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De Bob Marley a Billie Eilish: a superfã que virou fotógrafa consagrada

Em cinco décadas de carreira, Jill Furmanovsky fotografou algumas das estrelas da música mais famosas do mundo.

22 mar 2024 - 14h43
(atualizado em 10/5/2024 às 17h43)
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Bob Marley em Londres em fevereiro de 1978
Bob Marley em Londres em fevereiro de 1978
Foto: JILL FURMANOVSKY / BBC News Brasil

Em cinco décadas de carreira, Jill Furmanovsky fotografou algumas das estrelas da música mais famosas do mundo — de Sinead O'Connor a Billie Eilish, e de Bob Marley a Amy Winehouse.

A fotógrafa foi consagrada agora como "Lenda do Ano" pelo So.Co Image of Music Awards.

"O trabalho incrível de Jill tocou a vida de milhões de fãs de música em todo o mundo", declarou Vince Bannon, CEO da SO.CO.

A organização, que apoia carreiras musicais e produção musical, acrescentou:

"Os fotógrafos de música são a pulsação do que fazemos na So.Co, e não poderíamos estar mais entusiasmados em homenagear o legado de Jill na premiação deste ano."

Furmanovsky cresceu na Rodésia do Sul, atual Zimbábue, antes de se mudar para Londres aos 11 anos, o que ela chama de "mudança traumática".

"Eu vim de uma pequena cidade chamada Bulawayo e estava acostumada a andar descalça e ser bastante independente", diz ela à BBC.

"Eu andava de bicicleta e visitava minha avó no meio do mato."

"Era um estilo de vida muito diferente do de Londres dos anos 1960. Viemos para o Reino Unido em fevereiro, e eu nunca tinha visto neve antes ou sentido tanto frio."

Jill Furmanovsky, quando jovem, fotografada pelo baterista do Pink Floyd, Nick Mason
Jill Furmanovsky, quando jovem, fotografada pelo baterista do Pink Floyd, Nick Mason
Foto: NICK MASON / BBC News Brasil

A música ocidental e a fotografia começaram a fazer parte da sua vida graças ao pai.

"Meu pai era arquiteto, mas adorava jazz e fotografia. Ele tinha uma câmara escura em casa. Então, na verdade, os hobbies do meu pai se tornaram minha carreira."

"Eu não gostava dos discos de jazz que ele botava para tocar na época, mas tinha uma tia que gostava de Elvis."

"Depois, ouvimos falar dos Beatles, beetles (besouros, em inglês) eram aqueles insetos com os quais estávamos familiarizados na África, encontrados na lama, então achávamos muito divertido que houvesse algo chamado The Beatles."

A Beatlemania estava a todo vapor na Grã-Bretanha dos anos 1960, e Furmanovksy se viu mergulhada no centro do frenesi.

Primeiras fotos de Paul McCartney

"Eu era um pouco nova demais para ser uma 'Apple Scruff' (como era chamadas as tietes que costumavam esperar do lado de fora do prédio da Apple Corps, selo criado pelos Beatles, para ver os membros da banda) porque elas tinham algumas tarefas, como comprar leite e cigarros para os Beatles, mas eu sem dúvida era uma caçadora de autógrafos."

"Eu tinha minha Kodak Instamatic, então ficava bastante tempo fora (do estúdio) da Abbey Road."

"Tirei minhas primeiras fotos de Paul McCartney do lado de fora da casa dele, com duas amigas da escola. Ele era e ainda é muito habilidoso, honrando os fãs, se essa é a palavra certa."

Seus primeiros registros foram úteis quando ela começou a estudar design gráfico e têxtil na Central St Martins, faculdade de arte em Londres.

Depois de apenas duas semanas de curso de fotografia, ela teve uma grande oportunidade: ofereceram a ela o cargo de fotógrafa oficial na principal casa de rock de Londres, o Rainbow Theatre, em 1972.

"Eu estava fazendo esse curso de fotografia de duas semanas, no início do meu segundo período (na faculdade)", recorda.

"Eles te davam uma câmera da faculdade para usar no fim de semana, e eu estava indo ao Rainbow Theatre para ver a banda Yes."

"Eu estava assistindo ao show do balcão, e podia ver aqueles pontinhos no palco, e também podia ver alguns fotógrafos trabalhando perto do palco. Pensei que se eu descesse até o auditório, talvez não percebessem que eu não era profissional com aquela câmera sofisticada."

Aproveitando a oportunidade, Furmanovsky passou pelas portas do auditório, caminhou em direção ao palco e começou a fotografar.

The Clash tocando no Rainbow Theatre em 1977
The Clash tocando no Rainbow Theatre em 1977
Foto: JILL FURMANOVSKY / BBC News Brasil

"Eu só tinha quatro dias de experiência naquele momento. Não sabia o que estava fazendo", diz ela.

Mais tarde, as pessoas que trabalhavam na produção do show perguntaram se ela era profissional, e ela repondeu que sim.

"Obviamente não era verdade, mas eles me ofereceram o cargo de fotógrafa oficial", acrescenta.

"Então comecei a trabalhar no Rainbow Theatre aos 18 anos, sem salário, mas com esse acesso fantástico a todos os shows."

"Gosto de pensar que foi o destino. Estava esperando por uma oportunidade, e simplesmente aproveitei quando ela apareceu."

Em pouco tempo, Furmanovsky estava fotografando as grandes estrelas do rock das décadas de 1970 e 1980, incluindo Led Zeppelin, Pink Floyd, The Ramones, Eric Clapton, Blondie e The Clash, enquanto elas brilhavam no palco do Rainbow Theatre. Ela também registrou algumas das primeiras imagens do Sex Pistols.

Em 1991, no entanto, ela chegou a pensar em desistir da fotografia, devido ao alto custo de manutenção do seu estúdio — e porque "foi um momento muito difícil para mim", diz ela.

Mas um de seus registros — uma foto do baterista dos Rolling Stones, Charlie Watts, publicada na revista Q — ajudou a salvar sua carreira.

"Quando veio o concurso Jane Bown Observer Portrait Award, e eu tive que registrar (a foto)", diz ela.

Furmanovsky ganhou o prêmio em 1992, e sentiu que aquilo deu fôlego novo ao seu trabalho.

"Não conseguia acreditar que ganhei — Jane Bown era uma das minhas heroínas", afirma.

"Além disso, tinha o dinheiro. Você não ganhava apenas uma cocada e uma mariola, ou algo assim. (O dinheiro) pagou minhas contas, e pensei: Ainda 'é para ser'. Preciso seguir adiante."

A fotografia premiada de Jill Furmanovsky, um perfil do baterista dos Rolling Stones, Charlie Watts
A fotografia premiada de Jill Furmanovsky, um perfil do baterista dos Rolling Stones, Charlie Watts
Foto: Jill Furmanovsky / BBC News Brasil

Charlie Watts era conhecido por ser o membro mais modesto dos Rolling Stones e, quando seu retrato foi anunciado vencedor do prêmio, ele escreveu para Furmanovsky.

"Recebi uma carta dele escrita à mão, dando os parabéns, e ele assinou 'CR Watts', seguido entre parênteses por 'Baterista dos Rolling Stones'.

"O fato de Charlie Watts ter tido tanta ética de trabalho, ter sido tão brilhante, uma pessoa dos bastidores, o membro invisível dos Stones. Isso tudo ressoava dentro de mim."

"Essa foto tem esse sentimento extraordinário de Mona Lisa. Você se sente perdido, meio que com um sorriso interior sorrindo para este homem, mesmo que esteja de perfil."

Se tivesse que escolher qual é sua foto favorita, seria esta.

"Se houvesse só uma foto que eu poderia levar para uma ilha deserta, provavelmente seria esta, que eu colaria na minha pedra e ficaria olhando."

A fotógrafa trabalhou com os irmãos Noan e Liam (foto) Gallagher até 2009
A fotógrafa trabalhou com os irmãos Noan e Liam (foto) Gallagher até 2009
Foto: JILL FURMANOVSKY / BBC News Brasil

Em 1994, a carreira de Furmanovsky daria outra guinada que mudaria sua vida, quando nasceu seu relacionamento com uma nova banda de Manchester.

"Eu tinha um livro chamado The Moment", diz ela, recordando um diário pessoal que ela criou "desde os Beatles até o que quer que estivesse surgindo agora, e o Oasis estava surgindo na época".

"Tirei as fotos cerca de uma semana depois, o assessor deles perguntou se eu gostaria de trabalhar com eles. E eu pensei: Sim, na verdade, eu gostaria!"

"Três anos depois, documentei essa enorme explosão de talento deles."

Furmanovsky continuou a trabalhar com Noel e Liam Gallagher até 2009.

"Foi maravilhoso", relembra.

"Sinto que fiz minha melhor coleção de trabalhos com eles. Eles gostavam de trabalhar com mulheres."

"Eles tinham uma gerente de turnê mulher, e grande parte da área empresarial era formada por mulheres, e as mães [de todos os integrantes da banda] eram grandes figuras em suas vidas."

Trabalhar com o Oasis durante sua ascensão meteórica ao estrelato apresentou uma série de momentos icônicos para Furmanovksy, mas embora os festivais de Knebworth e Glastonbury vão sempre ficar na memória, tem um show que será para sempre o mais memorável.

"(O show do estádio) Maine Road foi ainda mais extraordinário do que o de Knebworth porque ficava em Manchester. Era para onde eles iam na infância, como torcedores do time de futebol."

"Quando eles subiram naquele palco, e havia todas aquelas casinhas ao fundo, atrás da multidão, sinto um arrepio até hoje. Foi uma volta para casa. Foi um 'olha o que fizemos, Manchester, olha o que fizemos por você'."

De Abbey Road a Maine Road, Furmanovsky passou de acompanhar uma grande banda como fã a trabalhar no palco com outra.

"Eu não podia fazer isso com os Beatles, mas podia com o Oasis, e eles amavam os Beatles", diz ela.

Além de trabalhar com grandes artistas do sexo masculino, incluindo as bandas Madness, Depeche Mode e o lendário Bob Dylan em Glastonbury, um momento que Furmanovsky chama de "me belisque", a fotógrafa conta que curtiu muito trabalhar com "mulheres ousadas".

"Sinead O'Connor era tão linda, assim como Billie Eilish, e ambas trabalharam contra sua beleza. Ambas despertam uma sensação meio tensa e um pouco assustadora em relação a elas."

"Você poderia vesti-las de forma elegante e ficariam lindas de morrer, mas elas são como Debbie Harry e Chrissy Hynde, mulheres muito atraentes que têm essa tensão."

"Amy Winehouse é outra pessoa. Há várias dessas mulheres ousadas que moldaram sua personalidade em circunstâncias bastante difíceis."

Furmanovsky espera que no futuro haja um centro de patrimônio visual do rock no Reino Unido, para fornecer "inspiração para a próxima geração".

Jill Furmanovsky vai receber o prêmio de "Lenda do Ano'" na próxima terça-feira (26/3) durante a cerimônia de entrega do So.Co Image of Music Awards.

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