“Antes de perder o foro, nada era sem querer”, diz jurista sobre versão de Bolsonaro
Estratégia jurídica do ex-presidente é vista como tentativa de negar “voluntariedade” na sua conduta
Gerou amplo descrédito a versão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), dada em depoimento à Polícia Federal nesta quarta-feira, 26, de que publicou por engano em uma rede social um vídeo que questionava a lisura das urnas eletrônicas, dois dias depois dos ataques golpistas ao Palácio do Planalto, ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal em Brasília.
Entrevistado pela coluna, o jurista Renato Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), avaliou que, a julgar pelas entrevistas dos representantes de Bolsonaro sobre o depoimento, o depoimento do ex-presidente foi uma estratégia jurídica para tentar negar “voluntariedade” na sua conduta.
"Ele está tentando tirar o dolo da conduta que praticou, pois não se pune a conduta do crime imputado se ela acontecer por culpa. Ele tenta tirar voluntariedade da conduta", afirmou Vieira à coluna. “A defesa tem uma causa das mais difíceis pela frente”, acrescenta.
No inquérito em que Bolsonaro prestou depoimento, é investigado o crime de incitação a golpe de Estado, uma conduta em que a intenção do acusado precisa ser demonstrada à Justiça para existir condenação. Ao contrário de outros crimes, esse delito não é punido por ações culposas, quando se entende que o acusado não queria provocar os resultados de suas atitudes. Para se eximir dessa voluntariedade, Bolsonaro ainda alegou que estava sob efeito de remédios e morfina.
O problema é que o vídeo não foi a única ação de Bolsonaro para desacreditar eleições. Depois de fazer O ex-presidente chegou a fazer uma reunião com diplomatas estrangeiros para manifestar seus ataques à lisura do processo eleitoral. Chama atenção inclusive que Bolsonaro jamais tenha recuado de ataques ao processo eleitoral enquanto tinha direito a foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF) e só podia ser processado criminalmente pelo atual procurador-geral da República, Augusto Aras.
"É um acinte um ex-presidente – que era porta-voz de todas as notícias mentirosas e é investigado inclusive por se dar ao trabalho de chamar 40 diplomatas estrangeiros para propagar mentiras sobre o sistema eleitoral – falar agora que foi sem querer porque perdeu a prerrogativa de foro. Antes de perder a prerrogativa de foro, nada era sem querer. Tudo era por querer. Ele se jactava de dizer isso", afirma o jurista.