Como o Instagram tem sido condenado a indenizar vítimas por perfis hackeados
Juízes têm rejeitado defesa recorrente da rede social, de que usuários são culpados por invasões
Ter a conta hackeada em redes sociais virou um problema comum. No Instagram, o golpe da vez envolve usar perfis invadidos para simular a venda de produtos ou prometer lucros milagrosos para quem repassar determinada quantia por PIX. Esses tipos de fraudes viraram esquemas recorrentes de quadrilhas para obter lucros altos.
O problema se agrava quando a vítima não consegue ajuda das redes sociais para retomar o controle da conta. É aí que o caso costuma resvalar na Justiça. Levantamento feito pela coluna mostra que cresce no Judiciário a tendência de condenar redes sociais como o Instagram por “falha na prestação de serviço”, quando usuários têm contas invadidas e não conseguem reconquistar o controle sem recorrer a um processo judicial.
O artista Camilo Benedito tinha mais de 20 mil seguidores no Instagram, quando teve seu perfil (@sapiens_questione) invadido por criminosos. Pelo Instagram, ele expõe suas obras e vende trabalhos para clientes. Depois da invasão, ele ficou quatro meses sem acesso ao seu perfil e só conseguiu retomar a conta depois de recorrer à Justiça.
No caso de Benedito, o Instagram afirmou à Justiça que não houve “qualquer ilícito” cometido pela rede social. A plataforma da Meta (dona também do Whatsapp e do Facebook) frequentemente alega ao Judiciário que não é responsável por invasões sofridas por usuários e que a culpa decorre de alguma imprudência das vítimas.
“Os dados de login são de responsabilidade do próprio usuário”, alegou o advogado Celso Monteiro, do escritório TozziniFreire, que defende o Instagram.
O argumento do Instagram não colou. A juíza Carina Bandeira Margarido Paes Leme, da 7ª Vara Cível de Santana na capital de São Paulo, considerou “simplista” a defesa da rede social. A juíza criticou ainda a “inaptidão” em detectar a fraude cometida pelos criminosos e a “demora” em devolver a conta ao usuário.
“Como é notório, o fornecedor de serviços responde, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, independentemente da existência de culpa em caso de defeito do serviço”, afirmou a magistrada em sentença, publicada na semana passada.
Nem sempre a Justiça trata o uso de uma rede social como uma relação de consumo, embora seja um entendimento comum entre especialistas e legisladores. Há decisões judiciais que isentam o Instagram de qualquer pagamento de indenização. Por isso, representantes de vítimas comemoram condenações da plataforma em casos de roubo de perfis.
“Me parece acertado o fato de reconhecer a relação de consumo em redes sociais. A plataforma não é um mero intermediário equiparado a um classificado (de venda e compra de produtos). Tudo caminha para uma maior responsabilização das plataformas”, avalia o jurista Guilherme Magalhães Martins, professor de direito do consumidor da UFRJ e procurador do Ministério Público do Rio de Janeiro.
A coluna teve acesso a outras cinco sentenças da Justiça de São Paulo em que a rede social foi condenada pela mesma argumentação de vítimas, de que houve falha na prestação de serviço ao não proteger as contas ou não adotar medidas necessárias para devolver o acesso.
Em pelo menos quatro casos a Justiça determinou que o Instagram pagasse multa de R$ 10 mil às vítimas, como indenização por danos morais.
Uma analista de recursos humanos relatou à Justiça que seguiu todos os procedimentos solicitados pela empresa do bilionário Mark Zuckerberg para recuperar sua conta. A vítima gravou e enviou um vídeo, solicitado pelo Instagram, para comprovar que era a dona do perfil. Amigos também denunciaram o roubo ao Instagram. Nada adiantou e o acesso também só foi devolvido na Justiça.
Ainda assim, mesmo sem demonstrar erro da vítima no caso concreto, o Instagram alegou genericamente ao Judiciário que a culpa era exclusiva da usuária, por “sua própria imprudência”.
“Assim, se de fato existiu algum dano à Autora, o que só se admite a título de argumentação, este ocorreu por culpa exclusiva de sua própria imprudência”, alegou o advogado Celso Monteiro, que defende o Instagram na Justiça.
A defesa da empresa também não colou e o juiz Raphaello Alonso Gomes Cavalcanti, do Juizado Especial Cível de Mogi-Guaçu, condenou a plataforma a pagar uma indenização de R$ 2 mil para a vítima por danos morais. A vítima tinha pedido R$ 10 mil de reparação, patamar similar a outros casos, mas o magistrado avaliou que ela “não possuía um vultoso número de seguidores” e que a sentença devia obedecer ao “princípio da razoabilidade e proporcionalidade” no cálculo da condenação.
Enquanto casos de roubos de perfis se acumulam, há quem defenda que redes sociais só devem ser punidas judicialmente se comprovada a conduta negligente.
“Se a plataforma suspende em prazo razoável a conta invadida para não ter novos golpes, entendo que não precisa ser punida na Justiça. A suspensão em 24 horas seria um prazo razoável. Mas se há dano por negligência da rede social, entendo que tem que pagar uma indenização”, pondera a advogada Tania Liberman, sócia do Cescon Barrieu na área de tecnologia e propriedade intelectual.
Procurado pela coluna, o Instagram não se manifestou sobre as condenações.