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Burocracia, idioma e mais: os desafios dos estudantes brasileiros em Portugal

Nos últimos cinco anos, cresceu 123% o número de alunos do Brasil nas salas de aula de universidades lusas

12 jul 2023 - 05h00
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Imagem do Arco da Rua Augusta em Lisboa, Portugal
Imagem do Arco da Rua Augusta em Lisboa, Portugal
Foto: Getty Images

O número de estudantes do Brasil nas salas de aula de universidades de Portugal cresceu 123% nos últimos cinco anos. O percentual coloca os brasileiros como o maior grupo de alunos estrangeiros matriculados no ensino superior português. 

O dado é da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) do Ministério da Educação de Portugal. Segundo o órgão, dos 69 mil estrangeiros inscritos no ensino superior português, no ano letivo encerrado em junho de 2022, 18.859 eram brasileiros.

Os motivos para a escolha são variados. Alguns dos atrativos que levam estudantes ao país são idioma compartilhado, custo de vida mais baixo quando comparado a outros países europeus, qualidade acadêmica e a adesão das instituições de ensino portuguesas à nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – aceito por mais de 50 universidades lusitanas.

Apesar disso, nem tudo é tão simples. O Terra conversou com brasileiros que estudaram ou ainda estudam em Portugal, e, embora descrevam a experiência como positiva, algumas ressalvas desafiam a vivência em solo português. Em seus relatos, eles destacam a burocracia portuguesa e o aumento do custo de vida como os principais entraves.

Burocracia para estudar em Portugal

"Um dos maiores desafios se apresenta antes mesmo da chegada a Portugal, e é toda parte burocrática e expectativas para a emissão do visto. O meu saiu após quase três meses de solicitação, sendo que há portarias do governo português que estabelece o prazo como sendo de apenas 30 dias no máximo", contou Caio Santana Rodrigues, 23.

Estudante de jornalismo da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, Caio fez um semestre de extensão no curso de Comunicação Social e Cultural da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, de setembro de 2022 até fevereiro de 2023. A experiência foi breve, mas com alguns solavancos.

O pedido de visto estudantil atrasou, mesmo com o nome dele já na "lista de estudantes internacionais que Portugal receberia". Com isso, ele perdeu o primeiro mês de aulas.  

A dificuldade para ingressar no país também foi enfrentada por Bárbara Naliato, 37, aluna do curso de pós-graduação em Branding e Content Marketing da Escola Superior de Comunicação Social do Instituto Politécnico de Lisboa, desde setembro de 2022. Assim como Caio, ela perdeu as primeiras semanas de aula devido ao atraso na liberação do seu visto.

"O processo não é transparente, nem tranquilo. Minha permissão foi negada no primeiro momento. Eu vim para cá seguindo a orientação de uma advogada e entrei no país só com a inscrição na universidade feita, mas isso não é 100% seguro. Você precisa sair com a documentação pronta do Brasil, porém eu não tinha tempo porque já tinha pagado o curso e as aulas já tinham começado", relembra. 

Custo de vida em Portugal

Antes de fazer as malas para Portugal é preciso um bom planejamento financeiro. O custo de vida do país é o mais baixo quando comparado com outras nações da Europa Ocidental ou os Estados Unidos, no entanto, tem ficado mais caro morar em solo português, devido à alta dos preços dos aluguéis, principalmente em Lisboa, somado ao crescimento da inflação, entre outros fatores.

Lisboa é a cidade mais cara para viver no país, e a terceira mais cara do mundo, de acordo com estudo The Cost of Living Crisis: How big is the gap between outgoings and incomings around the world?, publicado em 2022 pela seguradora inglesa CIA Landlord.

Portugal também tem um dos salários mínimos mais baixos de toda a União Europeia. A renda mensal bruta de um trabalhador no país é de 760 euros, o equivalente a R$ 4 mil. Já alugar um apartamento de um quarto na região central de Lisboa custa, em média, mais do que um salário mínimo, 1,2 mil euros, cerca de R$ 6,4 mil.

A solução encontrada por muitos estrangeiros é evitar a capital portuguesa. A boa notícia é que o tranporte coletivo no pais é eficiente.

"Lisboa está extremamente cara, muito cara. Muitas pessoas procuram morar nos arredores. Eu, por exemplo, moro em Setúbal e todos os dias que precisava ir para Lisboa utilizava o barco [percurso que leva em torno de 20 minutos]", explica Bárbara. 

Como é a adaptação em Portugal

A proximidade entre o português brasileiro e o português europeu é um atrativo para muitos brasileiros que buscam estudar no país, o que evita também a realização de testes de proficiência em um segundo idioma, geralmente inglês, exigido por muitas universidades europeias como pré-requisito para matrícula. Mas ao chegar a Portugal, o choque e/ou o preconceito linguístico se torna palpável. 

"Eu achei que a língua não ia ser um problema, mas é um português muito diferente. Além de não conseguir entender direito o que eles falavam, eles falavam no mesmo tom, tudo muito junto, era fácil se perder. Por outro lado, eles aceitam muito bem e admiram muito o Brasil. Fui muito bem recebida por todos da sala. Só tive problemas com uma professora que não quis corrigir o meu trabalho porque ele estava escrito em 'brasileiro'", conta a estudante de pós-graduação. 

Luísa Cortés, 27, mestranda em Cultura e Comunicação na Faculdade de Letras de Lisboa, não relatou para reportagem episódios de preconceito vivenciados em sala de aula, mas admitiu já ter ouvido histórias a respeito.

"Eu podia escrever os meus trabalhos em português brasileiro, do jeito que escrevo normalmente, não tive nenhum problema em relação à língua. Mas já ouvi pessoas de outros cursos dizendo que alguns professores não gostavam que escrevessem em português brasileiro", iniciou. "Acho que essa questão também depende do curso que você vai fazer, da faculdade escolhida, são muitas variáveis", pontuou.

Barbara e Luísa também notaram algumas diferenças sobre o perfil dos alunos portugueses matriculados em cursos de pós-graduação.

"Quando eu imaginei um curso de pós-graduação, eu pensei que teriam pessoas mais velhas, com mais experiência profissional, mas não era assim", explica Bárbara.

Ao chegar a Portugal, ela encontrou jovens recém-formados, com pouca ou nenhuma experiência profissional e muitas vezes sustentados pelos pais. Esse perfil evidenciou as diferenças sobre acesso a educação no Brasil e em Portugal. 

Luísa conta que estudou com um grupo expressivo de brasileiros graças à igualdade dos valores cobrados nas mensalidades da instituição para alunos europeus e estrangeiros - diferentemente de outras instituições portuguesas, que cobram taxas mais altas para estudantes que não têm cidadania europeia. 

Os brasileiros que estudaram com a mestranda, em geral, tinham mais de 25 anos, trabalhavam, estudavam e lidavam com as burocracias da emigração. Um contexto que gera impacto emocional, afetivo e na saúde mental dos emigrantes.

intercâmbio acabou sendo encarado também como desafio pessoal, financeiro, cultural e emocional.  

"Você está longe de tudo que você conhece, da sua cultura, da sua comida, dos seus amigos, da sua família. Qualquer coisa é difícil. É difícil explicar para quem não viveu. É dificuldade até para pegar o metrô, porque as palavras são diferentes. Por mais que seja a mesma língua, às vezes você não entende o que as pessoas estão falando, é tudo novo", desabafa Luísa.

Fonte: Redação Terra
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