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"Maior desafio para mim é me ver encaixado em sistema de trabalho escroto", diz Rafael Cortez

Ex-repórter do CQC revela detalhes da sua transição de carreira para o mundo corporativo e como concilia tantas habilidades profissionais

17 mai 2024 - 05h00
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Aos 30 anos de carreira, Rafael Cortez fala sobre recolocação profissional no meio empresarial
Aos 30 anos de carreira, Rafael Cortez fala sobre recolocação profissional no meio empresarial
Foto: Divulgação

Jornalista, humorista, assessor, produtor, apresentador, musicista erudito e agora palestrante. Aos 47 anos e com uma sólida carreira multifacetada, Rafael Cortez convive com a dificuldade de se encaixar em qualquer rótulo que o tentem vincular.

Lançado à mídia nacional pelas entrevistas perspicazes no CQC, programa da Band que foi ao ar entre 2008 e 2015, o comunicador diz viver, hoje, uma de suas "melhores fases". O motivo? Ele realiza palestras no mundo corporativo, baseadas na "atitude transformadora", lema que o moveu entre tantas carreiras.

Um dos "afluentes" da sua vida profissional, o humor é frequentemente utilizado como ferramenta para passar a mensagem no mundo corporativo.

"É possível fazer comédia limpa e que agrade a todo mundo, com todo mundo rindo muito, sem bater em alguém. Mesmo no mundo chato de hoje em dia, dá pra dar risada e dá pra fazer isso dentro da empresa", defende.

Em entrevista exclusiva ao Terra, Cortez comenta sua recolocação profissional após 30 anos de trabalho, o papel do autoconhecimento nesse processo, como navega entre tantas atividades e os desafios em ser um 'artista plural' no Brasil.

"O maior desafio profissional para mim ainda é me ver encaixado em um sistema de trabalho 'escroto', que ainda é vigente no Brasil e a maior parte das pessoas vive. É f*da viver para trabalhar, e não trabalhar para viver", desabafa.

Confira a entrevista completa! 

Aos 30 anos de carreira, Rafael Cortez fala sobre recolocação profissional no meio empresarial
Aos 30 anos de carreira, Rafael Cortez fala sobre recolocação profissional no meio empresarial
Foto: Divulgação

Como aconteceu essa virada de chave na carreira e há quanto tempo está nesse ramo do mundo empresarial?

Eu estou há muitos anos no corporativo, sempre esteve junto com todas as coisas que eu faço de carreira. Desde lá atrás, antes mesmo de fazer o CQC, eu fiz corporativo como mestre de cerimônia. Eu sou um apresentador de eventos, modéstia à parte, bom. Apresento bem esses eventos porque eu trago uma leveza um humor que o corporativo tem medo, mas trago com um filtro do bom gosto, sabe?

E aí resolvi explorar um pouco mais o lado do corporativo, entregando também uma palestra, porque muitas vezes eu fui fazer apresentação em convenções grandes, de empresas legais, assistia palestras de convidados e falava: 'Pô, esse cara fez um negócio que eu gostei, ou esse cara fez um negócio que eu odiei'.

Dessa observação nasceu a minha palestra, em 2022. De lá pra cá, eu 'tô' lapidando cada vez mais esse produto. Arrisco dizer que hoje ele tá no melhor momento. Me apaixonei tanto por fazer palestra que eu resolvi também dividir, com as pessoas que querem começar carreiras de palestrantes, qual é o macete.

E já que todo mundo quer palestrar, e eu conseguir fazer isso do zero, eu resolvi dividir esse conhecimento numa mentoria com a Branca Barão. Então esse é o momento que estou vivendo agora, estou bem focado em palestra, o que não significa que eu abandonei a comunicação, eu não abandonei o comédia, eu não abandonei a música. Eu continuo fazendo a coisa 'idiota' de ter uma carreira multifacetada. 

Por que idiota?

Porque, no Brasil, parece que isso é dar 'murro em ponta de faca'. Ser um artista plural no Brasil, que é um país de especificidades, é quase jogar dinheiro fora, mas eu não consigo trabalhar de outra maneira, entende? Segue tudo em paralelo.

E como tem sido o processo?

Está sendo uma recompensa boa. A máxima que diz que quando você se dedica a alguma coisa, com um pouco mais de ênfase, perseverança e amor, você há de colher, é muito verdade. Eu tenho certeza, por exemplo, que a minha palestra e a minha carreira de palestrante e mentor estariam muito melhores se eu me dedicasse 100%. 

A minha carreira é um grande rio onde tem um afluente que é a comédia, outro é a TV, outro é a carreira corporativa, outro é a palestra. Até que, para um cara que tem tantos afluentes, a coisa vai bem. 

Você fala sobre a 'atitude transformadora' na sua palestra. Como isso se encaixa à sua vida?

Eu percebi que a atitude é uma ferramenta que eu tenho mesmo. E acho que o palestrante, seja ele qual for, para qualquer área que se destine a palestrar, não interessa o tema, ele tem que ter lugar de fala, ele tem que ter um lugar ao sol quando o tema da palestra dele é esse ou aquele, sabe?

"E o que chancela o meu lugar na atitude foi ter feito seis anos de CQC. Quem viu, e acho que o Brasil inteiro viu, sabe que era um programa pé na porta, que não aceitava 'não' como resposta. Se o político não queria falar, a gente fazia ele falar. Se a gente não tinha credencial para entrar no evento, a gente pulava cancela, entrava e falava ainda assim".

Eu entrei no CQC por causa de atitude. Eles me queriam de produtor, e eu pedi para ser repórter na reunião de emprego. A vida inteira eu sempre fui um cara de atitude. Agora que as TVs aparentemente aparentemente estão 'noutra', não parecem ter saudade de mim, por exemplo, eu só 'tô' na TV novamente porque eu tive a atitude de ligar pro Danilo Gentili e falar: 'Danilo, deixa eu ser parte do seu quadro Roda Solta'. Tudo na minha vida tem atitude. 

A atitude é uma ferramenta que toda e qualquer pessoa tem dentro de si. É uma ferramenta limpa e que, se souber usar, pode fazer a carreira acelerar, não só a carreira mas a vida. Resolvi montar uma palestra sobre esse tema usando os elementos que eu tenho, como a minha carreira, a minha vida e o meu humor.

E como é a relação com o público corporativo, que tem fama de ser mais 'sisudo'? 

Digo que quando uma empresa bate no peito e fala: 'Vou bancar um comediante aqui dentro da minha casa', ela já tem muito do meu respeito porque, para fazer isso hoje em dia, tem que ter 'culhão'. A imagem percebida do humor hoje está ruim. As pessoas têm tanto medo de comediante porque a gente está vivendo um momento muito politicamente correto dos relacionamentos. Ser humorista hoje é quase ser anárquico.

Claro, tem amigos meus que gostam de fazer piadas politicamente incorretas, porque essa é a batalha da carreira deles. Eu respeito essas pessoas, elas querem fazer isso por uma questão de militância, por uma questão de perfil. Elas vão contra um sistema, porque o politicamente correto 'tá' um saco mesmo. 

Há os que se adequam ao politicamente correto, como eu, e os que vão à porrada com ele. Todos têm o meu respeito, mas o corporativo tende a ficar assustado com as más repercussões que a comédia tem por aí. Então, um chefe de empresa, um dono, que topa trazer um comediante, o cara 'tá' sendo visionário, ele 'tá' sendo corajoso, e eu gosto de vestir a camisa.

Eu arrisco dizer que é possível fazer comédia limpa e que agrade a todo mundo, com todo mundo rindo muito, sem bater em alguém. Mesmo no mundo chato de hoje em dia, dá pra dar risada e dá pra fazer isso dentro da empresa.

E como chegou a desenvolver mentorias para palestrantes? 

Eu sou de uma geração muito feliz, onde a bola da vez foi o stand-up. Comecei a fazer em 2009, que acho que foi o ano mais feliz da história da comédia stand-up, todo mundo só queria saber disso. Hoje, em 2024, eu acho que a bola da vez é a palestra, mesmo que alguns palestrantes messiânicos, como Pablo Marçal, acabem sugerindo uma ideia de que a palestra é o produto que vai 'mudar a tua vida para você virar milionário'.

Na prática não é bem assim, mas é verdade, sim, que a palestra, se for bem feita, pode mudar sua vida para melhor. E qualquer pessoa pode palestrar, qualquer pessoa, porque todo mundo tem lugar de fala em alguma coisa. Todo mundo tem um diferencial, e se você souber usar esse diferencial e colocar uma lupa nele, ele vira um produto que você pode palestrar.

Então eu e a Branca ensinamos a ter os macetes certos, qual o tipo de fala que cada um tem, a embalagem que você vai dar ao seu produto para ele se tornar atrativo. Uma vez que alguém comprou, como é que você se posiciona em cima de um palco? Tudo isso a gente ensina. A Branca, porque tem mais de 20 anos palestrando, e eu posso ensinar isso porque sou um cara de pau nato. 

E, realmente, quando a pessoa descobre os benefícios de palestrar e encontra o macete para ser palestrante, eu não tenho dúvida que a vida dela vira realmente algo muito melhor. Não digo que ela vai ficar milionária, mas ela vai ter independência financeira, o que é uma coisa que muita gente quer.

De que maneira você oferece seu produto ao público?

Eu continuo oferecendo pelo tipo de mídia que eu tenho hoje, que é a minha própria rede social e dos parceiros que estão à minha volta. Eu não sou um cara que chora as pitangas e você não vai me ver no Super Pop, reclamando que estou fora da televisão, ou na Fazenda dizendo que tive uma carreira. 

Se eu não estou hoje na televisão, que é mídia mais cheia de visibilidade, tudo bem, eu uso a minha mídia, uso a minha rede social. A gente tem que jogar conforme o tempo em que a gente vive e parar de brigar com o tempo, também. 

Nesse sentido, qual sua relação com as redes sociais e a internet, no geral?

Eu não sou um cara de internet, eu sou de conteúdo, mas o tipo de conteúdo que eu entrego é muito uma experiência. A internet me parece meio fria, um pouco distante. E eu realmente me familiarizo mais e tenho mais facilidade com a TV, com rádio, com as mídias tradicionais que eu já conhecia antes da força das redes sociais.

Eu reconheço que eu tenho dificuldade e acho que é uma dificuldade da minha geração também, a geração que tá chegando aos 50. Nós fomos educados em escola e fazíamos trabalhos na biblioteca. Em algum momento da nossa juventude veio a internet com força, conectando através das redes sociais. E agora que a gente tem quase 50 anos, um cara como eu, que fez sucesso no CQC, não sabe surfar.

Não vão me ver fazendo dancinha para chamar a atenção da galera, tenho horror à ideia de envelhecer fazendo dancinha (risos). Então eu lido com a internet porque eu tenho que saber lidar, mas eu não sou um cara da internet como outros colegas são.

Sobre a carreira plural, como você se organiza para se dividir entre tantas atividades?

Eu não sou uma pessoa que tem grandes organizações, grandes disciplinas. Eu sou um cara de ação mesmo, eu procrastino muito pouco e penso muito pouco também. Digamos que o meu bom senso é muito menor do que a minha vontade de fazer as coisas.

Se eu tivesse bom senso, eu ia pensar: 'Será que agora é hora de fazer uma palestra?'. Eu deveria estudar, fazer uma mentoria que nem eu estou sugerindo que os meus alunos façam, sabe? Eu quero que as pessoas aprendam a fazer palestra através de um processo que eu mesmo não fiz.

"Mas eu me considero um ponto muito fora da curva e não recomendo que as pessoas façam como eu porque, de fato, eu consigo conciliar uma carreira onde estou lançando um disco de MPB no dia 7 de junho e no dia 8 começa a minha mentoria".

No dia 20 de julho eu lanço o meu livro sobre a atitude transformadora ao mesmo tempo que estou fazendo um programa do Danilo Gentili, e eu não paro de fazer as minhas palestras nas empresas. Eu sei fazer essas coisas dentro de um sistema que só funciona para mim. Mas eu adianto o meu tempo, fazendo todas essas mil coisas, às custas da minha própria saúde física e mental. E eu não acho que isso é recomendável para as pessoas. 

Com tudo isso, como você vê sua carreira até agora? 

Eu tento olhar para a minha carreira com um olhar não muito saudosista. Continuo pensando que a carreira continua, segue, estou no curso, inclusive. Estou mais comunicador do que antes, só não estou fazendo comunicação de massa, na TV aberta, com aquele protagonismo que já tive como entrevistador. 

"Eu tenho entendido cada vez mais que tem um momento da nossa carreira em que a gente tem que estar nos lugares que precisam da gente. Nós temos que falar com as pessoas que precisam do nosso conteúdo". 

Acho que eles não precisam mais de mim de mais de mim, mas o corporativo precisa, precisa de um cara que tem 30 anos de carreira na comunicação e nas artes e que sabe usar a ferramenta da comédia de maneira limpa, de maneira ética, que sabe fazer as pessoas descomprimirem, que sabe fazer um humor disruptivo sem ser agressivo.

Como acontece a recolocação após 30 anos de carreira?

Não acontece de maneira solitária e não é um processo fácil. Todo mundo que vender a fórmula mágica da migração de carreira, todo mundo que disser 'Vem na minha que eu vou te ensinar como é que você muda a chave da tua vida', é picareta. 

Eu tenho orgulho em dizer que, na minha mentoria com a Branca Barão, a gente não está ensinando ninguém a ficar milionário, a gente está ensinando as pessoas a consolidarem um produto que pode fazer com que elas tenham independência financeira.

Então, um reposicionamento de carreira, uma reconstrução, uma 'virada de chave', é um processo extenuante, que leva tempo, exige disciplina, terapia, mas exige que você se conheça profundamente. Cada um vai se autoconhecer de alguma maneira e todas as maneiras são bem-vindas.

Chegou a se questionar quando começou a palestrar? 

Volta e meia me sinto desafiado e me questiono, mas ainda acho que os maiores desafios que eu tive na minha vida foram aqueles de antes de ter minha independência profissional e financeira. Não sou um cara que tem uma independência ao ponto que possa não mais trabalhar, mas eu posso negar e deixar de procurar uma série de coisas para ganhar aquele dinheiro 'picado'. 

Uma coisa que não contei em lugar algum -- estou falando em primeira mão -- quando fiz os testes para o CQC, eles me queriam como produtor, então dei um blefe, pedi para fazer o teste de repórter. Contrariando tudo, eles deixaram e eu acredito que fui bem, então ficaram de me dar uma resposta no espaço de um mês. 

Passaram dois, três meses, ninguém falava nada, e mal tinha internet direito, era só e-mail, Twitter e Orkut, então eu não conseguia encontrar os caras, então fez-se um silêncio. Estava no fim de 2007, na teoria, em 2008 eu ia começar a trabalhar na Band, eu tinha certeza, mas ninguém telefonava. 

"Nesse meio tempo, fiz um teste para trabalhar em um tipo de 'Playcenter dos livros' como monitor e passei. Me ligaram dizendo que começaria em janeiro, com jornada CLT, de segunda a sexta e uma folga aos domingos por mês. Lembro que fiquei muito mal com aquilo, a ideia de me ver nesse sistema era 'broxante'". 

E aí, no dia 20 de dezembro, o pessoal do CQC me liga para avisar que eu tinha passado nos testes. Na mesma hora liguei para o pessoal do outro trabalho e disse que não podia mais. Então, o maior desafio profissional para mim ainda é me ver encaixado em um sistema de trabalho 'escroto', que ainda é vigente no Brasil e a maior parte das pessoas vive. É f*da viver para trabalhar e não trabalhar para viver. 

Aos 30 anos de carreira, Rafael Cortez fala sobre recolocação profissional no meio empresarial
Aos 30 anos de carreira, Rafael Cortez fala sobre recolocação profissional no meio empresarial
Foto: Divulgação

E quais os próximos passos na carreira?

Estamos em um momento muito legal em que estou formando o time da mentoria. Ao mesmo tempo, estou com uma agenda bem bonita como palestrante, com várias datas, daqui até o final do ano, de palestras que já tenho fechadas em empresas bacanas, algumas fora do Brasil. 

Até o final de julho sai o meu livro sobre a atitude transformadora, pela editora Benvirá, que é um livro que escrevi em paralelo ao ato de fazer a palestra e que fala exatamente do produto da minha palestra, então, ele vai chancelar o meu papel de palestrante e vai me dar a autoridade que está faltando.

Em 7 de junho eu lanço um disco no Spotify só de músicas autorais, gravadas ao vivo em um lugar lindo de São Paulo, que é o Estúdio 8. Vai ser o sétimo disco da minha carreira, só com músicas minhas, de voz e violão, e algumas peças instrumentais para violão solo.

E, paralelamente a isso, eu continuo com o quadro do Danilo Gentili, que tem sido uma coisa divertidíssima de fazer. Ele é o cara mais generoso da comédia brasileira, me estendeu a mão quando eu pedi a ele, ele não questionou e me deu um papel no Roda Solta. Não porque eu ache que mereço, eu acho que é porque ele é generoso.

E uma coisa que até agora não contei para ninguém é que eu tenho tentado insistentemente um papel na novela Vale Tudo, da Globo, que é uma coisa que eu nunca fiz na minha carreira televisiva. Eu fiz tudo que você puder imaginar em televisão: reality, competição, programa de namoro, programa de culinária, jornalismo, humor, sitcom, cobrir a Olimpíada, Oscar... Mas eu nunca fiz uma novela. Vale Tudo é a novela da minha vida.

Quando vi que teria o remake, com toda cara de pau que me é peculiar, fui atrás de todos os produtores de elenco, falei com todos e ninguém me respondeu. Falta essa figurinha no álbum do Rafa Cortez.

Fonte: Redação Terra
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