Autismo demanda adaptação de empresas para incluir profissionais no mercado
No mês em que se comemora o Dia do Orgulho Autista, especialistas contam como promover ambiente de trabalho para autistas; evento Autismo Tech tem inscrições abertas
No dia 8 de maio, o empresário Elon Musk apresentou o Saturday Night Live, um dos programas de maior audiência na televisão norte-americana, e revelou que tinha autismo: "Na verdade, estou fazendo história esta noite como a primeira pessoa com Asperger a apresentar o Saturday Night Live."
A declaração do bilionário fundador e CEO da Tesla deu força à discussão sobre a inclusão de autistas no mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, ressaltou as dificuldades para alavancar esse processo de diversidade ligado a pessoas neurodiversas.
Apesar da declaração dada por Musk - a nomenclatura Síndrome de Asperger foi descontinuada nos últimos anos (leia mais abaixo) -, a realidade mostra que o mercado de trabalho não só precisa avançar no número de autistas contratados como deve buscar maneiras para tornar o ambiente profissional confortável para pessoas com o Transtorno do Espectro do Autista (TEA).
Segundo a pesquisa Pessoas com Deficiência e Emprego, divulgada em maio pela Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, 35% das pessoas entrevistadas (que têm algum tipo de deficiência) estão desempregadas. Na população brasileira, o desemprego passa de 14%.
Conclusão do próprio levantamento, feito com 8.485 pessoas, diz que aquelas com algum tipo de deficiência cognitiva (incluindo autismo) são as que mais encontram barreiras para a inclusão no mercado de trabalho.
Para Gabrielle Ramos, product owner (gerente de produto) em uma empresa de Belo Horizonte e autista de nível 1 (leve a moderado, leia mais abaixo), o que falta para que as pessoas com TEA entrem no mercado de trabalho é incentivo e adaptação: "Quando os processos seletivos forem adaptados para autistas, não vão faltar pessoas para ocupar as vagas no mercado".
Gabrielle corrobora a tese de que quanto mais aparente é o autismo dos candidatos mais rápida é a exclusão em processos seletivos. "Já fui excluída em 1 minuto de um processo seletivo porque minha condição era muito 'aparente' e me disseram isso. Outra vez fui excluída de um processo no qual eu era a única candidata."
As entrevistas e dinâmicas em grupo podem ser desconfortáveis para pessoas neurodiversas e, se elas deixam transparecer a condição, já são descartadas.
Atualmente, Gabrielle trabalha numa empresa de viagens que há mais de dois anos efetuou sua contratação, mas adaptações foram necessárias para tornar o cotidiano mais agradável. "Com um mês na empresa eu escrevi uma carta sobre o que adaptar e me ajudaram. As reuniões são mais rápidas, usam menos metáforas e reduziram o barulho", relembra.
Para ela, além de empresas divulgarem que estão criando cotas para minorias, para aumentar diversidade e inclusão com igualdade de gênero, igualdade racial e pessoas com deficiência, falta trabalhar com esses aspectos dentro da corporação após as contratações.
"Publicar sobre diversidade é fácil, mas quando alguém diferente chega é excluído. Se conseguirmos quebrar os paradigmas com informações sobre o autismo, já vai ajudar muito."
Iniciativas ajudam autistas
Para ajudar empresas que desejam começar a contratar pessoas com autismo, Izabel Barros, cofundadora da Associação da Síndrome de Asperger no Transtorno do Espectro do Autismo (ASA-TEA MG), uma associação que reúne familiares e profissionais em prol dos direitos dos autistas, ressalta que a compreensão é o primeiro passo.
"Muitas vezes as empresas preferem contratar pessoas com deficiência que é cadeirante, por exemplo, porque constroem uma rampa e está tudo bem. Com um autista a rampa não é física, é uma rampa que a gente chama de atitudinal. Essas rampas atitudinais demandam um maior afeto, um olhar mais aberto, sair da caixinha. Não é só uma barreira física", ela explica.
Para tornar o mercado mais inclusivo, Izabel desenvolveu com a ASA-TEA um trabalho de perfilamento dos autistas para direcioná-los às vagas mais adequadas. "As pessoas acham que o autista só serve pra arrumar prateleira e não é bem assim. A gente procura talentos para sair do empilhar caixa, porque as pessoas com TEA têm talentos apurados e hiperfoco."
Ao contratar estas pessoas, muitos empresários são surpreendidos com o desempenho dos novos funcionários, Izabel garante: "Eles (autistas) vão além das expectativas quando você encontra o talento certo".
A inclusão é um caminho que passa por iniciativas como a ASA-TEA, mas também pela escolha que empresários e profissionais de Recursos Humanos fazem de contratar autistas. Renata Transmonte, gerente de People da everis Brasil, ressalta a importância de que empresas contratem pessoas com TEA: "O autismo precisa ter mais espaço igual às outras diversidades. Eu diria para outras empresas conhecerem mais esse mundo e se abrirem".
A everis Brasil é uma das empresas que patrocina o Autismo Tech, um evento online idealizado pela Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap) que promove a capacitação em tecnologia para pessoas autistas. Além de um hackathon com premiação de R$ 20 mil, o evento também conta com Trilhas de Conhecimento nas áreas de QA (Testes de Softwares), Games e Salesforce Developer.
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Inscrições para as capacitações estão abertas até 20 de junho - no dia 18 de junho é comemorado o Dia do Orgulho Autista.
A everis será a responsável pela trilha de QA do evento e, para Renata, esta é a oportunidade perfeita para incluir mais autistas no mercado: "Nós olhamos para as capacidades, e não as limitações. E, nesse momento, as características dos autistas são diferenciais para a empresa."
Autismo e Síndrome de Asperger
Apesar de Elon Musk ter dito que possuía a Síndrome de Asperger, essa denominação foi descontinuada. Lorenzo Natale, psicólogo clínico em Belo Horizonte, esclarece que Asperger era uma denominação utilizada pela Classificação Internacional das Doenças (CID-10) e pelo Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM-IV) para descrever os casos leves de autismo.
"O avanço científico das pesquisas evidenciaram que a Síndrome de Asperger e o autismo 'clássico' na verdade eram variações de um mesmo transtorno", diz Natale. Além disso, acrescenta ele, a mudança tornou a comunicação entre profissionais mais objetiva.
Atualmente, as pessoas com Asperger são consideradas autistas de nível 1. Segundo Natale, "o nível 1 é o grau mais leve dentro do espectro do autismo e estima-se que entre 2% e 15% dos autistas de nível 1 tenham um QI acima da média".
Os níveis de autismo
- Gravidade de nível 1, que exige apoio
- Gravidade de nível 2, que exige apoio substancial
- Gravidade de nível 3, que exige muito apoio substancial
De acordo com o Center of Diseases Control and Prevention, órgão ligado ao governo dos Estados Unidos, 1 em cada 100 pessoas possuem autismo. Dentre os mais de 200 milhões de brasileiros, estima-se que cerca de 2 milhões sejam autistas.
"O Transtorno do Espectro Autista é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado pela presença de padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses em atividades e por déficits persistentes na interação e na comunicação social", explica Natale. Os sinais aparecem nos primeiros 18 meses de vida e causam uma perda ou desaceleração no desenvolvimento das habilidades sócio-comunicativas.
Principais sinais de criança com autismo
- Tem atraso no desenvolvimento da fala
- Alinha objetos
- Não atende pelo nome
- Tem dificuldade para imitar gestos e expressões faciais
- Não se interessa por outras crianças
- Tem interesses e pensamentos inflexíveis
- Não lida bem com novidades
- Gosta de brincadeiras repetitivas e descontextualizadas
- Tem dificuldades para abstrair o pensamento (faz-de-conta)
- Prefere a linguagem não-verbal a verbal
- Tem hiper ou hiporeatividade sensorial
Já os sinais em adultos os sinais são um pouco diferentes: "Os principais sinais do TEA em adultos são o hiperfoco, rigidez do pensamento e o pensamento literal, dificuldades em ler e interpretar o contexto, dificuldade em lidar com a novidade e interesses restritos", diz Natale.
Mesmo com as limitações impostas pela condição do transtorno, pessoas com autismo possuem um potencial grande para desenvolver suas vidas profissionais, ele afirma. "Todos temos limites. O ideal é que as atividades laborais sejam distribuídas segundo nossas habilidades e nossos pontos fortes. Com as pessoas com TEA não é diferente. O limite deve ser avaliado segundo o perfil neurocognitivo de cada funcionário de forma que a probabilidade de sucesso e satisfação sejam maximizadas."
Para Gabrielle Ramos, seu potencial ainda é enorme: "Eu conquistei meu objetivo, que era me tornar product owner, mas ainda quero mais. Eu vou para onde eu quiser".