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Por que o kitesurfe virou moda entre executivos brasileiros e como muda o litoral do Ceará

Sensação de adrenalina e liberdade promovida pelo esporte marítimo atrai profissionais com poder aquisitivo; Ceará é principal ponto no país e recebe investimentos em hotéis e casas de luxo

27 mar 2024 - 09h40
(atualizado às 10h37)
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Na costa do Nordeste, o kitesurfe se tornou um fenômeno entre executivos brasileiros. O esporte praticado no mar combina habilidade e aventura com o suporte individual de uma prancha, uma barra e um "kite" - também conhecido como pipa ou papagaio.

Os riscos e a adrenalina dos saltos no ar têm despertado o interesse de grandes gestores do universo corporativo para o hobby, que vai além da mera dedicação. Torna-se um investimento significativo, tanto de tempo quanto de dinheiro. Também movimenta a economia: hotéis e condomínios de luxo estão previstos na praia do Preá, ao lado de Jericoacoara (CE).

Dez horas de aula de kitesurfe custam em torno de R$ 3.500 e o valor de um kit novo completo para a prática do esporte pode chegar a R$ 30 mil. No Ceará, empresários investem centenas de milhões de reais em empreendimentos centrados na modalidade.

Para o seleto grupo que pode pagar pela experiência, o kitesurfe não é apenas uma paixão pessoal, mas uma oportunidade única de estabelecer conexões e fechar negócios em um ambiente propício para networking. Entre eles, a percepção é unânime: o kitesurfe é o novo golfe.

Leia a seguir histórias de empresários e executivos entusiastas do kitesurfe e dos negócios que ele envolve.

Marco Dalpozzo, sócio-fundador do Grupo E e ex-diretor da Unilever

Marco Dalpozzo, sócio-fundador do Grupo E, focado em kitesurfe no Ceará, atribui a ascensão do esporte entre os executivos brasileiros às oportunidades de aprendizado que ele proporciona ao mundo dos negócios.

O italiano radicado no Brasil destaca a capacidade do kitesurfe em preparar os executivos para lidar com a incerteza, o invisível e o imprevisto, elementos cada vez mais presentes em um mundo em constante transformação.

"O kitesurfe tem muitos aprendizados que se complementam com a atividade de um executivo: planejamento, definição de metas, lidar com o aqui e o agora", diz.

A história de Dalpozzo no Brasil começou em 1993, quando assumiu a direção da Unilever em São Paulo. Na época, apaixonado pelo windsurfe (esporte no qual o atleta veleja no mar movido por uma vela presa à prancha), ele trouxe na bagagem o desejo de encontrar o lugar com mais ventos no mundo.

"Em 1995, encontrei esse lugar junto com a minha esposa e dois amigos: Jericoacoara, no Ceará", diz.

Encantados, decidiram comprar um terreno no local no fim de 1999, dando origem à 'Vila Kalango', uma pousada inicialmente voltada para os praticantes de windsurf.

O kitesurfe surgiu pouco depois, e os sócios apostaram na modalidade em 2005, quando construíram uma segunda pousada na Praia do Preá, o 'Rancho do Peixe', direcionada aos seus praticantes.

Explorando a extensão do que Dalpozzo apelidou de "terra do vento", que se estende da costa do Rio Grande no Norte até o Pará, o Grupo E lançou o 'Surfin Sem Fim', projeto que promove "kitetrips". São trajetos de até 40 km percorridos apenas com a estrutura do kitesurfe e o empurrão dos ventos que circulam pela área durante o ano todo.

"Nos deslocamos pelo mar sem usar um pingo de gasolina", garante o empresário.

O grupo E, de Dalpozzo, reúne várias marcas, todas centradas na prática do kitesurfe - desde hospedagem em lugares onde o esporte é famoso à organização e formação de grupos e trajetos planejados no mar com kitesurfe.

O grupo faturou R$ 30 milhões em 2023 e tem 180 funcionários. "O nosso negócio é o vento e o mar", resume Dalpozzo.

Julio Capua, fundador do Grupo Carnaúba e conselheiro da XP

No escritório de Tallis Gomes, presidente da startup de educação de negócios G4 Educação, em São Paulo, um quadro que exibe uma fotografia dele saltando de kitesurfe no mar chama a atenção. O fundador e ex-CEO da Singu e da Easy Taxi conquistou, em setembro de 2023, a quinta posição na categoria "Adventure" masculino da 3ª edição do XP Sertões Kitesurf, considerado o maior rally de kitesurfe do mundo, percorrendo um trecho de 280 km no litoral cearense.

Com seus sócios, Alfredo Soares e Bruno Nardon, Gomes participa da competição anualmente. "No dia a dia, ficamos enfiados em pautas de trabalho e não temos tempo para pensar no futuro da empresa, o que se espera de nós. Durante uma semana, vivemos juntos uma vida de atletas, velejando até 500 km pela costa do Nordeste. É uma oportunidade de troca muito grande. O kitesurfe é mais do que um hobby, nós levamos a sério", conta.

A paixão pela modalidade despertou em meados de 2020, quando, por recomendação de um amigo, o empresário mineiro dedicou uma semana ao treinamento de kitesurfe, seis horas por dia no Preá. Atualmente, ele planeja todas as viagens pensando no esporte: "Só vou se tiver vento", enfatiza.

Gomes acredita que a prática isolada do kitesurfe o ajuda a tomar decisões mais assertivas para a empresa dele. Em contraste com a abordagem tradicional de busca incessante por dados para embasar decisões, ele destaca como os executivos contemporâneos estão imersos em um mar de informações. A necessidade de desconectar-se é crucial para ele.

"Ficar ao telefone me sufoca, esqueço de refletir sobre a vida, sobre o trabalho. No kitesurfe, fico até 3 horas desconectado. Na vida normal, não tem a menor chance de isso acontecer", destaca. Durante essas horas, Gomes reflete sobre os seus dilemas pessoais e questões do trabalho.

"A quantidade de insights que eu tenho nesses momentos é incrível. Quando volto para casa, abro o WhatsApp e despacho várias mensagens. Com meus sócios, nas voltas dos downwinds (trajetos longos percorridos com kitesurfe a favor do vento), é quando acontecem as nossas melhores reuniões, é um troca muito rica", declara.

Fernando Menezes, CEO da rede Selfit Academias

"Acabou virando um vício", define Roberto Rittes, ex-CEO da Nextel e conselheiro da Unifique, ao falar sobre a sua paixão pelo kitesurfe.

Praticante do esporte desde 2012, o empresário tinha o hábito de viajar ao menos oito fins de semana por ano ao Nordeste para se dedicar à prática. Desde que se desligou da presidência da Nextel, consegue fazer viagens mais longas e passa de 20 a 30 dias seguidos velejando.

Assim como os outros executivos, Rittes aposta na modalidade downwind, percorrendo trajetos mais extensos no mar. No início, foi a adrenalina dos saltos que o conquistou; hoje, prefere a tranquilidade das travessias.

"É muito difícil para um executivo desligar a chave, esvaziar a cabeça e se jogar 100% em outra coisa fora do trabalho. Mas a prática do kitesurfe consegue te afastar completamente das questões do dia a dia: você foca naquele momento", avalia.

Segundo Rittes, o esporte também é propício para networking, pois tem o poder de colocar todos os praticantes em sintonia parecida. "Não existe disputa, no kitesurfe, tem muito mais o coletivismo, está todo mundo junto e você divide o espaço do mar."

"É bom para fazer amizades. Quando entra na aula, por exemplo, já precisa de alguém para te ajudar a levantar o kite. Fiz vários amigos no kitesurfe, alguns foram para o lado dos negócios", relata.

Estadão
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