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Disputa por verba entre Poderes chega ao STF

Em crise e com contas atrasadas, governadores recorrem à Corte para reduzir o valor dos repasses mensais ao Judiciário e ao Legislativo

30 set 2019 - 05h29
(atualizado às 07h58)
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A disputa por recursos entre os Poderes chegou ao Supremo Tribunal Federal. Ao menos nove Estados tiveram de recorrer à Corte ou foram acionados por ela em função de atrasos e de tentativas de redução no valor dos repasses mensais feitos ao Judiciário e Legislativo nos últimos dois anos. Diante de orçamentos deficitários, que impedem investimentos em áreas básicas e levam até mesmo ao parcelamento dos salários dos servidores, governos tentam dividir o ajuste fiscal com órgãos que, em muitos casos, registram superávit.

Donos de "fundos de reaparelhamento", Tribunais de Justiça, Assembleias Legislativas e órgãos autônomos, com as Promotorias Estaduais, aplicam os chamados duodécimos (são 12 transferências por ano) em obras milionárias pelo País, em plena crise. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, projeta erguer duas torres novas por R$ 1,2 bilhão. Já o Ministério Público do Tocantins investe cerca de R$ 4 milhões na construção e reforma de Promotorias no interior e em Palmas. E o Legislativo de Goiás constrói uma sede de 44 mil m² avaliada em R$ 112 milhões.

Idealizado desde 2001, o novo prédio da Assembleia de Goiás é pago com recursos do duodécimo da Casa, que, neste ano, poderá chegar a R$ 97 milhões, ou R$ 1,1 bilhão por ano, orçamento maior que o projetado pelo governador Ronaldo Caiado (DEM) na Lei de Diretrizes Orçamentárias: R$ 69 milhões.

Os deputados aprovaram R$ 157 milhões por mês e chegaram a derrubar o veto feito por Caiado ao projeto. Depois, aceitaram reduzir em R$ 60 milhões o recurso só para investimentos e manutenção, sem contar despesas com pessoal.

"A lei diz que o porcentual deve ser, no mínimo, de 3% da receita, o que daria R$ 157 milhões. Mas, em função da crise do Estado, fizemos um acordo. Não precisamos desse valor exorbitante, mesmo tocando uma obra", afirmou o presidente da Assembleia de Goiás, Lissauer Vieira (PSDB). O déficit previsto no Estado para 2020 é de R$ 3,5 bilhões.

As batalhas travadas individualmente são consequência de uma espera de quase duas décadas para o STF julgar artigos suspensos da Lei de Responsabilidade Fiscal que poderiam aliviar os cofres estaduais. Um deles permitiria ao Executivo dividir o aperto fiscal entre os Poderes. O julgamento foi paralisado em agosto quando o placar estava em 5 a 5 - falta o voto do ministro Celso de Mello.

Sem uma regra geral, resta a cada Estado negociar acordos individuais. Caberá ao Supremo decidir, por exemplo, se o Rio Grande do Sul poderá manter sua decisão de congelar o orçamento de 2020, eliminando a chance de reajuste nos duodécimos.

Santa Catarina, Paraná e Goiás também tentaram, sem sucesso, "economizar" nas transferências durante a votação de suas respectivas LDOs, mas sem apelar ao Supremo.

Mato Grosso, Tocantins, Roraima, Rio Grande do Norte, Sergipe, Paraíba e Rio foram acionados na Corte após atrasarem as parcelas, que devem ser pagas até dia 20 - hoje estão normalizadas. Já o Amapá acionou o STF para pagar menos ao Tribunal de Justiça.

Estátua da Justiça em frente ao Supremo Tribunal Federal, em Brasília
Estátua da Justiça em frente ao Supremo Tribunal Federal, em Brasília
Foto: Ueslei Marcelino / Reuters

Acordos para aliviar as contas

Após ser derrotado na Assembleia Legislativa de Santa Catarina em sua tentativa de reduzir em R$ 500 milhões as transferências mensais, a partir de um corte linear de 10%, o governo do Comandante Moisés (PSL) fechou um acordo com os chefes dos Poderes que prevê uma devolução de R$ 268 milhões até o fim do ano.

"Isso mostra que há sobra de recursos. Mas só seis dos 40 deputados votaram a favor da redução. A devolução, portanto, é uma conquista, apesar de não ser o modelo ideal", disse o chefe da Casa Civil de Santa Catarina, Douglas Borba.

Situação parecida ocorreu no Paraná. Ratinho Júnior (PSD) tentou reduzir o valor das transferências, sem êxito. A mudança na base de cálculo, para menos, foi vetada na Assembleia, mas o governo conseguiu que o pagamento de pensões do TJ e do MP não saia mais dos cofres estaduais.

Outras duas mudanças ajudarão a aliviar as contas: o governo deixará de pagar as custas processuais judiciais e extrajudiciais e ficará com as "sobras" dos duodécimos ao fim de cada ano. A soma total chega a R$ 150 milhões. "No fim, ficou 'elas por elas'", disse o chefe da Casa Civil do Paraná, Guto Silva.

Para Adib Kassouf Sad, especialista em direito administrativo, a falta de atualização da legislação relativa ao pagamento dos duodécimos - a lei é de 1964 - e a falta de controle da qualidade do gasto levam a dúvidas sobre os repasses. "Mas eles são constitucionais, servem para assegurar a independência entre os Poderes, que não podem ficar com o pires na mão. Precisamos é começar a avaliar a eficiência do uso do dinheiro público, seja por qual órgão for."

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Bastidores da reportagem:
Estadão
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