Corte ucraniano de gás da Rússia começa a valer e já afeta leste Europeu
Medida começou a valer nesta quarta-feira. Regiões da Moldávia já estão sem água quente e aquecedores a gás. Zelenski diz que medida é "uma das maiores derrotas" de Moscou.A decisão da Ucrânia de encerrar um contrato de décadas e interromper o fluxo de gás russo que passava por seu território para ser distribuído à Europa começou a valer nesta quarta-feira (1/01) e já produz impactos em países do Leste Europeu.
Embora a Europa tenha tentado se desvincular da dependência do gás russo desde que Putin enviou tropas à Ucrânia em fevereiro de 2022, vários países do leste europeu ainda dependem de Moscou para suprir sua demanda energética.
Regiões da Moldávia , por exemplo, país que declarou situação de emergência neste mês em decorrência da decisão ucraniana, já começaram a ficar sem aquecimento ou água quente. Países como a Eslováquia também criticam o movimento do presidente ucraniano Volodimir Zelenski e ameaçam Kiev com retaliações.
Para o ministro ucraniano de Energia, German Galushchenko, porém, o fim do fluxo de gás russo é um "evento histórico", que vai secar uma fonte importante de recursos de Moscou. "A Rússia está perdendo seus mercados e sofrerá perdas financeiras", disse nesta quarta-feira. Em publicação nas redes sociais, Zelenski defendeu que a data de hoje marca "uma das maiores derrotas" do presidente russo Vladimir Putin desde o início da guerra.
"Quando Putin assumiu o poder na Rússia, há mais de 25 anos, a transferência anual de gás através da Ucrânia para a Europa era de mais de 130 bilhões de metros cúbicos. Hoje, o trânsito de gás russo é zero. Essa é uma das maiores derrotas de Moscou", afirmou.
A Polônia, que não importa gás da Rússia, saudou a decisão. "[É] Uma nova vitória após a ampliação da Otan para a Finlândia e a Suécia", disse o ministro das Relações Exteriores da Polônia, Radoslaw Sikorski, em um post no X.
Entenda o acordo
Sob um acordo de cinco anos assinado em 2019, a Ucrânia permitia que a Rússia transportasse gás para a Europa. Mas Kiev se recusou a renovar o contrato a partir de 2025.
Antes da guerra, o gás da rússia respondia por 40% da importação do recursos por países europeus. Essa fatia caiu drasticamente em 2023, para menos de 10%. Porém, quase um terço do gás que ainda chegava nas residências de países europeus passava pela Ucrânia, disse Phuc-Vinh Nguyen, chefe do Centro de Energia do Instituto Jacques Delors. O restante é levado via gasoduto sob o Mar Negro para Bulgária, Sérvia e Hungria, ou por meio de embarques de gás natural liquefeito (GNL).
Estado de emergência na Moldávia
A situação é mais crítica na Moldávia, que faz fronteira com a Ucrânia e tem que lidar com separatistas apoiados pela Rússia em seu território. O país já havia introduzido um estado de emergência de 60 dias no início deste mês, antecipando o corte de Kiev. No sábado, porém, a empresa russa de distribuição de gás, Gazprom, anunciou que também interromperia a distribuição do produto ao país devido a uma disputa sobre dívidas.
A Gazprom já havia reduzido suas entregas à Moldávia desde o início da invasão, suprindo apenas o território separatista da Transnistria. No entanto, a usina da região apoiada por Moscou ainda fornece cerca de dois terços da eletricidade consumida em todo o país. "O Kremlin recorreu novamente à chantagem energética para influenciar as eleições parlamentares de 2025 e minar nosso caminho europeu", disse a presidente da Moldávia, Maia Sandu. A política pró-europeia foi reeleita em novembro, após um pleito marcado por acusações de interferência russa.
Sandu ofereceu ajuda humanitária aos residentes da Transnístria, que já começaram a ficar sem aquecimento no inverno. Mas as autoridades locais recusaram, disse Alexandru Flenchea, ex-funcionário do governo e especialista em resolução de conflitos na região. Na estratégia de desestabilização da Rússia, "a Transnístria é nada mais do que dano colateral", argumentou Flenchea. Phuc-Vinh concordou, acusando Putin de usar o gás como uma "arma geopolítica" para "minar a região, alimentar os ressentimentos da população para influenciar o apoio à Ucrânia e semear sementes de discórdia pela Europa".
O governo da Moldávia respondeu com medidas drásticas para limitar o consumo de energia, incluindo restrições na iluminação de prédios públicos e no uso de elevadores. Também pretende compensar a escassez comprando eletricidade da vizinha Romênia.
Nesta quarta-feira, o governo da Moldávia disse que todos os consumidores ficarão seguros e que as usinas termelétricas do país continuam a funcionar normalmente.
Na Transdniestria, porém, o site da empresa de energia local informou que
o corte do aquecimento e da água quente entrou em vigor às 7h da manhã de quarta-feira. Instalações como hospitais seguem funcionando normalmente.
A empresa recomendou aos residentes que se agasalhassem, reunissem os membros da família em um único cômodo, pendurassem cobertores ou cortinas grossas nas janelas e usassem aquecedores elétricos.
"É proibido usar fogões a gás para aquecer o apartamento, isso pode levar a uma tragédia", disse a empresa.
União Europeia "preparada"
Com 14 bilhões de metros cúbicos transportados por ano via Ucrânia, representando apenas 5% das importações totais de gás da União Europeia, o bloco afirmou que estava "preparado" para o corte no fluxo.
Em um relatório publicado em meados de dezembro, a UE considerou o impacto como limitado. "A Comissão está trabalhando há mais de um ano especificamente para se preparar para um cenário sem gás russo transitando pela Ucrânia", disse o bloco, em nota, à agência de notícias AFP na terça-feira. A UE afirmou que a infraestrutura de gás do bloco foi fortalecida nos últimos anos e apontou os esforços para tornar "fornecimentos alternativos" disponíveis para os países afetados.
Eslováquia promete retaliação
O impacto também deve chegar na Eslováquia. O primeiro-ministro do país, Robert Fico - um dos poucos aliados do Kremlin na UE - criticou a decisão de Kiev. "Aceitar a decisão unilateral do presidente ucraniano é totalmente irracional", afirmou Fico em uma carta a Bruxelas, condenando o "grande impacto financeiro em um período econômico complicado". Em resposta, Fico ameaçou cortar o fornecimento de eletricidade para a Ucrânia.
Por outro lado, a vizinha Hungria - que, assim como a Eslováquia, mantém uma postura amigável a Moscou - recebe a maior parte de suas importações de gás russo via o gasoduto do Mar Negro. Como resultado, Budapeste permanece em grande parte imune à decisão da Ucrânia.
gq/bl (AFP, Reuters)