possibilidades, é interessante refletir sobre que perfis seguir. "O que a gente consome, independentemente da vertente, acaba tendo um efeito muito grande sobre a nossa percepção de beleza. É necessário ficar atenta ao que chega às nossas telas, uma vez que esse tipo de conteúdo tem o poder de influenciar na forma como nos vemos", conclui Marieli.
Vida digital saudável
- Quem seguir
O que consumimos influencia na nossa percepção de beleza. Fique atento a quem você segue e qual a sua realidade para não fazer comparações injustas. Siga pessoas que te estimulam e pare de seguir pessoas que te deixem para baixo.
- Questione
Se seu feed fosse um espelho, você se enxergaria nele? As pessoas que você segue devem dialogar com o que você pensa e quer para si.
- Tempo de tela
Tente reduzir o tempo que passa online. A internet e a vida no Instagram não representam a realidade