Quer trabalhar no metaverso? Vagas começam a aparecer no Brasil
Demanda por profissionais capacitados para atuar em torno dos espaços virtuais ainda é tímida, mas deve crescer rapidamente e é preciso se preparar
ESPECIAL PARA O 'ESTADÃO' - Muito se fala em metaverso, que ao que tudo indica é para onde deve migrar, mesmo que parcialmente, boa parte das atividades humanas em um futuro não tão distante. Aulas, trabalho, entretenimento, consumo: tudo deve acontecer nesse novo ambiente digital, que mescla realidade virtual e realidade aumentada.
Segundo a consultoria em tecnologia Gartner, a previsão é que, daqui a quatro anos, 25% das pessoas passem ao menos uma hora por dia no metaverso. E as empresas já enxergam essa tendência de forma prática: 30% delas devem criar serviços e produtos digitais nesse ambiente e em espaços virtuais até 2026.
Se o mercado em geral ainda está entendendo quais serão as oportunidades de trabalho e negócios no universo virtual, algumas companhias já lidam com ele e estão em busca de profissionais especializados no assunto. E não apenas pessoas de tecnologia.
Levantamento realizado pela Cortex, empresa de inteligência em vendas B2B, mapeou 1 milhão de vagas abertas entre outubro e novembro de 2022 e encontrou 14 oportunidades em empresas como Accenture, IM Design e Gutenberg Ventures que citavam especificamente o metaverso na descrição.
Além de programador, designer 3D e software tester, há procura por profissionais de áreas como marketing, comunicação, RH, comercial, inovação, treinamento e desenvolvimento, por exemplo, que estejam familiarizados com a linguagem.
Conhecimento tecnológico e adaptabilidade
Segundo Cássia Ban, CEO da escola de programação e robótica SuperGeeks, a primeira necessidade é por mão de obra qualificada para encabeçar a revolução que deve ocorrer, cedo ou tarde. Serão necessários desenvolvedores de games, pessoas com conhecimentos em tecnologias de blockchain e web 3.0, criadores de hardware para realidade aumentada, hardwares para hologramas e, no futuro, lentes de contato com tecnologia de realidade aumentada, entre outros.
Além disso, ela fala que o mercado buscará profissionais que também compreendam a área em que se pretende atuar. "Por exemplo, se o desenvolvedor criar uma aplicação que será utilizada para analisar a pele do corpo humano em busca de câncer de pele, é importante que esse profissional tenha conhecimento nessa área", exemplifica.
Para quem pretende agarrar uma oportunidade no metaverso, a executiva ressalta a importância de aprender a programar e a lidar com tecnologia o quanto antes. "Não importa qual área a pessoa irá escolher, seja engenharia, medicina, direito, todas precisarão de pessoas com conhecimentos em programação e tecnologia", afirma.
"Qualquer pessoa consegue aprender, quando há disciplina. Indiferente de a pessoa ser ou não nativa digital, aprender tecnologia e programação está relacionado à dedicação e vontade", acrescenta.
Cássia lembra que se trata de um setor em constante transformação e evolução, em que o profissional está sempre aprendendo e desbravando novas tecnologias. "São pessoas que precisam aprender a desaprender e reaprender de forma rápida. A adaptabilidade é um diferencial para prosseguir."
Interdisciplinaridade no metaverso
Na startup MedRoom, que desenvolve soluções virtuais para a educação em saúde como o laboratório de anatomia em VR para alunos de medicina, as duas grandes tarefas do time envolvem modelagem e programação, mas há muitas outras coisas que entram na periferia disso, segundo o CEO e co-fundador Vinícius Gusmão.
"Além de game devs e designers 3D, tem (quem faz) a pesquisa com o usuário para conhecer a jornada dele; o designer de espaço, que mescla arquitetura com design de experiência e interface; alguém que tenha preocupação sonora também, para a experiência ter sons tridimensionais, porque aluno não pode ouvir do mesmo jeito se o paciente virtual estiver atrás dele, por exemplo", enumera.
Ele lembra ainda que há uma construção em conjunto e em tempo real do que são essas novas profissões do metaverso.
"Não tem nada de trivial nessa discussão, principalmente envolvendo tecnologia e medicina. Nossos designers, por exemplo, têm de conseguir se comunicar com os médicos porque eles literalmente desenham o que querem e falam o que seria legal, sem se preocupar com nada técnico. Aí, nosso time adapta isso para o conteúdo tecnológico", Gusmão exemplifica.
Segundo ele, esse é inclusive um dos motivos para a equipe da MedRoom contar com profissionais que vieram de outras áreas que não a tecnologia, como um cientista social e uma doutora em fisiologia.
Para o neurocientista, excessos inibem inovação e criatividade
"É comum tentar separar o mundo tecnológico do mundo social, até mesmo como ciências afastadas, mas o universo material da tecnologia é uma manifestação da experiência social e dela se alimenta", acrescenta.
Um exemplo disso está na construção dos pacientes virtuais, que precisam se mostrar o mais humanos possível, do aspecto visual ao contexto social, a fim de gerar empatia, de acordo com o cientista social.
"Quando trabalhamos a criação desses atores virtuais, temos de escolher todos os aspectos pensando em como esse personagem se constrói no mundo virtual, espelhando um possível ser real: as roupas, o tom de voz, o jeito de caminhar e se mover."
Acadêmicos na tecnologia
Apaixonada por educação e pesquisa, Gabriela Maria Lucera, de 29 anos, é a fisiologista que compõe a equipe da MedRoom. Ela conta que passou a ter mais contato com inovação e tecnologia durante o doutorado, no Programa Interinstitucional de Pós-Graduação em Ciências Fisiológicas (associação da UFSCar com a UNESP), quando recebeu um financiamento da startup Brain4care para conduzir seus experimentos.
"Para conseguir comunicar o andamento do projeto com a empresa, comecei a estudar sobre gestão de produto e projeto e percebi que eu tinha a possibilidade de utilizar a minha carreira acadêmica em outras áreas que não fossem apenas ser professora e pesquisadora", diz.
Hoje, gerente de projeto na startup, ela fala que finalmente foi possível unir o conhecimento de fisiologia e anatomia com gestão em produto para impactar e mudar a educação médica. E acredita que seja uma tendência cada vez maior profissionais de áreas diversas se especializarem em tecnologia para unir os dois conhecimentos em trabalhos que envolvam o metaverso.
"Principalmente profissionais acadêmicos, que muitas vezes são pouco utilizados no mercado e possuem um conhecimento amplo e específico para aplicar na sociedade, seja em pesquisa ou na construção de produtos inovadores", afirma.