Na prática: alunos descobrem lições sobre a Câmara Federal
Alunos da UnB simulam atividades de deputados e falam o que aprenderam após estarem atrás da bancada
E se falássemos que a presidente da Câmara dos Deputados é uma mulher e feminista? Uma imagem um tanto quanto contrastante com a do deputado Eduardo Cunha, atual presidente da casa. Porém, essa é a realidade na Câmara do projeto Politeia, idealizado pelo Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB).
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Estudantes de ciência política e comunicação se organizam para simular, da maneira mais fiel possível, as atividades da Câmara dos Deputados, desde a criação de projetos de lei até o processo de aprovação delas.
As maiores pautas na simulação deste ano, que ocorreu entre os dias 20 e 24 de julho, foram sobre o aborto, homolesbotransfobia, agressão às mulheres e terceirização. Demandas dignas da vida real, não?
Segundo a coordenadora docente do projeto, Graziela Teixeira, o projeto tem grande peso não apenas na formação de futuros cientistas políticos mas também na criação de cidadãos.
“Quando estamos de fora, muitas vezes temos uma visão preconceituosa da política, mas, lá dentro, os alunos passam a entender o que está acontecendo. Eles podem ser melhores cidadãos com esse projeto e não só usarem isso na profissão mas também para esclarecer outras pessoas de como funciona a política brasileira”, explica a professora.
Então, se você ainda acha que passar um projeto de lei é fácil ou que o impeachment é algo rotineiro, aqui vão algumas lições dos estudantes da Politeia que te farão repensar a política brasileira:
Passar uma lei não é fácil
Vamos com calma. Não é só bater panela, não é só protestar para um projeto de lei ser aprovado ou vetado. “O maior aprendizado é ter o conhecimento do quão difícil e burocrático é a apresentação e o encaminhamento de uma lei. Cobrar medidas dos deputados torna-se um tanto quanto fácil para quem está de fora, mas para quem está lá dentro é difícil”, afirma o estudante Guilherme Camargo, assessor de logística do projeto. Ele ressalta que cobrar é importante, “só que o que falta é o conhecimento de como se dá o processo por trás das leis”.
Ao analisar o Politeia, o professor Rodrigo Gallo, do curso de pós-graduação em Ciência Política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), acredita que projetos como esse são ótimos, pois “no Brasil, temos um grande problema: a população não tem noção de como funciona a divisão dos poderes, o que o legislativo, executivo ou judiciário fazem”.
Segundo Gallo, "o projeto é legal porque mesmo que de forma lúdica, simulativa, faz com que a pessoa entenda como funciona as leis. Ela pode passar a fiscalizar o andamento delas pela internet, por exemplo. É algo que funciona na vida real.”
Lugar de mulher pode e deve ser na política
Apesar das mulheres serem maioria e representarem 51,95% da população brasileira, elas ainda não chegam a 10% na Câmara dos Deputados. Porém, se depender dos alunos participantes do Politeia, esse é um quadro a ser mudado em breve.
Mariana Mesquita, estudante de ciência política, simula a presidente da Câmara dos Deputados, sentando na cadeira de Cunha. Ela é a primeira mulher do projeto a ser eleita para o cargo. Com fala firme, diz que o feito tem uma importância crucial e complementa: “o ideal é que a gente não visse (uma mulher no cargo de presidente da Câmara) com tanta desnaturalidade, mas infelizmente temos uma política na vida real que é basicamente composta por homens”.
Para a estudante Beatriz Ventura, que participa de sua primeira simulação como deputada do Partido Progressista (PP), o projeto é uma forma de questionar por que não existem tantas mulheres na política. “Tem muito aquela coisa de ‘a mulher não está na política porque não gosta’, então a gente está mostrando que não é isso. Se aqui a gente está tendo voz, apresentando projeto, falando, deliberando... por que na vida real não acontece? Então acho que causa esse questionamento e isso é bastante positivo na sociedade de maneira geral”.
Lugar de negros também é na política
Se a representação de mulheres já é pequena na política, a de negros então... Eles são apenas 4,3% da Câmara.
Para Rodrigo Gallo, “é fundamental que a representatividade de mulheres e negros aumente no Congresso. Temos o hábito de dizer que as minorias precisam ser ouvidas, mas mulheres e negros não são minorias, numericamente falando. Então isso só mostra que há um preconceito com essas pessoas. O Congresso precisa refletir a pluralidade da população.”
Mayra Dutra de Oliveira simula a líder do PP e acredita que a representatividade dessas minorias no Politeia é de grande importância, já que o projeto tem uma grande visibilidade e é transmitido até pela TV Câmara. “Essa ideia possui uma grande importância para demonstrar para a população que a gente está aqui, que também nos interessamos por política e que temos tanto direito de estarmos aqui quanto todos os outros parlamentares homens e brancos.”
Porém, a “presidente da Câmara” Mariana Mesquita acrescenta que a expressão de mulheres negras no projeto poderia ter tido uma expressão maior “se não fosse nossa estrutura tão branca e tão machista”. Ela explica que o projeto “tem uma frente negritude muito ampla, uma frente de mulheres muito ampla, mas que para a gente nunca vai ser ampla o suficiente para compensar tudo que acontece na vida real”. Contudo, Mesquita acredita que isso já dá uma cara muito melhor ao projeto.