Chamado de “ladrão” por cortar hambúrguer ao meio, empresário ganha indenização
Amigo de cliente é condenado a pagar R$ 1.302,00 para dono de lanchonete ofendido, como reparação por danos morais
Acabou na Justiça do estado de São Paulo uma briga entre um cliente e um dono de lanchonete. Tudo começou porque o empresário entregou um sanduíche X-Bacon que estava cortado ao meio. Essa história é contada como parte da série Conflito S.A. em que a coluna mostra como desentendimentos corriqueiros e conflitos simples abarrotaram o Judiciário brasileiro e quem lucrou com isso.
Eram 23h do dia 7 de julho quando uma lanchonete de Itobi, cidade de 8 mil habitantes no interior de São Paulo, vendeu e entregou um X-Bacon para um cliente habitual. Pouco depois, esse cliente foi ao Facebook e fez um post em tom de denúncia. Na publicação, ele dizia que estava “indignado”, porque o sanduíche e, consequentemente o hambúrguer, tinham sido cortados ao meio, embora as duas fatias tenham sido entregues.
O estabelecimento foi marcado na publicação. Dizia o post: “Se sentindo indignado... Pessoal pedi um lanche agora um xbacon e pq eu pedi no pão francês olha a qualidade do lanche... devido o pão francês ser um pouco maior que o pao de hamburguer eles cortaram o hamburguer no meio pra dar mais volume e tacaram tomate... Verificam a foto dps vcs comentam... Há isso custou 18,00 reais” (sic).
Minutos depois, começaram a pipocar curtidas e comentários de amigos. O dono da lanchonete foi informado sobre o comentário na rede e procurou o cliente para oferecer uma explicação sobre o motivo do corte ao meio. O comprador não ficou satisfeito e argumentou que a lanchonete deveria acrescentar hambúrgueres sem qualquer cobrança adicional.
A briga se agravou depois do comentário no post feito por um amigo do cliente: “Já sei d onde e kkk so pode ser do ladrão” (sic).
Depois disso, o dono da lanchonete registrou ocorrência na Polícia Civil, por ter sido chamado de "ladrão", e abriu processo de indenização contra o cliente responsável pelo post e contra o amigo que falou em “ladrão”. De cada um pediu R$ 10 mil reais de indenização por danos morais.
Na defesa apresentada no processo, o cliente alegou que não identificou o estabelecimento no post, mas essa versão logo foi contestada por prints apresentados pelo dono da lanchonete. O cliente, teoricamente, se arrependeu e apagou a marcação do estabelecimento no post.
O comprador do X-Bacon afirmou ainda que não era responsável pelos comentários feitos por amigos no post, mas que era “de amplo conhecimento” que o dono da lanchonete já tinha sido condenado pelo furto de uma agência bancária. O amigo do cliente não apresentou defesa à Justiça.
Direito à liberdade de expressão
O juiz Tiago Henrique Grigorini, do Juizado Especial Cível e Criminal de Casa Branca, julgou o desentendimento em pouco mais de seis meses. Ele negou ao dono da lanchonete o direito de ser indenizado pelo cliente que comprou o X-Bacon.
Na sentença, publicada no começo de fevereiro, o magistrado entendeu que o post no Facebook estava protegido pelo direito à liberdade de expressão. O juiz argumentou que “os alegados danos sofridos pelos autores não passam de mero aborrecimento(...)”.
“(...)As expressões empregadas encontram-se em conformidade com as críticas proferidas em relação ao produto vendido pela parte autora”, acrescentou.
Já o amigo do cliente acabou condenado a pagar uma indenização, pois teve atitude “totalmente abusiva e injustificável”, o que caracterizou “nítido abuso do direito de expressão”, de acordo com o magistrado.
“É importante ressaltar que é irrelevante a veracidade ou não da informação externada na postagem, pois a condição de suspeito, investigado, preso, detido ou até mesmo condenado, não é excludente do direito à honra e imagem, porquanto, nos termos do artigo 5º, XLIX, da CF/88, lhes são assegurados o respeito à integridade física e moral”, afirmou na sentença.
Por isso, esse amigo do cliente foi sentenciado a pagar R$ 1.302,00 de indenização por danos morais. O magistrado disse que fez o cálculo a partir de uma ponderação que levou em conta “condições do ofensor, do ofendido, o grau de culpa da parte ré, o bem jurídico lesado e a gravidade da ofensa”. Também justificou que a indenização “não deve ser tal que leve o ofensor à ruína e nem tanto que leve o ofendido ao fácil enriquecimento”.
O peso dos "danos morais" na Justiça
A judicialização desse tipo de desentendimento contribuiu para que pedidos de indenização por danos morais tenham sido a segunda principal causa de processos julgados entre janeiro de 2020 e julho de 2022 nos tribunais estaduais de Justiça, os mais abarrotados do país. Só ficaram atrás de disputas entre contribuintes e prefeituras pelo pagamento de IPTU, de acordo com levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).