Diploma para enfeitar
Hoje em dia, é muito clara a constatação de que diploma pode ser necessário, mas não suficiente para alavancar uma profissão, uma carreira ou uma atividade. O país dos bacharéis importou a cultura coimbrã em que o anel de rubi era um passaporte para o êxito financeiro e para ascender a classes superiores na sociedade bem hierarquizada.
Já nos primeiros tempos da São Francisco, a primeira escola de direito a funcionar no Brasil, havia os que se submetiam aos rituais do aprendizado jurídico apenas para atender à vontade dos pais. Depois, não faziam uso dele. Nem por isso deixavam de contribuir para o progresso da jovem nação, que depois fez a bobagem de se tornar República.
Hoje, quando o Brasil dispõe de mais faculdades de direito do que a soma de todas as demais que existem pelo restante do planeta, chegará o dia em que não haverá um brasileiro sem o diploma de bacharel em ciências jurídicas. Isso poderia ser bom, se ao lado dos direitos - profusos e infinitos - se ensinasse também a respeitar deveres, assumir responsabilidades e cumprir obrigações. Infelizmente, não é o que acontece.
A multiplicação de Faculdades fez proliferar a indústria da judicialização. O Brasil é o país mais beligerante da face da Terra. E tornou o Judiciário um estamento que não quer ceder espaço para a mais saudável cultura, aquela que propõe a composição consensual de controvérsias. É insano e irracional o sistema Justiça tupiniquim: cinco Justiças, duas comuns, que só brigam por competência e três especiais. Quatro instâncias e um quadro recursal caótico, propiciador da interminável duração dos processos. Haja saúde para esperar uma decisão definitiva.
A Justiça brasileira sugere algo melancólico: nem sempre quem tem razão se verá vitorioso numa demanda. Há desvios, há excesso de burocracia, há um protagonismo doentio. Causas são julgadas pelo nome das partes. Vale mais o preconceito do que o conteúdo dos autos.
Mas a reflexão de hoje é para mencionar que muitos dos primeiros formados pelas Arcadas não se dedicaram propriamente ao universo do direito. Veja-se, por exemplo, a figura de Rafael de Aguiar Paes de Barros, da turma 1854-1858. Filho de Bento Paes de Barros e Leonarda Aguiar Paes de Barros, os primeiros Barões de Itu, nasceu naquela cidade, a 28 de dezembro de 1835. Seu irmão, Antônio de Aguiar Barros, foi o Marquês de Itu. Embora seu currículo mencione ter sido advogado em Itu e fazendeiro em Jundiaí, na verdade ele preferia atividades menos maçantes. Por exemplo, a criação de cavalos de raça. Por isso, figura como um dos criadores do Jóquei Clube de São Paulo, cuja fundação foi antecedida pelo antigo Clube de Corridas.
Ideologicamente foi liberal e depois republicano. Tornou-se um grande propagandista da República. Convencional de Itu em 1873, foi vereador pelo Partido Republicano Paulista e considerado um dos pilares da Primeira República, mormente na fase de sua preparação, quando a substituição do regime benfazejo, sob comando sereno e prudente de um estadista respeitado e magnânimo, como foi Pedro II, era hostilizada e racionalmente resistida pelos homens mais sensatos.
Abolicionista, nunca teve escravos. Sempre usou do braço livre e foi um dos fundadores da Sociedade Promotora de Imigração, a qual presidiu. Também figura como um dos fundadores do jornal A Província de São Paulo, que depois se converteu no hoje tradicional O Estado de São Paulo, o famoso "Estadão". Escreveu assiduamente para o jornal entre 1878 e 1884.
Seu interesse pelos mais carentes o fez um dos lutadores pela manutenção da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, de que foi provedor entre 1886 e 1889.
Como era comum àquele tempo, casou-se com sua prima Francisca de Azevedo de Barros e, como verdadeiro patriarca, foi pai de catorze filhos. Faleceu em São Paulo, aos 12 de março de 1889 e não teve oportunidade de assistir ao advento da República, nem de lamentar os problemas que ela trouxe para o Brasil.
*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras