Os Gen-Z exigem demais? Especialistas avaliam comportamento dos jovens no trabalho
Profissionais "moderninhos" têm agitado a cultura organizacional
O profissional da geração Z é o novo 'estagiário' imaginário das piadas sobre escritório. Se aconteceu algum problema, foi o “gen-Z” que fez errado. Em publicações humoradas, é ele que faz "corpo mole" para cumprir suas obrigações. Quem não sabe do que se trata, pensa até que estão falando de adolescentes em formação. No entanto, esses trabalhadores podem ter até 27 anos.
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Enquanto uma enxurrada de publicações em redes como o LinkedIn apontam os profissionais desta geração como difíceis de trabalhar, voláteis, preguiçosos e até ruins em se comunicar, os próprios 'gen-Z' fazem questão de não se parecerem em nada com os chefes mais velhos.
Eles reivindicam boas condições de trabalho, menos formalidade, mais flexibilidade e bons salários em uma cultura corporativista que enaltece a sobrecarga. Em contrapartida, as empresas exigem compromisso máximo com o trabalho e encontram dificuldade para reter bons profissionais dessa geração em suas equipes.
'Workaholic' não é elogio
Aos 21 anos, Iane Naira faz faculdade de relações internacionais e vive longe da família para estudar. Morando com amigos em uma cidade maior, ela tem que 'se virar' para conseguir dinheiro no fim do mês. Para isso, a jovem trabalha na equipe de gerenciamento de uma empresa musical.
Diferentemente da caricatura preguiçosa e díficil de lidar que muitos criaram sobre profissionais da geração Z, a estudante conta que sempre foi responsável e focada com o trabalho, até começar a perceber os exageros.
"Eu focava só no trabalho e às vezes esquecia de ter autocuidado. Isso não me leva a lugar algum, porque eventualmente eu estou tão cansada para trabalhar que minha produção acaba diminuindo. Hoje, não vejo mais o trabalho como o foco da minha vida, é apenas a minha maneira de ganhar dinheiro para viver", diz.
O pensamento de Iane é o mesmo de boa parte da geração dela. Os 'gen-Z' não só tendem a se distanciar da ideia de que um bom profissional é aquele que "veste a camisa" da empresa, como se preocupam mais com questões de saúde mental.
Segundo Frederico Torres, sócio-sênior do Grupo Hub, consultoria de RH, esse tipo de postura causa estranhamento nos millennials (ou geração Y, nascidos entre 1981 e 1996), porque eles foram ensinados a usar a palavra workaholic (viciado em trabalho, em tradução livre) como elogio.
"A geração Y está na terapia hoje porque é aquele workaholic que se orgulhava de falar isso, sofrer para um caramba, e chegar em casa tarde para virar a noite trabalhando, sem vida social. A geração Z olha para esses líderes e os vê em depressão, com burnout. Eles não querem ser esses caras", destaca Frederico.
Quem compartiha do mesmo pensamento é a profissional de Recursos Humanos Luciana Azevedo. Para ela, esses novos profissionais aprenderam com os erros da geração anterior a não dizerem 'sim' para tudo e a não colocarem o bem estar abaixo da empresa.
"A geração Z pode ser considerada a mais disruptiva do mercado de trabalho. São pessoas que vivenciaram os traumas das gerações passadas e decidiram agir de forma diferente, frente à realidade do mundo, seja profissional ou socialmente. Esse público não aceita mais ser enganado, ludibriado nem explorado. Suas motivações pessoais, muitas vezes, são mais importantes para eles", argumenta.
A preocupação dos 'gen-Z' é comprovada em pesquisa. Dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANMT) e da International Stress Management Association (ISMA), divulgados em 2023, mostram que cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a síndrome de burnout, o esgotamento físico e mental provocado pelo excesso de trabalho. Mundialmente, o Brasil é o segundo país com mais casos, atrás apenas do Japão, que lidera com um índice de 70%.
Para Luciana, os profissionais da geração Z apenas exigem o "mínimo" e querem ter qualidade de vida. "Aspectos práticos como 'só quero ganhar dinheiro' se tornaram comuns, porque eles têm outras prioridades pessoais, como viajar e se divertir, por exemplo", cita.
"Hoje em dia, raramente há o mínimo, né? E aí fica como se a gente fosse mal costumado, que exigimos muito, como se não soubéssemos lidar com a 'vida adulta'. Não somos preguiçosos. Só levamos a sério a frase 'se o salário é mínimo, o esforço é mínimo'", opina Iane.
É impossível que uma empresa se conecte com os gen-Z?
Se a expressão 'vestir a camisa' virou besteira aos ouvidos da geração Z, como mantê-los alinhados à cultura empresarial? Segundo Frederico Torres, é difícil encontrar um profissional dessa faixa etária que tenha o sonho de trabalhar em grandes empresas ou que deposite a esperança em uma equipe.
"Eles têm uma visão muito mais empreendedora e flexível, enquanto os millennials têm uma uma abordagem mais tradicional, de permanecer mais tempo no trabalho, de planejar uma carreira numa empresa. Hoje em dia, a geração Z não sonha em trabalhar em um lugar específico; sonha em empreender, querem ser influência, querem montar uma startup, ter um unicórnio", comenta.
O termo "unicórnio" é usado para uma startup que consegue atingir a valorização de US$ 1 bilhão de dólares sem possuir capital aberto na Bolsa de Valores.
Uma das estratégias para conseguir inserir esse tipo de profissional na cultura da empresa é investir na comunicação empática, conforme aponta Frederico.
"É preciso ter mais cuidado com a forma como você como você cobra, a maneira como você expõe. Eu vim de uma geração em que as reuniões matinais tinham o nome de quem não performou exposto na frente de todo mundo. Isso não existe mais", exemplifica.
Para o sócio do grupo Hub, um ponto importante para conseguir inserir uma pessoa da geração Z em uma cultura organizacional é o regime híbrido de trabalho.
"São pessoas que não querem ir para o escritório, que querem trabalhar de casa, ter flexibilidade e dá para gerir dessa forma. Ao mesmo tempo, é muito importante ter pelo menos um dia no escritório. É muito difícil você implantar uma cultura organizacional se as pessoas estão distantes, só no digital", argumenta. Para ele, o happy hour e as conversas informais que o presencial oferece são o ponto-chave para essa inserção.
Para Luciana, falta às empresas flexibilidade para atrair os jovens profissionais. "Com a geração Z, não existe um passo a passo definido e estruturado. As pessoas querem flexibilidade em todos sentidos e as empresas não conseguem fazer isso sem ferir sua cultura já padronizada", aponta.
"O grande desafio se refere ao fato de que as empresas não gostam de se sentirem desconfortáveis, nem pressionadas a mudar e consideram isso uma espécie de afronta. Na minha opinião, falta maturidade corporativa para lidar com a geração Z, jogo de cintura, flexibilidade e equilíbrio mental. Tudo é considerado um desafio, revolta, desobediência, mas na verdade é só diferente", destaca Luciana.
Como uma 'gen-Z', Iane admite que, para ela, é mais fácil lidar com colegas de trabalho de sua própria geração em relação aos demais, e isso a ajuda a se sentir à vontade no ambiente corporativo.
"Um recorte entre 1995 e 2002 é especificamente o que mais me identifico para trabalhar, porque acho que as pautas são bem parecidas. De 2003 para frente, por exemplo eu não me identifico mais tanto", pondera.
Mesmo a geração Z sendo considerada a dos nascidos até 2012, é comum esse "estranhamento" entre eles mesmos. Luciana destaca que, mais que uma diferenciação etária, o grupo dos 'gen-Z' é formado por pessoas com afinidades comportamentais.
"As pessoas podem ter e praticar características de uma determinada geração, mesmo sendo de outra, pois entendo que está mais ligado a comportamento do que qualquer coisa", ressalta.
É possível reter os gen-Z em uma empresa?
Se eles são mais flexíveis e têm dificuldade em 'criar raízes' em uma empresa, manter bons profissionais da geração Z nas equipes é um desafio e tanto. Para Luciana, usar a palavra "reter" é só mostrar justamente o que esses profissionais não querem para a vida e carreira deles.
"Ninguém quer se sentir pressionado a estar e permanecer em lugar algum. Se as pessoas permanecerão na empresa, será pelas suas próprias motivações. Atrair e reter talentos de forma bem-sucedida só será possível se as empresas conhecerem de verdade o público-alvo, adaptando as práticas de recrutamento e seleção para atenderem a nova geração de trabalhadores", enfatiza.
Na perspectiva de Frederico, algumas das adaptações que podem ser feitas para manter o engajamento da geração são na autonomia e no plano de carreira. "As empresas precisam conseguir mostrar para essa geração que eles podem ser empreendedores dentro da própria organização trazendo novas ideias", inicia.
"Também precisam dar abertura para que eles possam errar. O principal ponto do medo de empreender é o medo de errar. Quando, numa organização, você permite que as pessoas inovem sem temer o risco de dar errado, isso faz com que ele se desafiem e não queiram sair para fazer isso lá fora", pontua.
Para Frederico, ao permitir que os funcionários apostem em novas ideias e tentem fazer seus projetos darem certo, as empresas criam a sensação de "pertencimento" necessária para que a geração Z não tenha esse ímpeto de 'pular' de corporação em corporação.
"É primordial que eles sintam que fazem parte da tomada de decisão, que fazem parte daquele ecossistema. A partir do momento que você traz esse sentimento para eles, dificilmente a pessoa sai", salienta.