Ele foi atendente do McDonald's e hoje é CEO de companhia farmacêutica multinacional
Alexandre França, CEO da companhia farmacêutica Lupin/MedQuímica, relembra início da carreira como atendente na rede de fast food e vendedor na L'Oréal
No comando do grupo farmacêutico Lupin/MedQuímica, o executivo Alexandre França, 54, implementou diversas estratégias para colocar as contas da empresa nos eixos. Sob sua liderança, a corporação fechou 2021 com lucro após sete anos no vermelho. Há mais de dois anos, a companhia trocou um escritório luxuoso que custava mais de R$ 2 milhões por ano por um local de trabalho compartilhado na Avenida das Nações Unidas, zona sul da capital paulista.
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Quem observa o desempenho do CEO talvez não imagine que seu primeiro emprego foi como atendente do McDonald's na região central do Rio de Janeiro.
"Me orgulho muito de ter começado lá", afirma em entrevista ao Estadão. França está no mercado farmacêutico há mais de 26 anos. Desde então, diz ter abandonado alguns comportamentos. Agora, afirma ser menos ansioso e radical.
As mudanças incluem a descoberta da preferência pelo modelo de trabalho híbrido e uma maior priorização da vida pessoal.
"No passado, abria mão de alguns momentos pessoais para atender ligações de trabalho. Hoje, pergunto se é realmente urgente", diz.
O fim do expediente não ultrapassa 18h, e ele defende que é possível ser eficiente sem precisar trabalhar mais de 15 horas por dia.
No entanto, algo continua inegociável: a disciplina na hora da entrega. Vivendo uma fase mais confortável na empresa mineira, comprada há quase dez anos pela indiana Lupin, o executivo revela - sem muitas surpresas - que o cargo de CEO continua sendo solitário. "Começa pelo almoço, ninguém chama, é raro."
Confira trechos da entrevista:
Como foi o início da sua carreira?
Aos 18 anos, comecei como atendente de lanchonete do McDonald's no centro da cidade do Rio de Janeiro, em 1991. Minha família não era rica, mas também nunca passou necessidade financeira. Então o dinheiro que recebia era todo para mim. Cheguei a ser gerente de loja no McDonald's. Foi um grande aprendizado porque naquela época era uma empresa que priorizava o treinamento e a cultura. Agora, talvez pelo gigantismo, isso tenha se perdido um pouco.
Até hoje guardo coisas que aprendi no McDonald's. Por exemplo, as lojas utilizavam o princípio QSL: qualidade, serviço e limpeza. Tinha um supervisor que passava a ponta do bocal da caneta BIC embaixo das mesas, não podia sair nada, senão tomava uma advertência por sujeira.
Quando vou à fábrica da MedQuímica, passo o dedo nos armários. Tenho uma frase que as pessoas repetem: 'chão de fábrica você pode lamber.' Também aprendi no McDonald's sobre treinamento. Quando você está com alguém mais inexperiente ou mais novo, precisa ter a consciência que está treinando a pessoa. Mesmo que não seja oficialmente, ela está te observando.
Me orgulho muito de ter começado lá.
Depois migrou para a L'Oréal?
Trabalhava durante o dia no McDonald's e no período da noite estudava na PUC-Rio. Fiz publicidade e jornalismo, mas nunca atuei como jornalista ou publicitário. Me formei, e logo em seguida a L'Oréal abriu um programa de trainee.
Comecei como vendedor na Baixada Fluminense. Foi um desafio, era uma região complicada em termos de violência e um mercado retraído para produtos caros como os da L'Oréal.
Mas consegui vender bem e fui promovido a gerente de vendas. Fiquei na empresa até 1997. Nesse ano, uma diretora de RH - que conheci na L'Oréal - me convidou para trabalhar na farmacêutica SmithKline Beecham.
Entrei há 26 anos no mundo farmacêutico e não sai nunca mais. Passei por empresas como Glaxo Smith Kline, Merck, Novartis, Bristol-Myers Squibb e Grupo Aspen Pharma (foi presidente por 10 anos).
Desde a entrada no mundo farmacêutico, já ocupava cargos executivos. Como foi esse processo de gerir pessoas?
O desafio é conseguir extrair o melhor de cada pessoa, não é ter a melhor. Você nunca vai ter a melhor equipe em tudo. Infelizmente, a maioria das pessoas faz o básico.
Gerenciar pessoas é dar condições e entender onde o funcionário vai render melhor. É mais ou menos como no futebol. Com a minha altura, não dá para estar em uma posição de zagueiro ou de goleiro, não vou render no campo.
Você assumiu o cargo de CEO na MedQuímica em plena pandemia, em 2021. O que fez para extrair o melhor das pessoas diante daquele contexto?
A primeira coisa foi trabalhar a cabeça. Era um time com a autoestima muito abalada. Como era uma empresa que estava havia mais de sete anos sem dar lucro, as pessoas achavam que não eram capazes.
Tentamos mostrar que a empresa tinha uma série de oportunidades.
Exemplo: por que preciso de um escritório de R$ 2 milhões de aluguel por ano? Isso vai me fazer melhor? Não posso estar em um coworking oferecendo boas condições na mesma região?
(A empresa desembolsava R$ 2 milhões de custos anuais com escritório. Atualmente, aluga salas em espaços da WeWork. O valor caiu para R$ 200 mil por ano.)
Houve alguma resistência com essa mudança?
Era tão óbvio que ninguém questionou. Inclusive, existia um desejo, mas ninguém levantou a possibilidade porque o escritório era o menino dos olhos da companhia. Era um símbolo de status.
A partir daí, consegui trazer as pessoas para o meu lado. A virada de 2021 para 2022 foi o primeiro ano em que a empresa deu lucro em sete anos. Nunca mais demos prejuízo. O lucro ainda é abaixo do mercado, mas é um processo construtivo.
Mesmo sabendo da crise financeira que a empresa enfrentava, o que o motivou a aceitar o convite para assumir a cadeira de CEO?
Meu chefe foi esperto, me contou apenas os problemas básicos do novo emprego, como em um primeiro encontro que só contamos as qualidades. Ele disse que seria difícil, mas sem muitos detalhes. Mesmo que tivesse sido mais específico, teria aceitado. Após 13 anos na Aspen Pharma, não encontrava mais desafios. A empresa funcionava perfeitamente sem mim.
Só tinha sido CEO na Aspen. Então veio aquela questão: será que sou bom no mercado ou sou bom apenas para a Aspen? Pode acontecer. Quis me testar fora e vi que sei fazer.
Enquanto muitas empresas decidem retornar ao formato 100% presencial, você é uma liderança que aposta na flexibilidade. Qual a sua avaliação em relação ao modelo de trabalho?
Do meu ponto de vista pessoal, gosto do modelo híbrido porque acho importante ter qualidade de vida.
Vamos relembrar o modelo 100% presencial: alguns dias era melhor não ter saído de casa. Seja porque estava com problema pessoal ou porque estava com a cabeça em outro lugar.
A possibilidade de escolher não ir trabalhar presencialmente quando sabe que vai atrapalhar mais do que ajudar é legal.
Por exemplo, trabalho bem em casa, sou disciplinado. Agora, aquele funcionário que mora com o pai, mãe, sogra, cachorro, galinha e papagaio, talvez seja difícil ter um momento de paz. Entendo que essa pessoa queira ir para o presencial. O grande lance é a flexibilidade.
Na MedQuímica, são três dias presenciais. A minha recomendação é segunda e sexta em casa. Claro, chão de fábrica não consegue produzir medicamento em casa. Por outro lado, o pessoal de finanças, RH, é supermaleável.
Defina seu estilo de liderança.
É um estilo de liberdade com responsabilidade. Cada um é o CEO do seu metro quadrado. Ou seja, na sua área, você é responsável e tem autonomia. Dificilmente, vou dar palpites que mudem a sua visão ou a sua gestão. O meu papel como principal gestor da companhia é orientar caso esteja indo para o abismo.
Tenho duas conversas fixas a cada mês com a minha equipe. No início do mês, em que me dizem quais são os planos, e no final do mês para contar o que cumpriram. Se no dia 15 já cumpriu tudo que acordou comigo e quer passar os outros 15 dias na praia, pode ir, não há problema.
O meu papel é dizer: "você conseguiu em 15 dias cumprir tudo o que planejou para 30 dias. O que acha de no lugar de passar 15 dias na praia, ficar só uma semana e trabalhar os outros sete dias para entregar mais?" A não ser que você me fale assim: "Alexandre, não tenho ambição. Quero cumprir meu papel, fazer meu trabalho e ir embora."
A responsabilidade é da pessoa. Basta cumprir o que ficou acordado de entregar. Como vai fazer? Não me interessa. Desde que seja com ética.
Ter 30 anos de trabalho não me torna melhor que os outros, mas me torna muito melhor do que era 30 anos atrás. Uma grande vantagem de ser CEO é ter acesso a todas as áreas da empresa.
Se vejo algo incrível que está fazendo, posso transferir esse conhecimento rapidamente para outros setores.
Da mesma forma, se percebo que está cometendo um erro recorrente, além de corrigir, posso identificar se outras áreas estão cometendo o mesmo erro e agir preventivamente.
O que mudou no Alexandre líder de 20 anos atrás e o de agora?
Muito. Nem vou dizer 20 anos, mas de quatro anos para cá. Eu era um cara muito mais ansioso e radical. No sentido de passar uma demanda e cinco minutos depois ligar para saber se havia acabado. Até porque sempre fui muito rápido. Era muito impaciente, melhorei bastante.
Também era muito 8 ou 80. Via as pessoas como boas ou ruins, sem considerar que alguém bom poderia ter defeitos e alguém ruim poderia ter qualidades. Hoje não mais.
Na Medquímica, aprendi que muitas "verdades" são subjetivas e que meus conceitos poderiam estar errados. Cometi um erro no início ao esperar que a equipe reagisse às minhas orientações como minha antiga equipe fazia.
Não levei em conta duas coisas fundamentais: primeiro, que o time não era o mesmo. Segundo, que meu antigo time foi forjado por 13 anos de convivência, onde a comunicação era quase telepática.
O cargo de CEO é solitário?
É uma posição solitária. Começa na hora do almoço, ninguém te chama para almoçar, é raro.
Algumas decisões são confidenciais e não podem ser compartilhadas nem com os diretores. Há decisões que tomo apenas com meu chefe, que está nos Estados Unidos.
É uma função solitária, sim, mas aprendemos a conviver com isso. Em alguns momentos, não haverá ninguém para conversar, então a gente se adapta, liga a televisão, encontra um jeito de lidar. Não é algo que me deixe mal, já sabia disso quando aceitei essa vida.
É como um médico intensivista ou pediatra que sabe que é comum as mães ligarem às 3h da manhã. Bom não é, mas reclamar agora não faz sentido, pois a realidade já era prevista.
Se pudesse, não seria isolado e compartilharia minhas decisões profissionais, mas faz parte.
Seu endereço fixo é no Rio de Janeiro, mas semanalmente viaja até a fábrica em Juiz de Fora (MG) ou para o escritório de São Paulo. Como faz para estabelecer uma rotina?
Estabeleço uma rotina mestre, pois sou bem disciplinado, mas também deixo espaço para que caiba flexibilidade. Normalmente, estou em casa no Rio na segunda e na sexta. Nas terças, quartas e quintas divido meu tempo entre o escritório em São Paulo e a fábrica em Juiz de Fora. Embora raro, às vezes preciso pegar um avião para resolver algo urgente.
Sendo uma multinacional, há agendas internacionais, como a reunião digital que tenho toda quarta-feira com a matriz. A empresa é indiana, mas o cérebro executivo fica nos Estados Unidos.
Independente de onde esteja, mantenho minha rotina de exercícios físicos. Mesmo quando estou em São Paulo, treino na academia do hotel. Não abro mão da academia e de buscar minha filha mais nova na escola às segundas e sextas.
O trabalho não é a coisa mais importante da minha vida. Você deve gostar do que faz, digo isso para todos na MedQuímica. Já trabalhei em lugares que não curtia e sei como isso é ruim. Não recomendo a ninguém fazer o mesmo.
Sou louco e apaixonado pelo que faço, mas sou mais apaixonado pela minha família e pelo meus amigos.
Qual o seu conselho para profissionais que, assim como você, começaram em funções mais intermediárias?
No início da carreira, é fundamental estudar bastante. Não se limite ao que aprendeu na faculdade. Se você é de humanas, aprenda um pouco de economia. Se você é de engenharias, estude comportamento e psicologia. Isso é muito importante. Além disso, faça tudo com muita dedicação. Não se preocupe apenas em fazer o que você ama, mas em fazer bem feito.
A média de desempenho é baixa, não porque as pessoas são ruins, mas porque muitas não se dedicam ou não recebem orientação adequada.
Outro ponto crucial é agir com ética. Se não for para jogar dentro das regras, eu nem começo. Sempre sigo a "teoria do travesseiro": se você deita a cabeça no travesseiro à noite e sente que fez o seu melhor, está no caminho certo.
Por fim, é uma questão de coerência. Como posso ensinar meu filho a devolver algo que não é dele se não faço o mesmo no trabalho? A ética e a integridade são fundamentais, tanto na vida profissional quanto pessoal.