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Brasileiros no Japão trabalham 12h/dia, mas dizem que segurança e qualidade de vida compensam

Viagens todos os fins de semana e tranquilidade para andar nas ruas são citadas como fatores que atraem; pagamento por hora trabalhada dificulta previsão financeira

17 nov 2023 - 09h40
(atualizado às 14h34)
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Fernanda Pires
Fernanda Pires
Foto: Felipe Orita

Assim como muitos brasileiros, a educadora física Fernanda Pires, 27, e o operador de máquinas Leonardo Tangoda, 26, enfrentaram momentos difíceis na vida financeira. As contas não fechavam, e o resultado era ficar no vermelho com frequência. Em busca de estabilidade financeira e segurança, o casal decidiu ir embora do Brasil. O destino escolhido: Japão, mesmo que a decisão significasse trabalhar 12 horas por dia. Eles integram a comunidade brasileira no país asiático, que hoje ultrapassa 210 mil pessoas, segundo dados de 2023 da Agência de Serviços de Imigração (veja aqui como buscar emprego no Japão).

O número de brasileiros caiu depois da crise econômica global de 2008. Havia 317 mil brasileiros no Japão no ano da crise. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil estima que mais de 50 mil pessoas retornaram ao país entre 2008 e 2009.

A partir de 2010, o número se manteve praticamente estável, em razão de alguns fatores, avalia Angelo Ishi, professor de sociologia da Musashi University, em Tóquio. Veja no gráfico abaixo:

Uma das razões é o fato de o Japão buscar mão de obra de diversas nacionalidades, como indonésios, filipinos, malasianos e vietnamitas. Com isso, o imigrante brasileiro passa a disputar mais espaço no mercado de trabalho com outros profissionais estrangeiros.

Sensação de segurança e oportunidade de trabalho

Foi a partir da flexibilidade que o Japão permite para descendentes que Leonardo Tangoda agilizou a admissão dele e da companheira Fernanda Pires. Por ser da 3ª geração - o avô é japonês -, o jovem tem mais facilidade de ter o visto aceito devido às legislações. Ele viveu uma parte da infância no país com a família. Já no Brasil, o desejo de retornar chegou no início da vida adulta.

Ambos moravam no interior de São Paulo, em Matão. Como educadora física, Pires precisava trabalhar em várias academias da cidade para incrementar a renda mensal. Ela ganhava em torno de R$ 12 por hora trabalhada. A depender de quantos aulas conseguia, no final do mês, a remuneração não alcançava R$ 1 mil.

Do lado de Tangoda, a vida financeira também não ia bem. Na época, trabalhava como balconista de uma farmácia. Foi quando decidiram, juntos, trocar a rotina no Brasil pela "terra do sol nascente".

A mudança aconteceu em 2022. Ainda no Brasil, conseguiram emprego em uma empreiteira que produz componentes para eletrônicos na cidade de Izumo, localizada na província de Shimane, a mais de 700 quilômetros de distância de Tóquio. Eles migraram com visto de trabalho.

O intermédio foi feito através de uma agência de recrutamento. A prática é comum entre profissionais brasileiros que vão para o Japão trabalhar em fábricas.

Quando desembarcaram no país asiático, a realidade foi dura. O casal trabalhava no turno da noite, com uma jornada de 12 horas e apenas 45 minutos de intervalo. Desde então, os dois desempenham a função de operadores de máquinas.

Mas não demorou para Pires ser remanejada para o período da manhã. Isso porque descobriu que estava grávida, dois meses após a chegada ao Japão. Depois do nascimento do filho, a carga horária da profissional foi reduzida para 8 horas diárias.

A rotina da família é compartilhada nas redes sociais, em que a brasileira soma mais de 720 mil seguidores somente no TikTok. Veja o vídeo abaixo:

Segundo a OCDE, mesmo com baixa natalidade, o país têm políticas sociais que torna mais difícil os pais conciliarem o trabalho e a vida familiar. Na sua experiência pessoal, Pires diz não ter enfrentado desafios para reingressar no mercado de trabalho após o nascimento do filho.

Para eles, o trabalho exaustivo é recompensado pelo quesito financeiro. Fernanda Pires recebe 1.410 mil ienes por hora trabalhada (o equivalente a R$ 45,36). O salário inicial no setor em que trabalha na empreiteira é de 1.350 mil ienes a hora.

Levando em consideração as folgas forçadas que a empreiteira impõe durante o mês e as possíveis ausências no trabalho, não é possível mensurar a remuneração mensal ou anual.

Supondo que a profissional trabalhasse 12 horas durante 22 dias ganharia 356.400 mil ienes (o que corresponde a R$ 11,5 mil).

Além do ganho financeiro, o casal considera a qualidade de vida uma vantagem do Japão. "Aqui a gente viaja todo fim de semana, comemos bem, não tenho medo de andar na rua, mesmo que não tenha ninguém. No Brasil, não tínhamos possibilidade de fazer isso", relata Fernanda Pires.

Trocou a Irlanda pela "Terra do Sol Nascente"

Fã de animes, o desenvolvedor de software Ian Cheberle, 33, fez as malas movido por uma certa curiosidade em relação à cultura local e ao idioma. Não seria a primeira vez que iria arriscar uma nova vida em um país estrangeiro. Em 2019, saiu do Brasil em busca de alavancar a carreira na Irlanda em uma startup de aluguéis de carros.

Passados três anos na Europa, sentiu a necessidade de experimentar algo novo. No final de 2022, o profissional aproveitou a desvalorização da moeda japonesa e decidiu ficar três meses na cidade de Yokohama, localizada ao sul de Tóquio, com visto de estudante enquanto trabalhava home office para a empresa irlandesa.

Entre idas e vindas, em julho deste ano, resolveu se estabelecer de vez. Pediu demissão e começou a saga por um trabalho fixo. Das inúmeras seleções que se candidatou no LinkedIn e em sites de emprego, optou por uma vaga que atendia o que almejava, formato híbrido na área de TI em uma empresa de energia do Japão, que tem fusão com a Grã-Bretanha.

"Eu me candidatei a essa vaga porque (a corporação) tem o horário mais flexível, não precisa trabalhar 11, 12 horas. Mas o mercado daqui é mais enxuto, se não vier sabendo inglês e japonês, não tem como pegar cargo sênior", conta. Ele preferiu não revelar a renda anual.

Quanto custa morar no Japão?

Quem deseja migrar para o país, também deve ficar atento aos gastos da região que pretende morar. De modo geral, o custo de vida no Japão é, em média, 26,8% maior que o Brasil.

O item mais caro é o aluguel, 70% superior se comparado ao do Brasil, segundo informações do site Numbeo, base de dados sobre percepção de custo vida.

O aluguel em Yokohama (cidade onde vive Ian Cheberle), é 18,8% mais caro que em São Paulo. Em cidades menores do país, a tendência é de que os valores sejam menores.

Confira o preço de alguns itens de Yokohama com base nos dados do Numbeo:

  • Refeição para 2 Pessoas, restaurante médio, três pratos: 5.500 ienes (R$ 176,77)
  • Cappuccino (normal): 368,75 ienes (R$ 11,86)
  • Leite (1 litro): 209,18 ienes (R$ 6,72)
  • Arroz branco (1kg): 460,00 ienes (R$ 14,78)
  • Filé de Frango (1kg): 929,00 ienes (R$ 29,86)

Sobre a remuneração, não é possível cravar o salário mínimo de todo o país, pois cada província define a média salarial. Em Tóquio, o salário mínimo por hora é de 1.113 ienes (o que equivale a R$ 35,77).

Contexto econômico do Japão

Após ter registrado meteórica ascensão econômica até os anos 90, quando chegou a ostentar o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) do planeta, o Japão passou a enfrentar um quadro de estagnação, diante de desafios demográficos que encolheram a população ativa.

No ano passado, a parcela de pessoas com idade a partir de 65 anos alcançou o recorde de 29,1%, a maior do mundo. Com mais de 80 anos, a proporção já é de 10%. Assim, os fluxos de brasileiros em busca da nação insular ficaram estáveis, o que não significa que as oportunidades sejam inexistentes.

"É provável que (o Japão) flexibilize um pouco mais as condições para os descendentes da 4ª geração. Mas a própria moeda está enfraquecida, o Japão está menos atrativo em termos de rendimento, quem vai continuar querendo vir, vai ser menos pelo dinheiro, e mais pelos pontos atrativos que o país tem e não necessariamente só em termos de mercado de trabalho, mas como qualidade de vida", pondera Angelo Ishi.

Dois tipos de contrato no mercado de trabalho japonês

O contrato de Ian Cheberle é fixo e com remuneração anual. Esse tipo de contratação prevê estabilidade e boas condições oferecidas por parte do do empregador, conforme explica o professor Angelo Ishi, da Musashi University.

No caso de Fernanda Pires e Leonardo Tangoda, o modelo de contrato é temporário. Ou seja, existe possibilidade de até ganhar mais por hora trabalhada comparado aos demais profissionais. Mas há mais instabilidade e condições de trabalho precarizadas.

"Essa é a grande diferença para quem vem se inserir no mercado de trabalho no Japão. É como se tivesse duas pistas ou duas vias paralelas (o contrato fixo e o temporário)", afirma Ishi.

O professor diz que o ganho por hora trabalhada não permite um planejamento adequado de ganhos e gastos para o trabalhador. Ele não sabe quanto vai ganhar por ano ou por mês.

Segundo Ishi, o ideal seria ter acesso ao rendimento anual para conseguir controlar os gastos baseado no que prevê que vai ganhar ao longo de um ano.

Apesar desses contrapontos, o professor afirma que a maioria dos brasileiros que estão em trabalhos instáveis continua demonstrando certo grau de satisfação em relação ao Japão.

"Até porque os brasileiros têm em mente uma comparação com o que eles encararam no Brasil. Outro atrativo forte é a qualidade de vida. Em termos de segurança, de ausência de violência e criminalidade. É realmente sentir que vale a pena morar no Japão pelo fato de ficar tranquilo dentro de casa ou sair a qualquer momento sem grandes preocupações", argumenta.

Migrar para outros países priorizando mais a qualidade de vida do que necessariamente a remuneração em si está se tornando uma movimentação cada vez mais comum entre profissionais brasileiros, analisa Octavio Pott, especialista em mão de obra estrangeira.

"Muitos médicos que tenho recrutado estão decidindo seguir a carreira no exterior para ganhar menos, mas sabendo que vão poder dar uma educação melhor para os filhos. Se botar na ponta do lápis, ganha-se menos, mas preocupa-se muito menos também", afirma Pott.

Estadão
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