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Da lambada à batina, padre de SP revela jornada de conversão ao sacerdócio

Márcio Giordany Costa de Almeida, reitor do Santuário Basílica São Miguel Arcanjo, conta processo que o levou a assumir a vida clerical

20 jul 2023 - 05h00
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Padre compartilha trajetória sobre como chegou ao sacerdócio
Padre compartilha trajetória sobre como chegou ao sacerdócio
Foto: Arquivo Pessoal

No cerne de famílias tradicionalmente católicas são comuns os comentários e pedidos, em tom de brincadeira, para que as crianças busquem a vida do ofício religioso. "Vira padre que a mãe vai direto para o céu" é o tipo de frase rotineira nos almoços de domingo. Não é o caso do padre Márcio Giordany Costa de Almeida, que trocou a lambada pelo sacerdócio na pequena São Miguel Arcanjo, a 180 quilômetros de São Paulo.

Hoje reitor do Santuário Basílica de São Miguel Arcanjo, o sacerdote de 48 anos começou sua trajetória há cerca de 13 anos, quando percebeu que esse deveria ser o seu ofício. O contato com a vida religiosa, no entanto, começou quando a chance de se tornar padre parecia remota na vida de um jovem comum. Ao Terra, ele contou que essa percepção veio "no tempo de Deus".

"Foi no momento em que eu percebi que tudo estava dando muito certo na minha vida, finalizando a faculdade, estava bem empregado, tinha uma namorada, que eu pensei: 'Poxa, está faltando Deus aqui'", lembra.

"Não venho de uma família católica presente, minha familía é aquele 'católico de IBGE', que só vai na missa de vez em quando". Natural de Fortaleza, CE, Márcio conta que seu contato com a religião, durante a infância, se deu apenas durante a catequese, matéria do ciclo básico na escola onde estudava. 

Fiz a primeira comunhão e não participei mais da igreja

O jovem fortalezense dividia seu tempo entre as paixões pelo surfe, esporte no qual chegou a competir, pela dança, mais especificamente o forró, que mais tarde deu lugar à lambada, e pelos estudos, especialmente o da língua inglesa, que o proporcionou um intercâmbio para os Estados Unidos ainda na adolescência. 

"Fiz a catequese para a primeira comunhão na escola, o que era algo muito comum em Fortaleza. Então para mim era uma disciplina da escola, assim como eu tinha matemática, português, eu tinha a catequese, então eu fiz a caminhada de um adolescente comum", lembra. 

Após completar o Ensino Médio nos Estados Unidos, Márcio voltou para o Ceará e ingressou na Universidade Federal do Estado para cursar Administração de Empresas. A meta, segundo ele, era "ser um grande executivo, ganhar muito dinheiro e aposentar cedo para curtir a vida". 

Na época, a vida pessoal do então estudante também parecia encaminhada. Em um relacionamento sério e "intenso", como Márcio descreve, o jovem também tinha planos de se casar e constituir uma família. Foi em meio à prosperidade que ele sentiu a necessidade de se voltar para as coisas da fé. 

"Eu não me voltei para Deus em um momento de dor ou sofrimento. Foi na consciência de que ele poderia coroar a fase boa que eu estava vivendo na vida, era a 'cereja do bolo'", afirma. Assim, Márcio passou a frequentar a Comunidade Católica Missionária Recado, na capital cearense, após um convite da própria namorada. 

Amor à primeira vista

"Comecei a ir em uma igreja, mas ainda muito acanhado, sem entender muito a religião. Em uma das vezes, convidei a namorada e ela me disse: 'Nossa, essa missa é muito sem graça, no próximo domingo vamos na Comunidade Recado?', perguntei se era católica, ela dissa que sim e fomos".

Logo na primeira visita, Márcio se apaixonou pela comunidade e passou a frequentá-la cada vez mais, através da experiência da espiritualidade carismática: "A alegria, o acolhimento, a forma de celebrar, a maneira que o padre falava com a gente, tudo isso me encantou e comecei a ter uma vida religiosa mais regular."

O chamado para o ofício religioso veio por meio de uma 'experiência de oração', explicou. "Percebi que Deus já queria alguma coisa de mim, diferente do que eu imaginava". O emprego já não o agradava mais e o interesse de Márcio, à época com 25 anos, se dava cada vez mais pelas coisas da fé.

  • "Eu comecei a ficar inquieto e entendi que Deus estava me conduzindo para algo diferente e, depois de muita luta, muito questionamento, entendi que era o momento de acabar o namoro, não sabia o porquê, mas entendi que precisava. Foram cerca de dois anos de um namoro muito intenso, aquele para casar, a gente se falava todo dia".

Foi então que Márcio entendeu que também era o momento de se dedicar totalmente à vida religiosa, abrindo mão do emprego e se entregando ao trabalho junto à Comunidade Recado. 

  • "Tive uma conversa muito difícil com a minha família, eu não tinha essa matriz religiosa em casa, então de repente alguém, que aos olhos do mundo está se dando bem, quer abrir mão de tudo para se entregar a Deus? Foi muito difícil, e então eu abandonei tudo em 2001 e passei a morar na comunidade, vivendo da providência", conta.

Levei uma rasteira bonita de Deus

Apesar da devoção de Márcio, o sacerdócio soava, naquele momento, como obrigação. "O primeiro pensamento era o de que Deus queria que eu fosse padre. Houve todo um processo de discernimento e eu lembro fui questionado pelo meu orientador se eu sentia feliz me imaginando como padre, e eu disse que não".

Após entender sua missão como um 'leigo consagrado', o jovem passou a se dedicar à vida missionária, através de pregações e ajuda à comunidade. Até que, em 2003, Márcio é transferido como formador comunitário à Casa de Missão de Tatuí, em São Paulo.

  • "Eu estava bem tranquilo com relação à vocação, nem rezava mais para a possibilidade de ser padre porque, na minha cabeça, não era esse o caminho. Até que um dia eu levei uma rasteira bonita de Deus". 
Padre compartilha trajetória sobre como chegou ao sacerdócio
Padre compartilha trajetória sobre como chegou ao sacerdócio
Foto: Arquivo Pessoal

Escalado de última hora para auxiliar na missa de posse do até então novo pároco da Igreja Matriz de Tatuí, Márcio conta que foi impactado pelo rito de acolhida ao novo padre. Em seguida, acompanhou um comitiva de missionários de Toulon, na França, durante uma visita à comunidade no interior paulista. 

"Eu estava em um ônibus e comecei a rezar, foi quando eu senti uma imensa alegria ao me imaginar rezando missa, atendendo confissões e naquele momento eu estava pronto para dizer sim ao sacerdócio", contou.

Com a orientação do bispo Dom Gorgônio Alves da Encarnação Neto, da Diocese de Itapetininga, Márcio permaneceu na comunidade do interior paulista: "Eu já morava aqui, já estava envolvido com a igreja local, se eu voltasse para Fortaleza, teria que voltar do zero, então conversei com o bispo e ele me acolheu". 

Já graduado em Administração e com sete anos de vida consagrada, ele ingressou no curso de teologia. Posteriormente, realizou outras três pós-graduações em Espiritualidade, Espiritualidade e Orientação Espiritual e Gestão Eclesial.

Assim, Márcio foi ordenado padre em dezembro de 2009. Cerca de um mês depois, em janeiro de 2010, ele é apresentado na comunidade de São Miguel Arcanjo como vigário paroquial. 

  • "Eu lembro que quando abri a porta para a ir para a procissão da missa, o povo se levantou e começou a bater palma, e eu fiquei sem reação porque não era o que eu esperava, eu vim como vigário, aquele padre que auxilia, e fiquei surpreenddo com a recepção de um povo acolhedor e muito fervoroso". 

Minha vida se confunde com a da igreja

Após dois anos como vigário, o padre assumiu a Paróquia de São Miguel Arcanjo, em 2012, segundo ele "sem grandes ideias de mudança". No entanto, em 2013, buscando atender a um desejo antigo dos fiéis, o padre dá início a um processo para tornar a igreja em um santuário. 

"Apresentei os motivos pelos quais acreditava que a igreja poderia ser um santuário, pela fé do povo, que é muito devoto, e por um fato curioso: é a única cidade no Brasil a se chamar São Miguel Arcanjo. Já existia uma visita constante de pessoas por curiosidade, devoção, e em 2013 viramos santuário."

Padre compartilha trajetória sobre como chegou ao sacerdócio
Padre compartilha trajetória sobre como chegou ao sacerdócio
Foto: Terra/Gabriel Gatto

O aumento de fiéis que passaram a visitar a igreja levou o padre a modernizar a estrutura da paróquia e oferecer espaços de devoção, banheiros e um museu com Arte Sacra e Sala dos Milagres atribuídos ao Arcanjo. 

Já em 2018, esse processo de ampliação levou o padre a considerar o processo para tornar o santuário em basílica, título concedido a igrejas pelo Vaticano: "Ficamos quatro meses preparando a documentação e submetemos o pedido ao Vaticano. Na nossa audiência, em 12 de abril, recebemos a resposta extraoficialmente e em 25 de maio foi dado o título de basílica ao santuário."

Hoje, cerca 13 anos após chegar na cidade, o padre vê sua vida em comum com a da igreja de São Miguel Arcanjo. "Minha vida se confunde com a da igreja, não existe distinção. Eu sou padre 24 horas por dia, mesmo que eu esteja na academia treinando, no shopping assistindo a um filme, eu sou padre. Há todo um cuidado com o testamento de vida", afirmou.

O surfe, paixão da juventude, deixou de ser parte da vida do sacerdote. A dança, restrita aos familiares, durante as visitas das férias em Fortaleza. Porém, padre Márcio não abre mão de gostos pessoais que, segundo ele, são sua "válvula de escape".

"Eu faço musculação há seis anos de forma continuada, além de me fazer bem fisicamente, é um investimento para uma velhice com menos dor, e é o momento em que eu extravaso mesmo, minha válvula de escape", contou. 

Padre Márcio revelou, também, que mantém o gosto, este que nutre desde a infância com desenhos animados, por super-heróis. "Não perco nenhum filme e série da Marvel, ne que seja para assistir meia-noite", afirma, mostrando um escudo e figuras do Capitão América que, segundo ele, é seu herói favorito.

Padre compartilha trajetória sobre como chegou ao sacerdócio
Padre compartilha trajetória sobre como chegou ao sacerdócio
Foto: Terra/Gabriel Gatto
Fonte: Redação Terra
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