Magistrados prestigiam evento de réu por devastação ambiental em MG
Ministro de Minas e Energia e Secretária Estadual de Meio Ambiente também reverenciaram empresário acusado de mineração ilegal
Magistrados e autoridades responáveis pela preservação ambiental prestigiaram na última segunda-feira, 24, um evento do empresário João Alberto Paixão Lages, que é acusado criminalmente na Justiça Federal de devastar a Serra do Curral, em Minas Gerais.
Ex-deputado estadual pelo MDB, conhecido como João Alberto, o empresário virou réu no dia 22 de março, conforme a coluna apurou. O Ministério Público Federal acusa ele e outros empresários pela prática dos crimes de extração ilegal de recursos minerais e de exploração de matéria-prima da União sem autorização legal.
João Alberto foi reverenciado pelas autoridades no lançamento da Associação de Mineradoras de Ferro do Brasil (AMF), presidida por ele.
Estiveram no evento o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, a secretária estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais, Marília Carvalho de Melo, o desembargador federal Flavio Boson Gambogi, do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), e o desembargador estadual Wanderley Salgado de Paiva, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
O evento chegou a ser noticiado como algo relevante no portal do TJMG, em que é citado que a associação “entregou uma Carta de Compromissos com a sociedade, na qual destaca o comprometimento com o desenvolvimento sustentável e a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU”. O texto institucional diz que o desembargador Salgado de Paiva representou o presidente do TJMG, José Arthur de Carvalho Pereira Filho, na ocasião.
A ação penal contra João Alberto tramita na 3ª Vara Federal Criminal de Belo Horizonte, do TRF6, mas o presidente do TJMG, José Arthur Filho, decidiu em 31 de outubro sobre pleito de uma empresa de João Alberto, a mineradora Gute Sicht. O pleito envolvia atividades de mineração da empresa, que colocaram ele e a firma no banco dos réus. A decisão do desembargador Arthur Filho ocorreu em uma disputa da empresa contra a Prefeitura de Belo Horizonte sobre a validade de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) sobre a mineração na Serra do Curral. O empresário foi acusado criminalmente justamente pelo entendimento do Ministério Público Federal de que ele violou a lei ao promover mineração nessa área. A Prefeitura de Belo Horizonte recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão de Arthur Filho, que validou o TAC.
Procurado, o desembargador Arthur Filho informou em nota que outras autoridades estavam no evento e que a presença não tira a independência do magistrado para julgar qualquer processo.
"Informo que no referido evento estavam presentes representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Portanto, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi representado de forma institucional como ocorre em outros eventos em que é convidado. Ressaltamos que este fato não tira a independência do juiz para julgar qualquer processo", afirmou o desembargador em nota à coluna.
A mineração na Serra do Curral virou uma das mais combatidas violações ambientais em Minas Gerais. A Gute Sicht, de João Alberto, virou alvo não só da Polícia Federal e do Ministério Público desde 2020, mas também de protestos de moradores e ambientalistas por devastar a natureza no local.
Um laudo da Polícia Federal constatou que a Gute Sicht, de João Alberto, extraiu ilegalmente um milhão de toneladas de minério de ferro da Serra do Curral no período de 2020 a 2022, uma área reconhecida como Reserva da Biosfera pela Unesco e tombada pelo Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
De acordo com a denúncia do Ministério Público e investigações da Polícia Federal, a empresa de João Alberto recorreu a expediente ilegal para fingir que não extraía minério da Serra do Curral. Para os órgãos de fiscalização, a empresa dizia fazer apenas a terraplanagem em uma área no local, mas o material extraído nas obras e o tipo de trabalho fizeram os investigadores concluírem que se tratava de uma extração ilegal de recursos minerais.
“Ao analisar a magnitude e a organização da operação, a dinâmica dos eventos, o porte dos equipamentos, a qualidade do teor do minério, dentre outros aspectos da operação, é viável concluir que se trata de uma atividade de mineração”, diz um laudo da Polícia Federal.
A PF estima que a Gute Sicht, de João Alberto, faturou quase R$ 300 milhões entre 2020 e 2022 com esse minério extraído ilegalmente da Serra do Curral.
O Ministério Público diz que a exploração foi criminosa porque não houve licença para terraplanagem pelos municípios de Belo Horizonte e Sabará, que dividem a área, e que foi ilegal uma autorização da Agência Nacional de Mineração (ANM) sobre isso. Após inúmeras idas e vindas em primeira e segunda instância, entre decisões que proibiram e liberaram a mineração no local, a Prefeitura de Belo Horizonte tentou em processo no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que a mineração no local fosse novamente interrompida. Nesta sexta-feira, 28, uma decisão da presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Maria Thereza Assis Moura, voltou a proibir a mineração na Serra no Curral.