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'O Brasil não está preparado para a inteligência artificial', afirma Pierre Lucena

IA está entre as principais discussões do REC 'n' Play, evento que acontece entre os dias 18 e 21 de outubro no centro histórico do Recife; programação inclui palestras, oficinas, arenas de games e shows

20 out 2023 - 16h10
(atualizado às 18h53)
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Pierre Lucena, presidente do Porto Digital, durante REC 'n' Play.
Pierre Lucena, presidente do Porto Digital, durante REC 'n' Play.
Foto: Porto Digital/Divulgação / Estadão

ENVIADA ESPECIAL A RECIFE - Durante quatro dias, ruas do centro histórico do Recife se tornaram palco de um carnaval fora de época. No lugar do frevo, tecnologia, inovação e empreendedorismo. É com o DNA da folia que a 5ª edição do festival REC 'n' Play é definida por Pierre Lucena, presidente do Porto Digital, um dos principais parques tecnológicos do País e idealizador do evento, que acontece entre os dias 18 e 21 de outubro. 

Entre as mais de 600 atividades que compõem a programação, o tema da inteligência artificial se impõe nas rodas de debates. "Estamos entrando em um processo de discussão de como usar essa ferramenta da melhor forma, porque vai transformar de uma forma brutal a vida da gente em um prazo muito curto", afirma Lucena, em entrevista ao Estadão.

Com a efervescência cultural da capital pernambucana como pano de fundo, o evento estima que mais de 60 mil pessoas visitem o local, que vivencia um revival com a revitalização de prédios históricos na região para a ocupação de empresas de tecnologia.

"É um espaço de patrimônio histórico, é a apropriação da cidade. Faz parte do propósito do festival. Faz parte do nosso DNA, que também é do carnaval", diz o presidente em referência ao diferencial do festival, que reúne mais de 600 atividades gratuitas distribuídas em cerca de 43 pontos.

Confira trechos da entrevista:

Como presidente do Porto Digital, você lidera um dos maiores eventos de tecnologia e inovação do País. Quais são os critérios para a curadoria do REC 'n' Play e como identificar o que funciona ou não?

Nós dividimos o evento em três grandes partes: primeira, conteúdo com palestras e oficinas, segunda, ativações com arenas de games e robôs, além da terceira, que é o entretenimento. Neste ano, está muito concentrado na curadoria infantil. Também faz parte da programação os shows de rua, que integram o calendário da cidade.

A curadoria é feita de uma forma completamente caótica. Escolhemos 20 a 25 curadores e cada um propõe a mesa que quiser e não nos metemos nisso. Obviamente, queremos dentro do espectro ideológico que defendemos, que é a defesa da educação, da ciência, da tecnologia e da inclusão. Então, tudo isso faz parte de uma ideologia que existe por parte desse movimento popular que é o Porto Digital.

Temos curadores de várias áreas: inteligência artificial, história da periferia da cidade, tem outro que está falando de segurança da informação, outro fala de cultura, economia criativa e por aí vai.

Qual é o diferencial do evento?

A rua. É um espaço de patrimônio histórico, é a apropriação da cidade. Faz parte do propósito do festival. São coisas que o brasileiro de certa forma foi esquecendo. Principalmente, a classe média da cidade, muitos jovens não conhecem o centro da cidade.

Então, quando trazemos essa galera para cá estamos justamente colocando todo mundo junto. Os ingressos são gratuitos, todo mundo pega fila, não tem esse negócio de área VIP. Faz parte do nosso DNA, que também é do carnaval, essa participação democrática.

A programação desta edição reúne diversas discussões sobre inteligência artificial. Dentro dessa temática, o que é mais urgente no Porto Digital?

Primeiro, temos que aprender a trabalhar com a IA. Estamos entrando em um processo de discussão de como usar essa ferramenta da melhor forma, porque vai transformar de uma forma brutal a vida da gente em um prazo muito curto. E ninguém está preparado. As universidades não estão preparadas, o Brasil não está preparado. Por isso, que o tema da próxima edição é para discutir o futuro.

Falando nisso, no seu ponto de vista, qual é o modelo de negócio do futuro e como vocês estão se preparando?

Acreditamos que todos os processos que vão surgir serão mais desafiadores do que os atuais, principalmente no trabalho em si, porque vivemos um momento de aumento da produtividade de uma forma muito acelerada. Já vivemos isso duas vezes na história, com a revolução industrial e com a administração científica. Trabalhávamos sete dias da semana, passou a trabalhar seis, cinco e vamos precisar trabalhar menos daqui pra frente.

Porque se isso não for feito de uma forma globalizada, organizada, mudando as legislações, o que pode acabar acontecendo é que esse ganho de produtividade é apropriado por quem emprega. Então, tem que haver uma reorganização do trabalho. É isso que temos que pensar agora porque os empregos de criatividade tendem a desaparecer e precisamos se preparar para esse novo futuro. Essa é a nossa grande preocupação, além das questões éticas da IA, produtividade, tudo isso está dentro do pacote de discussões do próximo REC 'n' Play de uma forma muito forte.

Inclui o debate da semana de 4 dias?

Sim, mas isso não pode ser de uma única empresa, tem que ser global, tem que ter uma legislação por trás. Se você não fizer isso de forma organizada entre todos os agentes, você tira um dia de produtividade na empresa, e o empresário também não pode se apropriar disso (semana de 4 dias) como uma vantagem competitiva. Mas estamos aqui para discutir e mobilizar.

Atualmente, muitos brasileiros da área de TI estão sendo atraídos por empresas estrangeiras. Qual o maior desafio para cativar e reter profissionais qualificados?

Não podemos ficar chorando o leite derramado. Temos que encarar isso como uma forma de melhoria da qualidade de vida das pessoas porque elas vão ter emprego. Tem duas opções: chorar porque as pessoas estão indo embora ou ir lá e formar mais gente.

É preciso formar mais pessoas e ter escola pública de qualidade. É o que estamos fazendo no projeto 'Embarque Digital', aumentando o número de formados na cidade com a galera que veio da escola pública. Esperamos que o Brasil faça o mesmo e não seja apenas um projeto do Recife.

Para reter os talentos, vamos ter melhores salários, melhores empregos, em uma cidade melhor, e vamos fazendo isso a longo prazo.

Nos últimos dias, circularam na internet comentários em tom de crítica a respeito do evento convocar pessoas pretas, LGBTQIA+ para trabalhar no REC 'n' Play de forma voluntária, sem remuneração. Como vocês lidaram com isso?

Não controlamos o que sai em todo canto. Acreditamos em ações afirmativas, por exemplo, priorizamos as primeiras vagas do festival para moradores da comunidade do Pilar (região do bairro histórico). Mas (o comunicado de convocação) foi mal colocado, o festival resolveu voltar atrás e fez o que tinha que fazer: pedir desculpas e tentar discutir isso de outra forma no futuro.

Agora, uma coisa é certa, nós acreditamos em ações afirmativas, cotas nas universidades e o 'Embarque Digital' é 100% para escola pública. E vamos continuar com ações afirmativas e de inclusão efetiva. Um deslize não vai fazer com que recuemos em ações afirmativas.

Estadão
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