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Educação pública: Os acertos e os erros do programa Pé-de-Meia do Governo Federal

Em média, 4,3% dos brasileiros de 6 a 14 anos estão fora da escola. Neste sentido, garantir incentivo financeiro aos estudantes que já estão na escola pode ser insuficiente para efetivamente promover a inclusão educacional que o programa propõe.

29 nov 2024 - 12h06
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Lançado em novembro de 2023, e instituído a partir da vigência da Lei 14.818, de 16 de janeiro de 2024, o programa Pé-de-Meia" oferece incentivo financeiro-educacional a estudantes matriculados no ensino médio público que sejam beneficiários do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Segundo o MEC, o objetivo do programa é: "democratizar o acesso e reduzir a desigualdade social entre os jovens, além de promover a inclusão educacional e estimular a mobilidade social".

Ao se matricular no ensino médio, o estudante elegível recebe R$ 200. Durante nove meses do ano letivo, ao comprovar frequência superior a 80%, o aluno recebe um incentivo mensal de R$ 200 que podem ser sacados a qualquer momento. Os estudantes podem receber ainda R$ 3.000 ao comprovarem a conclusão do ensino médio e a participação nas avaliações do SAEB quando aplicadas. Há ainda um adicional de R$ 200 pela participação no ENEM. Ao todo, cada estudante pode receber até R$ 9.200 em três anos.

Segundo o MEC, após a expansão do programa ocorrida em agosto de 2024, o incentivo deverá alcançar aproximadamente 4 milhões de beneficiários, tem-se, portanto, que se trata de um programa com custos que podem atingir R$ 12,3 bilhões/ano. Para compreender a dimensão deste investimento, segundo dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP), juntas, todas as Universidades Federais brasileiras, em 2023, liquidaram R$ 7,7 bilhões em despesas correntes (GND03).

Se por um lado os dados mostram que a evasão no ensino médio ainda representa um dos grandes desafios educacionais brasileiros, por outro, diversos estudos apontam para a importância da educação enquanto fator de mobilidade social. Neste contexto, iniciativas que busquem incentivar jovens vulnerabilizados a permanecerem na escola devem ser apoiadas, o que não significa que essas iniciativas não possam ser questionadas, e, talvez, aperfeiçoadas.

O marco normativo que instituiu o programa estabeleceu que no caso dos estudantes matriculados na modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos), apenas os alunos de 19 a 24 anos são elegíveis. Segundo dados do Censo Escolar 2023, o Brasil contava com 2.389.458 estudantes matriculados na modalidade EJA em estabelecimentos públicos, considerando as etapas fundamental e médio. No entanto, considerando um proxy elaborado pelos autores a partir dos dados do Censo, menos de 1/5 desses alunos estão na faixa etária elegível. Isso levanta uma questão fundamental: por que estudantes com mais de 24 anos, aqueles a quem o Brasil negou o DIREITO de acesso à educação na "idade certa", não foram incluídos como beneficiários do programa?

Em outro giro, dados do Painel do Monitoramento do PNE, disponibilizado pelo INEP, mostram que em 2023 o acesso ao Ensino Fundamental no Brasil ainda não havia sido universalizado, e continua marcado por diferenças regionais e socioeconômicas. Em média, 4,3% dos brasileiros de 6 a 14 anos estão fora da escola. Essa taxa é ainda mais elevada entre estudantes da região Norte, estudantes do campo, e estudantes mais pobres. Neste sentido, garantir incentivo financeiro aos estudantes que já estão na escola pode ser insuficiente para efetivamente promover a inclusão educacional proposta.

Deste modo, uma segunda questão que se impõe trata das conexões intersetoriais da política pública proposta. Se o desenho do programa traz em sua gênese o condão de buscar reduzir a evasão escolar no ensino médio, o mesmo não se pode dizer sobre seus impactos sobre a ampliação do acesso à educação básica nas etapas iniciais, o que nos parece um problema igualmente relevante.

Qual o "tamanho" do ensino médio brasileiro? Qual o tamanho da evasão na rede pública?

Segundo dados do Censo Escolar, em 2023, o Brasil possuía 6.690.396 estudantes matriculados no ensino médio público, 95,9% nas redes estaduais; 3,5% na rede federal e 0,6% nas redes municipais. Já as redes privadas de ensino médio somavam 986.347 estudantes, ou 12,8% do total de matrículas.

O INEP, ao monitorar a trajetória dos estudantes por meio do acompanhamento longitudinal dos registros no Censo Escolar, publica um indicador denominado Taxa de Transição, que infelizmente não traz dados atualizados O dado mais recente, referente ao ciclo 2020-2021, revela que, nas escolas públicas de ensino médio, 7,6% dos alunos matriculados no 1º ano não se matricularam no 2º ano no ano seguinte. A mesma taxa (7,6%) foi observada na transição do 2º para o 3º ano. Já no 3º ano, 2,9% dos alunos abandonaram a escola antes de concluir o ensino médio. Complementarmente, em média, a taxa de retenção nas séries do ensino médio correspondeu a 67% da taxa de evasão.

Buscando apresentar dados mais recentes, foram analisados os dados sobre a evasão escolar do ensino médio brasileiro a partir de uma análise longitudinal dos dados do Censo Escolar publicado nos anos de 2020, 2021 e 2022. As redes públicas (federal, estaduais e municipais) registraram 2.624.254 matrículas no primeiro ano em 2020, 2.324.036 matrículas no 2º ano em 2021, e 1.984.219 matrículas no 3º ano em 2022.

Considerando os dados dos Censos Educacionais de 2020 a 2022 e a taxa de evasão registrada pelo relatório de Taxa de Transição mais recente disponibilizado pelo INEP, é possível estimar que aproximadamente 16,5% dos 2.624.254 estudantes matriculados no 1º ano em 2020 não concluíram o ensino médio no período previsto (2022).

Considerando a relação entre o volume de matrículas com potencial registro de evasão no ciclo 2020-2022 (aproximadamente 433 mil) e o volume de beneficiários do programa pé de meia (aproximadamente 4 milhões), observa-se que o programa pode estar disponibilizando incentivo financeiro a estudantes que não evadiriam caso não fossem contemplados pelo programa. Neste sentido, é lícito questionar os formuladores dessa política pública sobre quais foram os modelos econométricos de resultados potenciais que foram empregados no desenho do programa.

Por fim, mas não menos importante, faz-se necessário debater a capacidade do programa criar impacto em termos de elevação de escolaridade. Dados do Censo da Educação Superior (CenSup) mostram que em 2023 as IES Públicas ofereceram 1.005.214 vagas de ingresso que foram disputadas por 4.413.403 candidatos (4,39 candidatos por vaga). Por outro lado, as IES Privadas ofereceram 24.687.130 vagas de ingresso que foram disputadas por 14.576.590 candidatos (0,59 candidatos por vaga).

Os dados sugerem que o esforço para a redução da evasão na educação básica somente gerará elevação da escolaridade, caso ocorra uma expansão das vagas públicas. Caso isto não aconteça, os estudantes vulnerabilizados apoiados pelo programa Pé de Meia que conseguirem vencer os desafios da evasão, e concluir a educação básica, disputarão as concorridas vagas das IES públicas (com limitadas chances de êxito), ou serão "conduzidos" para as vagas de ingresso atualmente ociosas nas IES Privadas.

The Conversation
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Foto: The Conversation

Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG), aluno do programa de doutorado em Administração da Universidade Federal de Goiás (UFG) e bolsista do SOU_Ciência / UNIFESP.

Maria Angélica Pedra Minhoto recebe financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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