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Aos 45 anos, ela conseguiu a tão sonhada contratação após graduação a distância

Na edição mais recente do Enade, 63 cursos superiores EaD tiveram conceito 5, considerado um nível de excelência

Imagem: Arquivo pessoal
  • Fabiana Maranhão Fabiana Maranhão
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27 jun 2024 - 05h00
(atualizado às 15h47)
Márcia Regina da Silva, de 45 anos, fez a graduação online em Processos Gerenciais na Fundação Getúlio Vargas (FGV).  Foto: Arquivo pessoal

A auxiliar administrativa Márcia Regina da Silva, de 45 anos, tem em seu currículo dois cursos de graduação: um presencial, em Administração, e outro a distância ou EaD, em Processos Gerenciais. Ela fez o primeiro há mais de 20 anos. O segundo foi mais recente, na época da pandemia, quando estava desempregada. 

Hoje, Márcia trabalha em uma operadora de saúde, que vende convênio médico, fazendo análise financeira e de riscos. Começou lá como estagiária. E ela diz que ter feito o segundo curso de nível superior foi decisivo para ser contratada.    

"[O curso] foi uma experiência maravilhosa. Não tenho palavras para dizer o quanto foi bom para o meu desenvolvimento acadêmico, o meu desenvolvimento profissional e até pessoal também, para fazer relações com outros colegas”, conta a moradora da zona norte do Rio de Janeiro.

Márcia conversou com o Terra por 45 minutos. Mesmo assim, comentou alguma vezes que é tímida e instrospectiva. O curioso é que, mesmo sendo a distância, o curso a ajudou a se desenvolver nessa área da vida também. 

“Eu era muito mais introspectiva e senti que me tornei uma outra pessoa, muito mais aberta a me relacionar com outras pessoas. [O curso] me ajudou muito no meu desenvolvimento nessa questão porque eles estimulavam bastante a gente, tanto a pesquisar, quanto a se relacionar nas lives porque as lives, além de serem um canal para transmitir conhecimento, tirar dúvidas, eram um canal de relacionamento”, lembra.

Avaliação dos cursos EaD

Márcia fez a graduação online em Processos Gerenciais no Instituto de Desenvolvimento Tecnológico da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O curso teve conceito 5 (máximo) no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) 2022. 

Foto: Projeto Terra

Essa prova avalia o quanto o estudante aprendeu do que foi ensinado ao longo do curso, além do desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas à área. De acordo com o desempenho dos estudantes no exame, os cursos podem receber notas, que vão de 1 a 5, sendo 1 considerado muito abaixo do esperado e 5, um nível de excelência. Há ainda o SC (sem conceito), quando o curso não tem pelo menos dois alunos concluintes participantes com resultados válidos.     

Na edição de 2022, a mais recente, 63 cursos de graduação EaD (bacharelado e tecnológico) tiveram conceito 5 no Enade. Quase todos eles são em instituições privadas, com ou sem fins lucrativos. Apenas dois são em faculdades públicas, uma federal e outra estadual.    

Esse número corresponde a 3% do total de cursos EaD que foram avaliados no último Enade. A maioria das graduações EaD, 42%, recebeu conceito 3, nota considerada satisfatória e que indica que o curso atende aos requisitos mínimos de qualidade estabelecidos pelo Ministério da Educação (MEC).  

O que bons cursos EaD têm em comum?

Bem que poderia ter, mas não há uma "receita de bolo" quando o assunto é qualidade do ensino superior a distância. O que existem são "ingredientes" que, juntos, contribuem para que uma graduação seja considerada acima da média ou de excelência segundo o Enade. 

João Augusto Mattar Neto, presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), cita alguns desses "ingredientes":

  • formação acadêmica de professores e tutores (mestrado e doutorado);
  • experiência dos professores e tutores com ensino a distância;
  • atendimento aos alunos;
  • • qualidade do material didático;
  • • qualidade dos ambientes virtuais de aprendizagem
  • número de alunos por turma;
  • combinação entre atividades online (assíncronas e síncronas) e presenciais.

Mattar Neto comenta que bons cursos EaD tendem a fazer uma combinação equilibrada entre atividades assíncronas (não ocorrem em tempo real, como aulas gravadas e fóruns de discussão), as síncronas (aulas online ao vivo) e as presenciais.  

"[Com] muita atividade assíncrona, o aluno se sente sozinho porque ele nunca tem a chance de falar 'cara a cara'. [Com] muita atividade síncrona, o aluno sente que está perdendo tempo porque ele não consegue acompanhar. Muito encontro presencial também é ruim porque obriga o aluno a ir no polo [EaD], e, às vezes, a pessoa mora longe", explica. 

"Não tem uma receita de bolo. São vários elementos que, juntos, podem dar como resultado um conceito máximo [no Enade]. Eu falei vários pontos que são, talvez, mais importantes, mas como combinar esses pontos que a gente não tem a receita", reflete Mattar Neto.

O presidente da Abed afirma que, certamente, boas graduações a distância "fizeram uma boa análise do contexto e dos alunos deles, quer dizer, em que região que estou, qual é o perfil dos nossos alunos e como é que eu vou usar esses ingredientes aqui pra fazer uma receita que dê certo pra esses alunos", conclui.

Quando a EaD chegou ao Brasil?

• A modalidade a distância chegou ao ensino superior no Brasil em 1996, quando começaram as aulas da primeira turma EaD do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).  

"Os professores da UFMT iam, a cada 15 dias, para o interior do Estado para se reunir com os alunos nos polos de apoio. Deixavam o material didático do estudo, corrigiam o que os alunos tinham feito na quinzena anterior, faziam uma aula de revisão e voltavam para Cuiabá", conta João Vianney, sócio da empresa de consultoria Hoper Educação.

Foto: Projeto Terra

Em 2001, a Universidade Norte do Paraná (Unopar) passa a dar aulas via satélite. "Ao invés do professor se deslocar até o interior para dar uma aula para os alunos reunidos em uma cidade, o professor da Unopar ficava em um estúdio em Londrina (PR) e dava uma aula, ao mesmo tempo, para polos no Brasil inteiro. Os alunos ficavam nos polos assistindo àquela aula via satélite", continua Vianney. 

A partir de 2009, quando a internet fica mais rápida no Brasil, se torna cada vez mais comum as universidades colocarem a gravação das aulas diretamente em plataformas onde os alunos tinham acesso a conteúdos, exercícios, provas e outros recursos. Com essa facilidade, os alunos passam a ir menos aos polos para ter aulas online.

• João Vianney comenta que, um pouco antes disso, em 2007, o MEC determinou uma moratória da EaD, suspendendo a abertura de novos polos de educação a distância sem a autorização do governo. "Então, isso congelou o mercado". Naquele ano, segundo o Ministério da Educação, havia no País 408 cursos de educação superior EaD.

• Dez anos depois, em 2017, o MEC mudou os rumos da graduação a distância no País ao lançar uma portaria que liberou a abertura de novos polos EaD. De lá pra cá, o número de cursos de graduação a distância teve um aumento vertiginoso. 

O Censo da Educação Superior, divulgado no ano passado pelo MEC, revelou que, entre 2018 e 2022, a quantidade de cursos a distância aumentou 189,1% no Brasil. Em 2022, havia 9.186 graduações EaD no País. O Censo mostrou também que, naquele ano, 4,7 milhões de estudantes ingressaram no ensino superior. Desses, 65% (3,1 milhões) escolheram o modelo a distância.  

Foto: Projeto Terra

EaD amplia acesso ao ensino superior

João Vianney é sócio da empresa de consultoria Hoper Educação.
João Vianney é sócio da empresa de consultoria Hoper Educação.
Foto: Arquivo pessoal

Especialistas entrevistados pelo Terra comentaram que a ampliação de polos, cursos e vagas de graduação a distância permitiu que mais pessoas pudessem fazer um curso de ensino superior

"Atingiu uma população que, possivelmente, não teria acesso ao ensino superior. Esse é o [ponto positivo] principal. Quando a pessoa trabalha, não tem tempo para um curso tradicional presencial", opina Renato Pedrosa, pesquisador colaborador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP). Ele também é membro da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes), ligado ao MEC.

Para João Vianney, da Hoper Educação, que é abertamente defensor do ensino a distância, a EaD qualifica e diversifica a formação profissional nas pequenas e média cidades já que permite que os alunos possam escolher entre dezenas de opções de graduação. "Você cria no próprio município uma diversidade de formação profissional que enriquece o município. Ela [a EaD] modifica, basicamente, o município", diz. 

Vianney também cita como benefício a "fixação da população na cidade de origem". "Você reduz a migração e consegue ter, na própria cidade, profissionais com uma ampla qualificação fixados no próprio município".

O consultor fala ainda sobre o preço das mensalidades. "Custo na EaD é um terço do valor do presencial. Então, você consegue trazer para a graduação uma população que não conseguia pagar o presencial e nem conseguia vaga nos programas de incentivo público (como ProUni, Fies e Sisu)", argumenta. 

Críticas à expansão dos cursos a distância

Brasil tem 9.186 graduações EaD, segundo dados do Ministério da Educação
Brasil tem 9.186 graduações EaD, segundo dados do Ministério da Educação
Foto: Dan Dimmock / Unsplash

Nos últimos anos, o ensino superior a distância no Brasil  teve um "boom" na quantidade de polos, cursos, vagas, matrículas e também de críticas contra ele. 

"Cursos colocaram muitos alunos por professor. Cursos com 1.000, 2.000, 5.000 e 10 mil. Foi uma ideia de trabalhar com um número grande [de alunos] e depois fazer atividades pontuais. Isso parece que não está funcionando muito bem, essa ideia da educação a distância de massa", cita João Augusto Mattar Neto, presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed).

Todo crescimento traz um problema. A gente está vivendo um momento de adequação em função desse grande crescimento, e o governo tem se mostrado muito preocupado com isso -- Mattar Neto

Nos últimos meses, o MEC tomou uma série de medidas relacionadas à EaD. No começo de junho, por exemplo, o ministério suspendeu a criação de novos cursos de graduação a distância até março de 2025. Segundo o MEC, a decisão tem o objetivo de "garantir uma expansão qualificada e planejada da modalidade, visando oferecer programas de excelência".

Agora, o MEC, em colaboração com especialistas e entidades educacionais, terá até 31 de dezembro deste ano para desenvolver novos padrões de qualidade para os cursos EaD, além de estabelecer um novo marco regulatório para sua oferta.

Qualidade dos cursos EaD é questionada

Ao todo, 45% dos cursos de graduação a distância recebeu conceito 3 no Enade
Ao todo, 45% dos cursos de graduação a distância recebeu conceito 3 no Enade
Foto: Divulgação/Senac SP / Estadão

Outra crítica comum feita às graduações EaD é em relação à qualidadedo ensino. A edição mais recente do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) revelou que a maioria dos cursos a distância (42%) recebeu conceito 3. Essa nota indica que o curso atende aos requisitos mínimos de qualidade estabelecidos pelo MEC

Já 26% tiveram conceito 2, que é abaixo do esperado. Outros 12% receberam conceito 4, considerado acima da média, e apenas 3% tiveram conceito 5 (nível de excelência) segundo o Enade 2022. O exame avalia o quanto o estudante aprendeu do que foi ensinado ao longo do curso.

João Vianney pondera que esses percentuais têm pouca variação quando se compara os cursos EaD às graduações da modalidade presencial. O pesquisador Renato Pedrosa concorda e vai além no questionamento.

O 'problema' é mais embaixo

Renato Pedrosa é pesquisador colaborador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP). Ele também é membro da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes), ligado ao MEC.
Renato Pedrosa é pesquisador colaborador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP). Ele também é membro da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes), ligado ao MEC.
Foto: Fabiana Maranhão/Terra

Um estudo conduzido por Pedrosa revelou que a nota que o estudante tira no Enade, no fim do curso superior, é equivalente à pontuação que esse mesmo aluno alcançou no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que ele fez antes de entrar na faculdade.

“O ponto desse estudo é que o resultado do Enade, em uma parte significativa, já era previsto pelo nível de formação dos alunos quando entraram no curso, como medida pelo Enem”, afirma Pedrosa.

O pesquisador diz que a maioria dos alunos que ingressam em um curso EaD têm um nível de formação “razoavelmente inferior” aos que entram nos cursos presenciais. “Os cursos EaD congregam um número significativo de alunos com baixa preparação medida pelo Enem. E isso acaba se refletindo no Enade”, explica.

O que é o problema? É o ensino médio dessas pessoas. [O Enem e o Enade] são reflexo da educação básica que essas pessoas tiveram -- Renato Pedrosa

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Fonte: Redação Terra
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