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Economia das mudanças climáticas: Títulos sustentáveis para projetos verdes precisam ser melhor monitorados

Sem monitoramento, títulos criados pelo governo para financiar projetos capazes de gerar benefícios ambientais e sociais podem não ajudar a solucionar problemas relacionados às mudanças climáticas

22 nov 2024 - 01h11
(atualizado em 27/11/2024 às 16h47)
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No final de 2023, o governo brasileiro lançou os Títulos Soberanos Sustentáveis (TSS) como uma iniciativa para financiar projetos "verdes", com potencial de geração de benefícios ambientais e sociais. Já na primeira emissão, o Tesouro Nacional captou 2 bilhões de dólares, com ¾ dos recursos vindos da Europa e Estados Unidos, e ¼ da América Latina. Em 2024, foi realizada uma segunda emissão.

Uma primeira análise da destinação desses recursos, no entanto, mostra que os principais problemas relacionados à mitigação e adaptação às mudanças climáticas no Brasil — questões urgentes da atualidade — permanecerão sem recursos.

Os títulos sustentáveis são emitidos para captar recursos destinados a financiar projetos que geram tanto retorno financeiro quanto impactos ambientais ou sociais positivos. O seu lançamento foi objeto de destaque em veículos de comunicação nacionais e internacionais e seguiram os Princípios de Títulos Verdes (PTV), desenvolvidos pela Associação Internacional de Mercado de Capitais.

Mas, para que esses títulos não se tornem apenas um novo e atraente instrumento fiscal para aumentar arrecadação, sem uma conexão clara com a sustentabilidade, é crucial acompanhar o uso e impacto da alocação dos recursos oriundos dessas captações.

Faltam recursos onde mais se necessita

Tradicionalmente no Brasil, as emissões de gases de efeitos estufa (GEEs) decorrem, em sua grande maioria, do uso da terra e da agropecuária. Juntos, eles foram responsáveis, em 2022, pela emissão de 1.737 milhões de toneladas (Mt) de CO2e, em sua grande maioria oriunda da Amazônia. As emissões decorrentes da produção energéticas limitaram-se a 412 Mt CO2e (o CO2e é uma medida utilizada para comparar as emissões de vários GEEs, baseada no potencial de aquecimento global de cada um).

A análise da coerência entre a alocação prevista para os recursos arrecadados com os títulos e as fontes de emissão de gases de efeito estufa no Brasil evidencia um descompasso entre as necessidades relacionadas à mitigação e adaptação às mudanças climáticas e a previsão de destinação dos recursos.

De acordo com o planejamento inicial da destinação dos recursos arrecadados com a primeira emissão de TSS, os recursos serão alocados em dois grupos: entre 50% e 60% para finalidades ambientais e entre 40% e 50% para finalidades sociais.

No tocante às finalidades ambientais, a previsão de alocação máxima para atividades relacionadas à controle de emissões de GEE é de apenas 0,2%; já a alocação máxima para adaptação às mudanças climáticas é de 0,8%. Por outro lado, um total de 45% é previsto para ser alocado em transporte limpo e energia renovável. Esse montante atingiu o patamar de 51% na previsão de alocação da 2ª emissão.

Esse descompasso entre a necessidade de recursos para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas e a previsão de destinação dos recursos segue a incoerência da alocação em termos globais, em que 881 trilhões de dólares foram destinados à energia e transporte em 2023, enquanto apenas 43 trilhões foram aplicados para solucionar questões relacionadas ao uso da terra e agricultura.

Nessa perspectiva, os problemas que assolam a Amazônia, por exemplo, chave para a solução climática mundial, permanecerão sem recursos.

Isso demonstra que há poucos elementos que orientem a forma como esses recursos de fato chegarão às regiões onde há maiores problemas ou demandas relacionados à manutenção da resiliência dos sistemas socioecológicos. Há ainda menos elementos que demonstrem como será, de fato, identificada a eficácia dessa alocação.

Mecanismos de avaliação

  • uso dos recursos;

  • processo de avaliação e seleção de projetos;

  • gestão dos recursos;

  • divulgação.

Para assegurar transparência e efetividade na emissão dos títulos, é essencial a elaboração de um "Arcabouço para Títulos Verdes" e o estabelecimento de um mecanismo de "Revisões Externas". Essas medidas representam o mínimo necessário para promover a integridade nesse tipo de operação financeira. Cumprir essas diretrizes básicas é fundamental mas não suficiente para garantir eficiência e efetividade de gastos.

Contudo, para realmente demonstrar compromisso com a sustentabilidade e assegurar que os recursos sejam aplicados de forma eficaz, o governo precisa buscar mecanismos mais robustos e transparentes de avaliação. A perspectiva é da publicação de um Relatório de Alocação e Impacto ainda este ano, de modo a permitir a mensuração da real efetividade da aplicação dos recursos.

Comitê de Finanças Sustentáveis Soberanas

Os gastos elegíveis para serem financiados com os recursos procedentes dos títulos são identificados por cada ente que compõe o Comitê de Finanças Sustentáveis Soberanas (CFSS), que é presidido pela Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda e composto por 10 ministérios: Meio Ambiente e Mudanças Climáticas; Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Ciência, Tecnologia e Inovação; Integração e do Desenvolvimento Regional; Minas e Energia; Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar; Desenvolvimento Social e Assistência Social, Família e Combate à Fome; do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; Planejamento e Orçamento e Fazenda.

O Comitê, no entanto, não inclui a Secretaria de Planejamento do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), que desempenha um papel essencial na formulação de políticas públicas de forma estratégica. Cabe a ela assegurar que as políticas públicas sejam eficazes e alinhadas aos objetivos estratégicos do governo.

Mesmo no caso em que se entenda os recursos dos títulos soberanos como inicialmente extraorçamentários, estes se tornam orçamentários uma vez alocados para despesas específicas. Assim, a ausência da Secretaria responsável pela visão estratégica e intertemporal de gastos sinaliza problemas no planejamento e na coordenação interministerial de políticas públicas.

Além da composição limitada do Comitê, a forma como se identificam projetos para financiamento é questionável. Cada Ministério no Comitê submete ao Tesouro Nacional as ações que eles mesmos identificam como elegíveis. O Comitê avalia e delibera sobre sua inserção no rol de projetos financiáveis.

A simples classificação de uma ação ou política ministerial como 'verde' ou 'social' pelo CFSS não garante que os objetivos estratégicos nacionais, sejam ambientais ou sociais, serão alcançados. Isso pode dar ensejo a uma desconexão entre o rótulo dessas políticas, no contexto do CFSS, e sua real eficácia, refletindo a falta de clareza nas metas de médio e longo prazo que o país deseja atingir com suas políticas públicas.

Apesar do potencial de gerar resultados concretos, parece haver pouca clareza na priorização de políticas públicas listadas como "sustentáveis" pelos órgãos brasileiros competentes, que padecem, ainda, de uma estrutura de governança limitada.

Em vez de servir para alcançar resultados concretos, o instrumento pode ser usado estritamente como fonte alternativa de receita para o governo. É necessário monitorar o desempenho dos recursos obtidos e sugerir melhorias para evitar que os títulos soberanos se tornem um mito de sustentabilidade.

The Conversation
The Conversation
Foto: The Conversation

Os autores não prestam consultoria, trabalham, possuem ações ou recebem financiamento de qualquer empresa ou organização que se beneficiaria deste artigo e não revelaram qualquer vínculo relevante além de seus cargos acadêmicos.

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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