Anistia fiscal para doador de Zema: deputado fala em buscar consenso
“Jabuti” anistia dívida de R$ 460 milhões de IPVA da Localiza, do bilionário bolsonarista Salim Mattar, diz sindicato
Depois de vir à tona a articulação do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), para anistiar cerca de R$ 460 milhões em passivo tributário da Localiza, do empresário Salim Mattar, um dos principais doadores de campanha de Zema, o deputado estadual Zé Guilherme (PP) disse nesta quinta-feira, 23, que vai esperar “consenso” entre parlamentares antes de colocar em votação o “jabuti” que pode beneficiar Mattar, ex-secretário de privatizações do governo federal na gestão Jair Bolsonaro (PL) e atual “agente colaborador” do governo mineiro também em privatizações.
“Eu estou ouvindo a oposição. Quando chegarmos ao consenso de que isso é bom para Minas Gerais, volta à pauta”, afirmou Guilherme à coluna.
O deputado controla a votação dessa anistia, em segundo turno, porque é não só o relator que inseriu o “jabuti” em substitutivo do projeto de lei 2803/2021, como também é o presidente de Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária, em que o texto precisa ser votado antes de seguir à plenário para análise final.
“Não conheço Salim Mattar. Nunca o vi. Com o substitutivo eu venho simplesmente dar uma segurança jurídica. Para o governo estadual isso é de suma importância”, acrescenta o deputado.
O relator da proposta é um dos principais aliados de Zema. Ele não comenta o fato de Mattar ser um dos principais doadores de Zema, mas diz que a anistia interessa ao governo porque os tributos nunca foram cobrados tanto pela gestão atual quanto pela anterior, do ex-governador Fernando Pimentel (PT). O parlamentar diz acreditar que locadoras de automóveis deixaram de operar em Minas Gerais, se essa diferença de IPVA fosse cobrada pelo Fisco.
Só que o Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do estado de Minas Gerais (Sinfazfisco-MG) calculou o impacto da anistia fiscal para o grupo Localiza, com base nos demonstrativos contábeis da empresa, e diz que esse "jabuti" perdoaria aproximadamente R$ 460 milhões em cobranças de IPVA só da empresa de Salim Mattar. Isso se considerada a diferença que deveria ter sido paga desde o começo de 2018, de acordo com estimativas feitas pelo auditor João Batista Soares, secretário-geral do sindicato.
Mattar e seu irmão, Eugênio, são os principais sócios da Localiza e cada um injetou R$ 1,5 milhão na campanha eleitoral de Zema no ano passado. As doações entraram no caixa do partido Novo, que repassou o montante para a conta do comitê do governador. Sócios da dupla também deram dinheiro para a eleição de Zema. Em 2018, Salim sozinho doou diretamente R$ 800 mil para a campanha de Zema.
O “jabuti” interessa diretamente aos irmãos Mattar porque a Localiza é a maior empresa do setor. De acordo com o sindicato, a Localiza acumulou esse passivo tributário de R$ 460 milhões em IPVA porque desde 2018 entrou em vigor uma norma que determinava a cobrança de 4% de IPVA no ano da venda de automóveis de locadoras, mesma alíquota cobrada de qualquer proprietário de carro de passeio. Até então, locadoras tinham direito a uma vantagem fiscal e pagavam 1% de IPVA se vendessem sua frota. A alíquota de 1% de IPVA só permanece válida hoje para locadoras enquanto elas alugam os carros para clientes no mercado de locação. Mas a revenda de veículos virou um dos principais filões da Localiza e concorrentes. O sindicato destaca que a Localiza fatura mais com a venda de automóveis do que com o aluguel.
Só que mesmo o sindicato diz que a diferença de IPVA (de 1% para 4%) não virou cobrança recorrente de locadoras na venda de carros, embora fosse obrigatório que a Secretaria Estadual de Fazenda de Minas Gerais tivesse arrecadado esse montante. O sindicato diz que só o valor das autuações tributárias da Localiza seria de R$ 600 milhões, se calculado na forma de multas pela Receita Estadual mineira, o que somaria o IPVA devido à punição prevista por atraso.
O sindicato avalia que a cobrança dessa diferença de IPVA do setor de locadoras seria essencial para financiar políticas estatais.
“Zema tem até 31 de dezembro deste ano para cobrar o IPVA de 2018 das locadoras. Esse dinheiro da diferença de IPVA pertence ao povo de Minas Gerais. Daria para construir mais seis hospitais regionais no estado, todos equipados”, ressalta o gestor fazendário Hugo René de Souza, presidente do Sinfazfisco-MG, ao analisar genericamente o passivo do setor, sem abordar exclusivamente o caso da Localiza.