Brasileiros encaram o desafio de cursar medicina na Europa
Atrás de diploma médico, estudantes contam o que os levou para o exterior
Enquanto alguns estudantes fogem da alta concorrência pelas vagas de medicina nas universidades brasileiras, optando por estudar em países sul-americanos onde a seleção costuma ser mais acessível, outros se aventuram na Europa. Com custo de vida mais caro e nível de dificuldade de acesso às vagas tão alto quanto no Brasil, as faculdades europeias atraem brasileiros por diversos motivos, entre eles a experiência, a excelência e os preços mais baixos.
Escola preparatória na Alemanha
A mato-grossense de Guiratinga Allana Rodrigues estuda na Faculdade de Medicina da Universidade de Düsseldorf, na Alemanha. Aos 26 anos, no quinto semestre, conta que o sonho de ser médica vem desde pequena e a motivou a travar uma demorada luta. "Eu falava de vestibular na quinta série, mas nunca pensei em estudar fora do País, até mesmo por condições financeiras. Quando estava no terceiro ano do cursinho, um tio que mora na Alemanha se interessou em me ajudar", conta.
Foi a partir disso que Allana resolveu organizar a documentação necessária, além de cursar, no Brasil, um ano de alemão para garantir o aprendizado da língua. Tentou, então, o ingresso fora do País paralelamente aos vestibulares daqui.
O processo de seleção na Alemanha, segundo a universitária, é demorado. Brasileiros e outros estrangeiros precisam fazer uma preparação para a faculdade, a Studienkolleg. Participam da seleção desta "escola" estrangeiros cujos níveis fundamental e médio foram concluídos em menos de 12 anos no país de origem. Segundo Allana, para concorrer é preciso se candidatar normalmente para a universidade, que irá escolher os candidatos a partir das notas escolares.
Mesmo aceito no Studienkolleg, não há garantias de que você irá cursá-lo: a seleção é difícil e exige um teste de proficiência na língua alemã, no qual Allana conseguiu aprovação na segunda tentativa. A escola dura de um a dois anos e ensina disciplinas como alemão, física, química e biologia. Ao final, há um vestibular que, além de uma prova de conteúdo escolar, considera as notas do boletim brasileiro.
Depois de seis anos de dedicação, Allana foi aceita em quatro alemãs – no caso da Universidade de Düsseldorf, a reserva de vagas é distinta para alunos estrangeiros europeus e não europeus: "Eu nunca pensei sequer em desistir. Não sei se é mais vantajoso aqui ou no Brasil, mas eu gosto de desafios", diz a garota, justificando a escolha pela Europa. Com a ajuda dos pais e alguns "bicos", Allana mantém uma controlada rotina de estudos e vive com 700 euros mensais. "Não tenho muito tempo para trabalhar. Trabalho para estudante (estrangeiro, na Europa) é de garçom em restaurante, guardar casaco em boates, teatros, vendedor em lojas. Eu trabalho em uma empresa de pesquisa de mercado, porque são mais flexíveis com horários. Eles pagam, por hora, de 7 a 10 euros", conta.
Portugal sem vestibular
Erik Dornelles, 20 anos, já morava na Europa quando decidiu cursar Medicina na Universidade de Lisboa. Aos 16 anos, em 2009, o jovem de Porto Alegre (RS) mudou-se com a família para Portugal. Em seu último ano no ensino médio, decidiu tentar uma vaga para o curso.
O processo de seleção por que passou foi o mesmo de um estudante português, bastante diferente do Brasil: sem vestibular. "A nota de um aluno é uma média ponderada feita com as suas notas dos três anos do Ensino Médio e dos exames nacionais", conta Dornelles. O exame nacional português a que se refere é uma avaliação semelhante ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e exige conhecimentos nas diferentes disciplinas do secundário luso. Dornelles destaca que o estudo contínuo é valorizado no país, pois não basta estudar e "ir bem em uma ou duas provas" para ser aceito em uma universidade; o que vale é o conjunto de todo o processo escolar.
Sobre a escolha por estudar Medicina na Europa, o estudante ressalta a bagagem cultural adquirida com o diploma e evita comparar a excelência das faculdades europeias com as brasileiras. "Obviamente, existem universidades excelentes no Brasil, e não consigo realmente dizer que um país é melhor que o outro. O curso é extremamente exigente, mas penso que seja assim na maioria das faculdades de medicina do mundo".
Hoje, Dornelles mora sozinho em Lisboa e não trabalha nem conhece nenhum colega que tenha tempo para tanto. Ele ressalta que "a medicina é um mundo à parte, com alto nível de exigência e horários caóticos".
Mesmo pública, a Universidade de Lisboa cobra o que chamam de "propina", valor anual a ser pago pelo estudante. Dornelles paga cerca de 1 mil euros anuais (ou R$ 3,2 mil) o que é muito inferior às mensalidades das instituições privadas brasileiras: o valor mais baixo na região de São Paulo, por exemplo, é na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa São Paulo (FCMSCSP): R$ 3,7 mil por mês; em outros locais do Estado, pode custar até R$ 7 mil.
No Brasil, de um lado, há os altos preços das privadas, do outro, a altíssima concorrência nas universidades públicas. Dos 197 cursos de medicina, 114 são privados, 48 federais e 35 estaduais e municipais, segundo dados deste ano do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS).
Na Noruega, a barreira da língua
O estudante de medicina da Universidade de Oslo (Uio), Dayvit Valeretto, foi sozinho à Noruega em busca de experiência pessoal e conhecimento. Mas queria fazer parte da cultura local, evitar ao máximo sentir-se um estrangeiro. O primeiro desafio foi o idioma.
De Buritama, São Paulo, o jovem de 24 anos focou no aprendizado da língua norueguesa e ficou nove meses sem falar português ou qualquer outro idioma. Ele atribui a esse esforço a vaga na medicina na Uio, já que acaba sendo o grande diferencial entre os estrangeiros. A seleção para a Uio é difícil, conta, acrescentando que estrangeiros concorrem com noruegueses. Notas do ensino médio são avaliadas, assim como na Alemanha e em Portugal.
Depois de garantida a vaga, não diminui o nível de dificuldade. Todas as aulas são ministradas em norueguês e exigem que o aluno aprofunde os conhecimentos fora da sala de aula. "É muita leitura e aprendizado que precisa ser feito pelo estudante, algo que pode complicar um pouco para os brasileiros que não estão tão acostumados", opina Valeretto. Segundo o site da Uio, 10% dos alunos são estrangeiros, incluindo estudantes de intercâmbio e mobilidade acadêmica.
As universidades na Noruega são públicas e exigem apenas uma taxa semestral de administração. Em Oslo, Valeretto paga 450 coroas norueguesas (cerca de R$ 170). Apesar dos baixos valores da faculdade, ressalta que o custo de vida na Noruega é alto. O garoto, que não pretende voltar ao Brasil, não aconselha outros estudantes brasileiros a se aventurarem por terras nórdicas se planejam atuar no país de origem no futuro.
Validação do diploma estrangeiro
Embora Allana e Dornelles ainda não tenham certeza sobre o futuro profissional, quem quer garantir a validação do diploma estrangeiro no Brasil precisa enfrentar exames como o Revalida. A prova é nacional e, desde 2009, busca unificar a permissão para médicos formados no exterior atuarem por aqui. Segundo o Inep, em 2011, dos 677 inscritos, apenas 65 médicos foram aprovados – ou seja, 9,6%. Em 2012, menor percentual: de 884 candidatos, 77 foram classificados, contabilizando 8,7% de aprovação. A maioria dos inscritos e aprovados são nascidos no Brasil. Os brasileiros com diploma estrangeiro que realizam a prova são formados, em sua maioria, na Argentina, na Bolívia, em Cuba e na Espanha.
É importante ressaltar que o Revalida não é representativo ainda, já que há números maiores de inscritos em outras provas que proporcionam a validação. O estudante formado no exterior tem pelo menos outras seis alternativas: as universidades federais Fluminense (UFF), de Mato Grosso (UFMT), de Minas Gerais (UFMG), e as estaduais do Rio de Janeiro (Uerj), de Campinas (Unicamp) e de São Paulo (USP) oferecem processos seletivos próprios de validação reconhecidos pelo MEC. Muitos alunos preferem se submeter aos exames destas instituições e pagam bem mais caro por isso.
Só na UFMG, por exemplo, houve 1.036 inscritos em 2013, com taxa de inscrição de R$ 1.172,20. Já a soma das duas etapas do Revalida, segundo o Inep, é de R$ 400: para a primeira etapa, com prova escrita, R$ 100, e, para a segunda etapa, com prova de habilidades clínicas, mais R$ 300.
No dia 26 de dezembro, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) aprovou o projeto (PLS 399/2011) que pretende reconhecer automaticamente, no Brasil, os diplomas de cursos presenciais de graduação, mestrado ou doutorado expedidos por instituições reconhecidas de ensino superior estrangeiras; o texto contempla cursos diversos, não só medicina. O PL pode facilitar a validação de diplomas, mas ainda deve ser aprovado pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte antes de ir à votação.