Brancos e do Centro-Sul do País estão mais perto de metas do Plano Nacional de Educação
Dados do IBGE evidenciam desigualdades regionais e raciais na educação brasileira
Em 25 de junho de 2014, no âmbito da lei Nº 13.005 e do Plano Nacional de Educação (PNE), o governo federal estabeleceu uma série de metas para serem atingidas em até 10 anos com relação aos indicadores educacionais. Perto de chegar ao fim desse prazo, porém, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua em Educação, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que ainda há muito o que se avançar - principalmente quando levados em conta recortes por região, gênero e raça.
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Das 20 metas, apenas cinco foram citadas pelo IBGE na apresentação dos resultados da Pnad Contínua, divulgados nesta sexta-feira, 22. Destas, somente uma foi alcançada pelo País - no entanto, a região Nordeste foi a única a não atingir a meta. Além disso, outra meta chegou a ser atingida, mas apenas por pessoas brancas.
Os dados se referem ao segundo trimestre de 2023, e levam em conta dados de todos os estados do País.
O analfabetismo no Brasil e em suas regiões
Mais uma vez o Brasil conseguiu alcançar a meta 9 do PNE, que busca elevar para 93,5% a taxa de alfabetização da população com 15 anos. Assim, a taxa de analfabetismo ficaria abaixo de 6,5%. Desde 2017, o país registra índice igual ou menor que esse. No ano passado, a taxa de analfabetismo ficou em 5,4%.
Para Fernando Cássio, professor da Faculdade de Educação da USP e integrante do Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o ideal seria reduzir essa taxa a zero.
"Nós precisamos de políticas públicas para a gente reduzir as taxas de analfabetismo a zero. Tem que ter um pacto social para isso. Não pode ter adulto analfabeto no Brasil", afirma.
Os dados, porém, vão pelo caminho oposto: quanto maior a faixa etária etária analisada, maior o índice de analfabetismo. Cássio considera que isso reflete não só as faltas de políticas educacionais de anos atrás, como também a falta de incentivo da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
"A gente não produz analfabetismo na população adulta de graça. A gente produz porque historicamente a gente tem falta de política, de escolarização na população na idade certa. Depois, essa população não escolarizada, a gente não tem política para fazer a escolarização dessa pessoa na idade adulta", avalia Fernando Cássio.
Fernando Cássio é enfático ao dizer que, para ele, a maior "vergonha nacional da educação" é a taxa média de escolarização na população adulta. A taxa média de anos de estudo da população com 25 anos ou mais no Brasil é de 9,9 anos, segundo dados de 2023. A Lei de Diretriz e Base da Educação estabelece que o ideal seria 12 anos.
Desigualdade regional
Enquanto o Brasil se mantém dentro da meta estabelecida em 2014, a região Nordeste apresenta taxa muito acima da média nacional e do que foi determinado no Plano Nacional de Educação: 11,2% da população nordestina com 15 anos ou mais é analfabeta. O percentual chega a 31,4% quando se trata da pessoas acima de 60 anos.
A região Norte, por sua vez, passou a estar dentro da meta do PNE desde 2022, quando atingiu 6,4% de analfabetos com 15 anos ou mais. Mas os resultados positivos estão mesmo no Centro-Sul do Brasil. As regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul já haviam atingido a meta do PNE em 2016. E é o Sul que detém o meno nível de analfabetismo, marcando 2,8% da população acima de 15 anos ou mais.
A discrepância entre as regiões não é evidenciada apenas por esse aspecto. Na maioria das questões avaliadas, o Nordeste aparece com os piores indicadores.
- 54,7% dos brasileiros analfabetos acima de 15 anos ou mais estão no Nordeste (equivalente a 5,1 milhões de pessoas);
- Nordeste é a única região em que a população estuda, em média, menos de 9 anos. A média nacional é de 9,9 anos - a região Norte também fica abaixo, com 9,5 anos de média;
- 54,4% da população nordestina de 25 anos ou mais não concluiu a educação básica. É a única com dado tão expressivo.
Tendo em vista a diferença acentuada em relação à região Nordeste para as outras do País, o professor Fernando Cássio considera que o governo federal pode, sim, adotar medidas voltadas para essa região - mas não pode fazer tudo.
"Tem várias responsabilidades que são dos governos estaduais e também municipais, por exemplo, a oferta de Educação de Jovens e Adultos. Essa é majoritariamente uma obrigação dos governos estaduais e municipais. Agora, o governo federal tem um papel indutor de política que é muito importante para os estados e para os municípios", afirma.
Ele considera que o primeiro passo é ter um diagnóstico sobre os indicadores educacionais, a partir da própria Pnad Contínua ou do Censo da Educação.
Desigualdade por cor
Os indicadores da Pnad Contínua de Educação também mostram como são grandes as diferenças no acesso à educação entre brancos e negros (pretos e pardos) no Brasil. A meta 12 do Plano Nacional de Educação foi atingida, em partes pelos brancos, mas não pelos negros.
Essa meta diz respeito ao percentual de jovens de 18 a 24 anos que continuam estudando, e estabelece que 33% da população nessa faixa etária esteja matriculada em uma instituição de ensino superior e frequentando as aulas. Em 2023, a Pnad Contínua da Educação identificou que:
- 36% das pessoas brancas dentro dessa faixa de idade estavam estudando e frequentando as aulas;
- Apenas 19,3% dos pretos ou pardos cumpriram o requisito.
Em tese, a Política de Cotas Raciais deveria diminuir essa diferença, mas Fernando Cássio considera que é preciso se debruçar melhor sobre as instituições privadas de ensino superior, que, por serem particulares, não possuem dados tão transparentes.
Para além da meta do PNE, a desigualdade entre brancos e negros é vista em todos os indicadores da Pnad Contínua da Educação.
- 61,8% dos brancos completaram, no mínimo, o ciclo básico educacional, enquanto 48,3% dos pretos ou pardos fizeram o mesmo;
- Brancos estudam em média 10,8 anos, enquanto pretos ou pardos, 9,2 anos;
- No ensino médio, 80,5% dos alunos brancos matriculados frequentam a escola, contra 71,5% dos pretos ou pardos.
O número mais alarmante se refere ao abandono escolar: em 2023, 9 milhões de estudantes de 14 a 29 anos não completaram o ensino médio, seja por terem evadido nessa fase ou nunca terem frequentado. Desse total, 71,6% eram pretos ou pardos e 27,4% eram brancos.
"O desafio do País será reduzir essas desigualdades, combatendo o atraso escolar e incentivando a permanência na escola", avalia Adriana Beringuy, coordenadora de pesquisas domiciliares do IBGE.
Entre os motivos que prevalecem para aqueles que deixaram de completar o ensino médio, o principal foi a necessidade de trabalhar, seja branco, preto, pardo ou homem. Já a principal razão para as mulheres foi a necessidade de realizar afazeres domésticos ou cuidar de outras pessoas (36,3%).
"Não é o fato de que a escola tem uma formação robusta que afasta as pessoas, não. É o fato de que as pessoas são empurradas pra fora da escola por pressões econômicas", considera Fernando Cássio.
Desigualdade de gênero
Apesar disso, as mulheres possuem, no geral, maior nível de escolaridade do que os homens. Dos estudantes na faixa de 14 a 29 anos que abandonaram a escola, 58,1% eram homens e 41,9% mulheres.
Ainda assim, é possível perceber marcações de desigualdade de gênero nos indicadores:
- 53,4% dos homens de 14 a 29 anos deixam a escola para trabalhar, apenas 25,5% das mulheres o fazem pelo mesmo motivo;
- Somados, os principais motivos para as mulheres abandonarem a escola estão relacionados ao cuidado de terceiros: gravidez (23,1%) e afazeres domésticos (9,5%).
"Se a gente considerar que trabalho de cuidado e afazer doméstico é trabalho, que a gente tem que considerar isso, ele não é remunerado, mas é trabalho, a gente vai ter uma quantidade imensa de homens e mulheres que estão saindo da escola por razões de trabalho", conclui Fernando Cássio.