STF volta a decidir se militares serão julgados por seus pares
Julgamento é considerado crucial para reduzir abusos das Forças Armadas cometidos contra civis
O Supremo Tribunal Federal (STF) volta a decidir nesta sexta-feira, 10, se militares continuam a serem julgados por seus pares — quando matam, agridem ou torturam civis em atividades de segurança pública ou operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) — ou se terão suas condutas analisadas pela Justiça comum.
Juristas e organizações de defesa de direitos humanos consideram esse julgamento crucial para reduzir casos de abusos cometidos por militares contra a população.
O julgamento foi aberto por uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5032), apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em que é considerada inconstitucional parte da Lei Complementar nº 97/1999, que deu esse poder à Justiça Militar.
O caso estava parado por um pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski. Mas agora o julgamento deverá ser concluído em plenário virtual entre os dias 10 e 17 de fevereiro. A análise poderá ser transferida para sessão presencial do Supremo, caso isso seja solicitado por algum ministro.
Sobram críticas à atuação da Justiça Militar pela falta de punição a militares, quando são acusados de matar, torturar ou cometer outros crimes sem relação com a hierarquia da caserna. Memorial apresentado pelo grupo Tortura Nunca Mais cita que os fardados são absolvidos na maioria dos crimes cometidos contra civis.
“A Justiça Militar passa a mão na cabeça de militares que violam direitos humanos e é muito dura quando julga civis que atacam algum interesse militar. É uma Justiça extremamente corporativa”, critica o jurista Daniel Sarmento, professor titular de direito constitucional da UERJ e advogado do grupo Tortura Nunca Mais no processo.
Em primeira instância, crimes cometidos por militares são julgados por um Conselho de Justiça – formado por um juiz civil e outros quatro militares da ativa. Em segunda instância, militares também são ampla maioria no colegiado – o plenário do Superior Tribunal Militar (STM) é composto por 10 militares e 5 civis. Por isso, especialistas alegam que faltam condições institucionais para julgamentos imparciais.
Também é criticado o fato de que até militares sem formação jurídica decidem processos criminais contra os seus pares, algo inconcebível na Justiça comum.
Acima de tudo, juristas consideram uma violação à Constituição Federal esse poder dado à Justiça Militar para julgar crimes cometidos contra civis pelas Forças Armadas, quando praticados em atividades de segurança pública.
“Princípios constitucionais como a exigência de imparcialidade judicial e o devido processo legal tiram a legitimidade da Justiça Militar para analisar crimes de militares contra civis”, argumenta Sarmento.
Antes da interrupção do julgamento, tinham sido publicados três votos favoráveis à Justiça Militar. Assim votaram o relator, Marco Aurélio Mello (antes de se aposentar), Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.
Só o ministro Edson Fachin votou até agora contra a Justiça Militar.
Depois dos ataques golpistas de 8 de janeiro, advogados torcem para que Barroso mude seu posicionamento.
Substituto de Marco Aurélio Mello, o ministro André Mendonça não terá direito a votar nessa ação. Faltam então sete votos (Nunes Marques, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Rosa Weber).
“Se o STF mantiver esse poder da Justiça Militar, será uma vergonha. Um dos problemas históricos das democracias na América Latina, especialmente no Brasil, é a influência excessiva dos militares na vida social. Isso é aprofundado com a submissão à Justiça Militar dos casos de violações de direitos humanos cometidos contra civis”, conclui o professor da UERJ.