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Daniel Haidar

"Rachadinha": MPRJ recorre e tenta facilitar nova denúncia contra Flávio Bolsonaro

Procuradoria-geral de Justiça diz que Órgão Especial do TJRJ se precipitou e impediu novo processo criminal sem a descoberta de fatos novos

17 fev 2023 - 07h00
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O senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do ex-presidente Jair Bolsonaro
O senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do ex-presidente Jair Bolsonaro
Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO - 7/12/22 / Estadão

Chegou na última quarta-feira, 15, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) a mais recente tentativa do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro (MPRJ) de facilitar uma nova denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) pelo esquema de corrupção conhecido como “rachadinha”, em que ele é suspeito de ter desviado mais de R$ 6 milhões em verbas públicas da Assembleia Legislativa do estado do Rio de Janeiro quando era deputado estadual.

Conforme a coluna apurou, a Procuradoria-Geral de Justiça do Rio apresentou um novo recurso ao STJ, ainda mantido em sigilo, com o argumento de que o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro (TJRJ) foi além do que estava em discussão quando rejeitou a denúncia do esquema da "rachadinha”, em maio do ano passado.

Flávio, o filho "zero um" do ex-presidente Jair Bolsonaro, tinha sido denunciado ao Órgão Especial pelo esquema da "rachadinha" em novembro de 2020, mas o caso demorou a ser analisado enquanto os advogados dele tentavam derrubar tudo em tribunais superiores. 

Quando o Órgão Especial do TJRJ finalmente analisou o recebimento da denúncia da "rachadinha", o STJ e o Supremo Tribunal Federal (STF) já tinham anulado provas obtidas nas investigações. Jamais foi analisado o mérito das acusações contra o senador. Os tribunais superiores discordaram das formalidades processuais adotadas na colheita de provas, porque a investigação tinha sido toda autorizada por um juiz de primeira instância, mas os advogados de Flávio conseguiram superar um entendimento recente do Supremo e fazer prevalecer a tese de que Flávio teria direito a foro privilegiado no Órgão Especial do TJRJ.

Só que, na hora de decidir sobre a abertura ou não de um processo criminal, os desembargadores do Órgão Especial se precipitaram e fizeram uma análise do mérito das acusações contra Flávio, de acordo com o recurso apresentado agora pelo MPRJ ao STJ. A procuradoria disse que essa precipitação ocorreu porque os desembargadores decidiram, antes da hora, que faltou “justa causa” para processar o senador. Com esse posicionamento registrado em acórdão, decidiram pela rejeição da denúncia.

Esse entendimento do Órgão Especial "viola flagrantemente o devido processo legal, ao subverter a forma como os atos anulados são extirpados do processo e impedir que a investigação siga do ponto em que foi decretada a nulidade", de acordo com o texto do recurso feito pelo MPRJ. Ou seja, com essa dificuldade supostamente criada pelo Órgão Especial, a procuradoria alega que teria de ser informada sobre novas denúncias ou fazer a descoberta de suspeitas inéditas, para pedir, de novo, que Flávio seja condenado pelo esquema de corrupção.

Depois das decisões de tribunais superiores, o próprio Ministério Público tinha pedido a extinção da denúncia contra Flávio, mas a procuradoria queria que essa rejeição estivesse só fundamentada na anulação de provas e que deixasse claro a falta de análise de mérito das acusações. Assim, nada impediria que essas mesmas provas fossem novamente colhidas e posteriormente validadas pela Justiça, para motivar um novo processo criminal.

"Rachadinha": MPRJ diferencia provas "ilegítimas" de "ilícitas"

O MPRJ considera que as provas da "rachadinha" contra Flávio são "ilegítimas", mas não "ilícitas". A procuradoria cita decisão recente do STJ, de que só é "ilícita" a prova quando obtida com a violação de direitos fundamentais, como uma confissão sob tortura ou uma gravação clandestina. Pelo entendimento majoritário dos juízes do Brasil, provas "ilícitas" são sempre inadmissíveis em processos.

Já provas "ilegítimas", assim chamadas quando houve apenas divergências sobre movimentações processuais, podem ser novamente utilizadas, se analisadas pelo rito processual correto ou pelo magistrado adequado.

Pode parecer um mero detalhe processual essa nova disputa do MPRJ contra o Órgão Especial do TJRJ, mas os advogados de Flávio usaram esse tipo de filigrana para conseguir inúmeras vitórias judiciais. Desse jeito, os defensores poderiam mais uma vez interromper investigações, se for mantido o entendimento de que será preciso descobrir novos fatos para reabrir processos sobre o esquema da “rachadinha”.

Embora quase todas as provas desse esquema tenham sido anuladas, continuou válido o relatório de inteligência financeira (RIF) do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) que detectou indícios de lavagem de dinheiro nas movimentações financeiras de Fabrício Queiroz, o antigo chefe de gabinete de Flávio que é considerado o operador do esquema da “rachadinha”. Esse é o principal ponto de partida para chegar a uma nova denúncia. Era Queiroz quem recolhia parte dos salários de funcionários fantasmas do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa e usava para pagar despesas pessoais do primogênito do ex-presidente, de acordo com as investigações.

A partir desse único relatório do COAF ainda válido, a promotoria poderia, em tese, repetir etapas da investigação da "rachadinha" e concluir uma nova denúncia, sem depender da descoberta de novos fatos.

Cabe agora ao STJ analisar se será mantida essa dificuldade que pode tornar ainda mais distante e improvável uma nova denúncia contra Flávio, ainda que nada impossibilite, por ora, que o MPRJ obtenha informações inéditas sobre o esquema da "rachadinha".

Fonte: Coluna do Daniel Haidar Daniel Haidar é jornalista. Foi editor da GloboNews, do JOTA e do Metrópoles. Trabalhou como repórter investigativo do El País Brasil, da revista ÉPOCA e da revista VEJA. Atuou também como repórter do jornal O Globo, do portal G1 e da rádio CBN. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra.
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