Doria x PSDB: entenda a crise na definição da candidatura à Presidência
Veja cronologia das divergências internas, que começaram ainda antes da realização das prévias, em novembro do ano passado
A decisão do ex-governador de São Paulo João Doria de não participar de um encontro com a cúpula tucana, que estava marcado para esta quarta-feira, 18, em Brasília, é mais um capítulo da série de embates internos no PSDB em torno da candidatura à Presidência da República. O objetivo do encontro era pressionar Doria a desistir da disputa, o que abriria espaço para a candidatura da senadora Simone Tebet (MDB-MS).
A pressão para desistência de Doria não é recente e vem como consequência de um processo de fragmentação do partido desde antes das prévias, em novembro de 2021. Confira o histórico de divergências no PSDB que culminaram no momento atual, em que o pré-candidato a presidente ameaça judicializar a disputa interna.
Outubro de 2021: troca de acusações
Disputadas por Doria, pelo então governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e pelo ex-senador Arthur Virgílio, as prévias do PSDB para a escolha do candidato a presidente foram marcadas por acusações de fraude e por um fiasco tecnológico.
Doria teve o apoio do diretório de São Paulo e de lideranças históricas, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e José Serra. Já as alas lideradas pelos ex-presidenciáveis Geraldo Alckmin - que saiu do partido em dezembro após 33 anos - e Aécio Neves trabalharam majoritariamente pelo triunfo de Leite.
Quatro diretórios tucanos ligados a Leite entraram com representação em outubro na Comissão Executiva Nacional do PSDB alegando que pelo menos 51 prefeitos e 41 vice-prefeitos de São Paulo, aliados de Doria, teriam apresentado datas de filiação diferentes da realidade, apenas para poderem participar da votação. O então governador paulista classificou as contestações como "tapetão", mas o presidente do PSDB, Bruno Araújo, determinou a impugnação dos 92 filiados.
Novembro de 2021: vaivém das prévias
Dias antes da votação, o aplicativo desenvolvido a pedido do partido ao custo de R$ 1,3 milhão para a votação apresentou falhas - muitos filiados não estavam conseguindo acessar a plataforma - e aliados de Leite chegaram a pedir o adiamento disputa, o que foi rechaçado pela equipe de Doria.
Na data marcada, 21 de novembro, houve novos problemas com o aplicativo e a votação acabou adiada. Seis dias depois, no dia 27, as prévias foram, enfim, realizadas.
Doria venceu, com 53,99% dos votos, seguido por Leite, com 44,66%, e Virgílio, com 1,35%. A eleição interna do partido contou com a participação de 30 mil filiados, de forma presencial ou remota.
Em seu discurso de vitória, Doria pregou a união interna do partido e pediu ajuda das demais siglas de centro para a "consolidação" de um "melhor projeto" para o Brasil. "Ninguém faz nada sozinho. Precisaremos da ajuda de todos. Da união do Brasil. Da união do PSDB. Da união com outros líderes e partidos", afirmou, fazendo aceno para as discussões em torno da formação da terceira via, que serviria como alternativa à polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL).
Janeiro de 2022: Busca pela união
Para tentar apaziguar os ânimos após as prévias, Doria estruturou uma equipe que tinha como objetivo, segundo afirmou, de unir o partido. Com diálogo com diferentes alas do PSDB, Bruno Araújo, presidente da sigla, foi convidado para coordenar a pré-campanha.
Fevereiro de 2022: Dissidência pró-Leite
A pressão pela desistência de Doria aumentou no início do ano eleitoral. Em um encontro em Brasília, a ala tucana contrária à pré-candidatura própria do PSDB ao Planalto se reuniu para discutir a estagnação do paulista nas pesquisas e a sua dificuldade de se mostrar como um candidato competitivo e capaz de romper a polarização entre Lula-Bolsonaro. A reunião, na casa de Pimenta da Veiga, contou com a participação de Eduardo Leite, do senador Tasso Jereissati (CE), do ex-senador José Aníbal (SP) e do deputado Aécio Neves (MG).
Doria classificou o encontro como um "jantar de derrotados". Em entrevista à Rádio Eldorado, ele ainda afirmou que o "PSDB é maior do que cinco pessoas". "Foi um jantar de derrotados, com todo respeito. Todos eles foram derrotados nas prévias. Eu entendo que na vida pública, e também na vida privada, você tem que compreender vitórias e derrotas", disse.
Na época, o entorno do tucano paulista se frustrou com a carta escrita por Bruno Araújo sobre o encontro. Para os aliados de Doria, o presidente nacional do PSDB não se posicionou de maneira enfática diante da ameaça pública de dissidência.
Fevereiro de 2022: Federação com o Cidadania
Para conter o isolamento de sua pré-candidatura dentro do partido, Doria buscou apoio externo: o Cidadania. A articulação, liderada por ele, foi considerada o primeiro movimento formal em torno de seu nome para a disputa de 2022.
No dia 19 de fevereiro, o diretório nacional do Cidadania aprovou a formação de uma federação partidária com o PSDB. A votação final foi apertada: 56 votos a favor da federação com os tucanos e 47 votos por uma união com o PDT, do pré-candidato Ciro Gomes.
Março de 2022: O contragolpe de Leite
Eduardo Leite recebeu "com muita alegria" o convite para ser candidato do PSD, partido do ex-ministro Gilberto Kassab, a presidente da República. Na época, essa possibilidade intensificou a crise interna do PSDB e favoreceu a fragmentação da sigla.
A sinalização interessada de Leite fez com que tucanos saíssem em defesa de sua permanência na sigla e publicassem carta pública para pressionar o gaúcho a não sair do PSDB. Na carta, eles diziam "não admitir a possibilidade" de perder Leite em momento crucial para a história do Brasil.
No final de março, o gaúcho anunciou sua permanência no PSDB e que iria renunciar ao cargo de governador, abrindo caminho para que ele dispute as eleições deste ano.
Final de março de 2022: O 'blefe' de Doria
Dias após o anúncio de permanência de Leite no partido, Doria surpreendeu aliados ao comunicar que havia desistido de concorrer à Presidência pelo PSDB e avisar que não iria mais deixar o cargo de governador, como estava previsto.
O anúncio, no decorrer do dia 31 de março, fez com que o Bruno Araújo enviasse uma carta aos principais líderes do partido na qual defendeu o resultado das prévias pela primeira vez.
Ao final do dia, Doria voltou atrás da "decisão" e afirmou a jornalistas que as notícias sobre sua eventual desistência da disputa à Presidência foram "estratégia política". Segundo o tucano, houve um planejamento prévio para que o presidente do partido tivesse de se manifestar publicamente em apoio a seu nome.
Início de abril de 2022: União da terceira via
Quatro partidos decidiram selar um acordo para lançar um candidato único para o Planalto: MDB, União Brasil, Cidadania e PSDB - os dois últimos, federados, são obrigados a participar juntos do pleito. Na ocasião, Simone Tebet (MDB), Doria, Leite e Sérgio Moro (UB) apareciam como pré-candidatos. Apesar de o ex-juiz ter o nome rechaçado pelo partido para o cargo, ainda mantinha publicamente interesse na disputa.
O nome de Simone Tebet aparecia como o mais cotado para encabeçar a chapa, por ser visto como o mais "estável" entre os postulantes.
Início de abril de 2022: aparições de Doria nas propagandas partidárias
Em um momento de breve trégua nas disputas internas do PSDB, Doria recebeu da cúpula do partido o aval para protagonizar sozinho as inserções nacionais na TV, exibidas em 26 de abril. Os tucanos paulistas apostaram nos comerciais para reduzir a rejeição do paulista registrada nas pesquisas de intenção de voto.
Na propaganda partidária, Doria se transformou em "João", na tentativa de popularizar sua imagem como o verdadeiro pré-candidato do PSDB à Presidência. Naquele momento, Eduardo Leite ainda se movimentava para ocupar espaço na disputa.
Meados de abril de 2022: Mudança de nomes
Em abril, entretanto, após queixas de Doria de que a direção nacional do PSDB não tinha colocado sua campanha na rua, o ex-governador substituiu Araújo pelo aliado Marco Vinholi, dirigente do partido em São Paulo.
Segundo a equipe do ex-governador, a decisão foi motivada por manifestações de Araújo que "relativizavam" o papel do tucano paulista na disputa presidencial, postura considerada por Doria como "pouco agregadora".
Pelas redes sociais, Araújo disse que nunca fez "questão" de atuar na coordenação da pré-campanha do ex-governador. "Ufa", disse. Ufa! Comando que nunca fiz questão de exercer. Aliás, ele sabe as circunstâncias em que e por que 'aceitei' à época. Aliás, objetivo cumprido!", escreveu.
No dia 22 de abril, Leite deu sinais de recuo e divulgou carta na qual dizia que seu partido "deve ter candidato a presidente" e que, hoje, "este nome é João Doria". Em resposta, o tucano paulista falou em "gesto de grandeza".
Maio de 2022: "primeira baixa" da terceira via
Após o governo federal ameaçar tirar cargos do União Brasil, o partido decidiu abandonar o grupo que se reunia em torno do acordo pela terceira via. O União já tinha lançado o nome do presidente da sigla, Luciano Bivar, para concorrer com Doria e Tebet, mas acabou cedendo à pressão da ala governista.
A decisão se tornou mais um fator que minou a união da terceira via nas eleições, deixando apenas PSDB e MDB com nomes possíveis para encabeçar a chapa.
Maio de 2022: Pesquisas internas
Em uma última tentativa de unificar o MDB e o PSDB no mesmo palanque presidencial, os dirigentes das duas siglas definiram pesquisas quantitativa e qualitativa para testar os nomes dos respectivos pré-candidatos: Simone Tebet e João Doria. A coleta dos dados foi agendada para os dias 14 e 15 de maio.
Contrário à pesquisa, Doria divulgou uma carta em que se queixa da decisão tomada pelas cúpulas dos dois partidos. A aliados, o presidente da legenda, Bruno Araújo, disse que a carta do paulista em que acusa a sigla de "golpe" e "tapetão" é um sinal de "quase rompimento" com o PSDB, e que, ao fazer isso, Doria "politicamente assume que não tem um partido" e que ele está entrando "em guerra" contra toda a Executiva tucana.
Em abril, porém, Doria tinha admitido que a possibilidade de ser candidato a vice-presidente nas eleições em prol da terceira via. "Nós temos que ter o bom entendimento que a prioridade é o Brasil, não somos nós. Então, eu não me priorizo nem excluo nenhuma alternativa. Nós não podemos agir dessa maneira", disse ele ao ser questionado sobre se comporia uma chapa sem ser o titular, durante sabatina promovida pelo jornal Folha de S.Paulo e o UOL.
Maio de 2022: Pressão pela desistência
Doria dá sinais de que pode recorrer à Justiça Eleitoral para questionar uma eventual decisão da executiva nacional tucana contrária à sua pré-candidatura.
Convocada com a intenção de indicar a posição do partido em uma negociação de aliança com o MDB e o Cidadania, uma reunião da executiva nacional do PSDB na terça-feira, 17, tornou explícito que o comando da sigla defende a tese de candidatura própria, mas com outro nome, não o de Doria.
Até parlamentares que antes atuavam como aliados do ex-governador, como o líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (DF), e o secretário-geral da sigla, deputado Beto Pereira (MS), passaram a destacar a inviabilidade eleitoral de Doria.
Os tucanos decidiram, então, chamar o ex-governador para um encontro nesta quarta-feira, 18, mas Doria disse que não vai participar. No Twitter, ele escreveu que "o momento é de diálogo". "O projeto de construção política deve priorizar o Brasil e o povo brasileiro", disse ainda. A avaliação é que o ex-governador tenta ganhar tempo para reverter a decisão do partido.
O momento é de diálogo. O projeto de construção política deve priorizar o Brasil e o povo brasileiro.
— João Doria (@jdoriajr) May 18, 2022