Após 57 anos, programa que investiu na educação infantil registra progressos nos participantes
Foi no ano de 1962 no Michigan, Estados Unidos, quando o psicólogo David Weikart e o diretor da Escola Primária de Perry, Charles Eugene Beatty, começaram a desenvolver o que, posteriormente, viria a ser chamado de Programa Perry. 123 crianças pobres, negras e em situações de risco teriam sua trajetória acompanhada de forma diferente dos 0 a 5 anos. 58 receberiam uma educação de alta qualidade, enquanto as outras 65 uma comum. Os resultados, no início, não pareciam dos mais otimistas, mas com o passar dos anos foram se provando incríveis. As crianças, que tiveram o investimento, mostraram não ter predisposição ao crime, geraram crescimento econômico e acredite se quiser: o estudo fez com que seus filhos colhessem os frutos 57 anos depois.
Vencedor do Nobel de Economia no ano de 2000, James Heckman é quem se debruça sobre os estudos do Programa Perry atualmente. Ele conclui que o investimento na educação infantil pode ser uma estratégia eficaz para governos que queiram alavancar o crescimento econômico a longo prazo. Isso porque o retorno para a sociedade foi de 7 a 10% ao ano, com base no aumento da escolaridade e do desempenho profissional, além da diminuição de custos com reforço particular para a escola, saúde e gastos do sistema penal.
A proposta inicial do estudo era testar se o acesso a uma educação infantil de alta qualidade melhoraria a qualidade de vida e a capacidade cognitiva e de habilidades, que possibilitaria a essa pessoa um sucesso profissional. O que aconteceu com os 58 estudantes acompanhados foi que eles conseguiram empregos melhores, aumentaram sua renda, saíram da pobreza e a chance de que cometessem um crime tornou-se muito menor do que a dos outros 65.
No entanto, apesar do sucesso evidente, Heckman conta que quando ele começou a analisar os dados, havia uma concordância de que o experimento não obteve sucesso:
"O consenso quando comecei a analisar os dados era de que o programa não tinha sido bem sucedido porque o QI dos participantes era igual ao de não participantes. No entanto, nós não olhamos para o QI, mas sim para as habilidades sociais e emocionais que os participantes demonstraram nas etapas da vida. Vimos que o programa era muito mais bem sucedido do que achavam. Constatamos que os participantes estavam com empregos melhores e tinham menos chance de cometer um crime. E assim vimos que o programa tinha sido muito mais bem sucedido do que as pessoas achavam, porque eles só estavam avaliando por um ângulo restrito"
As novas análises de Heckman foram divulgadas neste mês de maio de 2019 e ela foi desenvolvida junto com seu colega, Ganesh Karapakula, na Universidade de Chicago.
Na etapa de crescimento, entre o nascimento e os cinco anos de idade, o cérebro se desenvolve de uma forma muito rápida e é maleável a modificações. Dessa forma, os participantes tinham mais facilidade de adquirir habilidades cognitivas e de personalidade, estimulada pelo professores e os profissionais que acompanharam o programa Perry. Isso é capaz até de gerar maior facilidade na hora de se fazer um teste vocacional (https://cafeinanerd.com.br/mais-cafeina/teste-vocacional/), por exemplo. Atenção, motivação, sociabilidade e autocontrole foram o foco.
Heckman fez uma descrição geral de como o programa era, de fato.
"No caso do Perry, eles pegavam crianças de famílias muito pobres e levavam para a creche. Era como ser pais - ficavam muito tempo com a criança e davam uma mentoria a ela. Levavam as crianças ao zoológico, ao parque, brincavam com elas. Isso dava à criança a oportunidade de interagir com seus pares. Por isso, funcionou. O programa também tinha visitas semanais aos pais.
Os pais ficaram muito empolgados. A criança voltava para casa entusiasmada. E os pais acabavam estimulando a criança ainda mais. As lições desse programa também são transferíveis para programas de visita (às casas dos pais, nos quais um educador ensina os pais como estimular seus filhos pequenos), ainda que eles pareçam ser diferentes. Uma lição é como é importante a vida doméstica na formação.
Um programa que está sendo implementado na Jamaica, por exemplo, consiste de passar uma hora por semana com a mãe ensinando como ela pode interagir com as crianças - desafiá-la, engajá-la. O preço não é tão alto e o retorno é enorme."
Entre pesquisadores há um consenso de que é de extrema importância aquilo que a criança aprende nos primeiros anos de vida. Isso ocorre porque nesta fase se constroem habilidades cognitivas, sociais e emocionais, que vão lhe acompanhar pelo resto da vida. Inclusive, quando se trata de educar os filhos.
É o que explica Heckman:
"Os participantes são pessoas bem sucedidas. Eles têm estatisticamente uma chance muito menor de ter cometido crimes. Vemos que há muita correlação entre atividade criminal dos pais e dos filhos. Os pais do Perry reproduzem com os filhos o que aprenderam na infância. A criança bem formada consegue aproveitar melhor aprendizados futuros. Mas não devemos desistir das pessoas depois de uma certa idade. Isso não é verdade.
O norte-americano ainda afirmou que, caso o programa seja implantado atualmente, seria preciso fazer uma readequação.
"Se você fizer uma imitação e aplicar o Perry de 1960 para Porto Alegre em 2019 seria loucura. Há adaptações culturais que precisam ser feitas. Mas os mecanismos que descrevemos são replicáveis. Ensinar os pais a se engajar na vida da criança, isso dá resultado no resto da vida."
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