Mãe é demitida no primeiro dia da volta da licença-maternidade: 'Me culpei'
Mulheres relatam terem sido 'descartadas' pelas empresas após se tornarem mães; saiba o que diz a legislação trabalhista
No momento em que uma nova mãe deveria estar celebrando a alegria e os desafios da maternidade, muitas se veem diante da incerteza profissional. O retorno da licença-maternidade, período marcado por mudanças emocionais e físicas, torna-se ainda mais árduo quando acompanhado pela notícia de uma demissão inesperada. A prática não é rara, dado a quantidade de relatos semelhantes nas redes sociais, e põe em perspectiva o futuro profissional das mulheres que sonham com a maternidade.
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Maria* (nome fictício) foi uma das mulheres que virou estatística ao ser demitida logo depois de retornar ao trabalho. Ela ocupava um alto cargo em uma empresa multinacional e não imaginava que corria risco de perder a vaga depois de se tornar mãe. Mas, após uma troca de gestão, tudo mudou.
"Para mim foi um susto. Fui para uma gestão totalmente autoritarista e machista. Quando eu retornei, eu já senti uma diferença, as pessoas não falavam comigo, fui isolada, ficava numa mesa, não me davam trabalho, eu não tinha vez de sala. Me senti invalidada como mulher", diz.
A demissão aconteceu um mês após o retorno de Maria ao trabalho. "Eu voltei com 4 meses, e a estabilidade é de 5 meses a partir do nascimento da criança. Fiquei um mês trabalhando, e eles me desligaram, alegando 'estratégia da companhia'", relata.
Enquanto umas buscam a recolocação profissional no mundo corporativo, outras preferem se reinventar e até empreender, na expectativa de poder passar mais tempo junto dos filhos. A tentativa visa equilibrar a maternidade, o autossustento e a realização profissional, como é o caso de Maria que precisou, inclusive, mudar de Estado.
"Estou enviando currículos e fazendo networking. Já pensei até em empreender na parte de doces, para eu poder ter mais tempo com a minha filha e não ter que lidar com esses olhares de machismo. Hoje, eu tenho que ver o que é melhor para mim e para minha filha. Então, estou com esse olhar de me reinventar, de buscar essa área de confeitaria, de doces e quem sabe ter uma nova profissão", revela.
Maria usou suas redes sociais para expor a demissão e espera encorajar outras mães. "Muitas mulheres passam por isso e a gente fica com medo de falar, medo de ser julgada. Você passa quatro meses cuidando do seu filho, você tem uma responsabilidade e aquela criança pequena depende de você. Você passa uma madrugada inteira acordada, e no outro dia você está ali cumprindo a responsabilidade de se doar para outras pessoas também, dentro de uma operação, e você não tem o mínimo de valor", desabafa.
Para ela, o preconceito é a principal razão para as demissões de mulheres após o retorno da licença-maternidade. "Antes de eu ser mãe, eu não acreditava que seria tão duro. Eu me deparei com essa triste realidade. Que tem, sim, um preconceito com as mulheres que são mães. Principalmente mães solteiras".
Sentimento de culpa
A culpa, a ingratidão por parte da empresa e a humilhação foram os sentimentos que Ana* (nome fictício) descreveu após ter sido demitida no retorno da licença-maternidade. "Me culpei e fiquei me perguntando o que tinha feito de errado. Depois de 10 anos na empresa, não pude nem sentar na mesa em que trabalhava. Me chamaram em uma sala e vieram com a conversa que eles não poderiam mais pagar o salário que eu ganhava".
A demissão de Ana aconteceu no primeiro dia de seu retorno, e foi oferecido um salário menor do que a metade para que ela continuasse no próprio cargo. A sensação de medo tomou conta e, hoje, ela não pensa em ter mais filhos para evitar passar pelo trauma novamente.
"Tenho medo que se repita, e por causa da idade e quantidade de filhos, cada vez vai ficando mais difícil a recolocação no mercado de trabalho para as mulheres", conta.
Metade das mulheres perdem emprego
Uma pesquisa de 2016 da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que cerca de 50% das mulheres perdem o emprego depois do início da licença-maternidade. Além disso, metade delas se distancia do ambiente de trabalho. O estudo aponta que o grau de instrução mais elevado não interfere no resultado, todas são afetadas. Entre as mulheres com ensino superior, o índice é de 35%, e entre as menos escolarizadas, 51%. Entre os homens, apenas 15% deixam o trabalho depois de se tornarem pais.
Lucia Madeira Moraes, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Rio de Janeiro (ABRHRJ), explica que, antigamente, era mais comum que a pessoa contratada para cobrir a vaga da mulher de licença fosse contratada no lugar dela. "Hoje, já existe mais consciência das empresas e até programas para ampliação deste período."
Ela diz ainda que é importante que a funcionária procure o setor de Recursos Humanos para entender sobre a demissão. "Muitas vezes o desligamento não está diretamente ligado à licença. A empresa pode ter passado por crises e reestruturações no período."
A presidente da ABRH-RJ ressalta a importância da humanização dos gestores. "O apoio humanizado é muito importante no retorno da licença. É um período de readaptação da profissional à sua nova realidade de vida e a da empresa. Para isso, os gestores devem ser preparados. Caso a demissão seja inevitável, a empresa pode oferecer benefícios adicionais, como apoio à recolocação e extensão do plano médico, por exemplo."
Conheça os direitos
A advogada trabalhista e secretária-geral adjunta da OAB-SP Dione Almeida explica a seguir quais são os direitos das mulheres que se tornaram mães no trabalho.
Quais são os direitos trabalhistas das mães?
"O salário-maternidade é um benefício previdenciário pago à pessoa que fica afastada do trabalho por motivo de nascimento do filho, aborto não criminoso, adoção ou guarda judicial para fins de adoção. A legislação prevê 120 dias de licença-maternidade no caso de parto ou 120 dias no caso de adoção de menor de idade ou guarda judicial para fins de adoção, mediante apresentação do termo judicial de guarda à adotante ou guardiã. O prazo da licença pode ser acrescido de 60 dias, caso o empregador tenha aderido ao Programa Empresa cidadã."
Qual é o período de estabilidade?
"Desde a gravidez até cinco meses após o parto, incluindo o período de licença-maternidade, a empregada não pode ser demitida sem justa causa, tal prazo pode ser maior, desde que previsto em convenção coletiva de trabalho. Essa 'estabilidade' independe de o empregador ter ou não conhecimento da gravidez da empregada. Caso a empregada seja dispensada sem justa causa nesse período, terá direito à reintegração. Não sendo possível a reintegração devido à incompatibilidade entre empregada e empregador, a empregada será indenizada pelo período da estabilidade. O empregador pode ser condenado ao pagamento de danos morais, se assim a empregada pleitear judicialmente".
Se for demitida no retorno da licença-maternidade, a mulher pode processar a empresa?
"Sim, a legislação determina que a empregada não pode ser demitida dentro do prazo de 5 meses a contar do nascimento. Se a mulher for dispensada sem justa causa dentro desse prazo, a dispensa é, presumidamente, considerada discriminatória. Pode pedir uma indenização por danos morais, cujo valor será estipulado pelo juiz ou juíza. Decorrido o prazo de estabilidade e sendo dispensada sem justa causa, a rescisão contratual também poderá ser considerada discriminatória, desde que provada no processo".
A demissão pode ser enquadrada como discriminação de gênero?
"Sim, esse tipo de demissão pode ser considerado como discriminação de gênero e deve ser combatido. O combate se dá por meio de informação e formação sobre discriminação de gênero, violências de gênero, divisão sexual do trabalho, além de ações que promovam o trabalho das mulheres e decisões sob a ótica do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero".
*Os nomes são fictícios. As entrevistadas preferiram não ser identificadas.