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Saúde mental: medo de demissão faz profissional trabalhar doente

Presenteísmo é caracterizado pela presença física, mas ausência de foco; abordagem de cuidado vai além de doenças, olha jornada do funcionário e estrutura organizacional

22 jul 2022 - 18h18
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Você começa a trabalhar, está na empresa ou no home office, mas seus pensamentos estão distantes, o foco quase inexiste e o fim do expediente é aguardado com impaciência. Assim pode ser caracterizado o presenteísmo, fenômeno causado por questões como falta de perspectiva na carreira, desvalorização do trabalho e problemas pessoais. Nos últimos anos, a saúde mental debilitada também se destacou como motivo.

"Pacientes com depressão vivem anos com a doença, que tende a ser crônica e recorrente, levando a um custo econômico e social enorme. É a principal doença relacionada ao presenteísmo, em que, mesmo doente, a pessoa continua trabalhando pelo estigma associado à saúde mental", disse o professor titular de psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFMG, Humberto Corrêa, durante evento da Janssen.

O médico afirmou que os custos relacionados ao presenteísmo superam os do absenteísmo, que é quando o funcionário se ausenta do trabalho. A afirmação vem de um estudo publicado por pesquisadores de Londres na revista médica Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, que avaliou a produtividade no trabalho de pessoas com depressão, considerando a extensão e os custos do absenteísmo e do presenteísmo em oito países, incluindo o Brasil.

Por aqui, o resultado mostrou que o custo anual de produtividade associado ao presenteísmo foi três vezes maior que o do absenteísmo, US$ 5.788 ante US$ 1.361, por pessoa. Ao considerar a força de trabalho total e a prevalência anual estimada da doença entre as pessoas ocupadas, o custo brasileiro passa dos US$ 63 bilhões, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, com US$ 84 bilhões.

Mudança de foco

Algumas empresas já perceberam que o caminho é reorganizar suas estruturas para amenizar o problema, afirma o médico psicanalista André Fusco, que trabalha há mais de dez anos com saúde mental nas corporações. Para ele, em vez de focar na doença e no doente, a abordagem tem de estar na organização e nos processos de funcionamento da empresa. "Brinco que não sou médico do trabalhador. Sou médico do trabalho e o desafio é entender como o trabalho está gerando incoerência, constrangimentos e contradições, o que faz com que as pessoas tenham mecanismos de compensação."

Ele explica que quando o foco está na doença e não no contexto, o resultado é o constrangimento, tanto por parte do funcionário - que se vê incapaz de hábitos melhores - quanto do gestor direto - que se sente culpado. Dessa forma, o primeiro tabu em torno do tema é admitir a necessidade de ajuda.

Pesquisa conduzida por Fusco a pedido de uma empresa (que não quer ser identificada) mostra que 90% das pessoas que estavam tomando medicação tarja preta, fazendo terapia ou consultando psiquiatra não apresentaram atestado de transtorno mental ao empregador. Ou seja, para cada funcionário que entrega atestado, há nove em presenteísmo.

Corroborando o medo do estigma, os pesquisadores de Londres mostraram que 65,4% dos brasileiros entrevistados, com diagnóstico prévio, não saíram de licença durante o episódio de depressão; 17,7% ficaram 21 dias ou mais afastados; e 6,6% passaram entre 11 e 15 dias distantes do trabalho. Na amostra total, os funcionários na faixa dos 18 aos 64 anos não contaram sobre a doença porque achavam que o atestado colocaria o emprego em risco, principalmente num cenário econômico ruim. No Brasil, esse porcentual foi de 2,4%.

"Se tem algo positivo que a pandemia nos trouxe é poder falar mais sobre saúde mental. O ambiente de trabalho tem de tratar doença mental da mesma forma que trata diabete ou qualquer outra doença", apontou Corrêa. "Somos integralmente mente e corpo, não existe separação. Temos de, pouco a pouco, tirar esse assunto tabu de debaixo do tapete, e a sociedade como um todo vai poder lidar com doenças e pessoas deprimidas como deve ser, como seres humanos que precisam de ajuda."

Novos conceitos

No banco digital Will Bank, uma pesquisa de clima, engajamento e satisfação dos colaboradores identificou práticas que podiam ser gatilhos de ansiedade no time de atendimento ao cliente. Indisponibilidade do sistema para iniciar o trabalho, métricas que estimulavam uma competitividade não saudável e ausência de um plano de carreira explícito foram alvos de atenção.

Karina Bucceli, gerente de experiência do cliente do Will Bank, conta que mudar métricas de trabalho ajudou a reduzir ansiedade entre colaboradores.
Karina Bucceli, gerente de experiência do cliente do Will Bank, conta que mudar métricas de trabalho ajudou a reduzir ansiedade entre colaboradores.
Foto: Divulgação Will Bank / Estadão

Com a pandemia, a saúde mental ficou mais evidente e, conversando com supervisores, a empresa viu relatos de absenteísmo. A junção desses fatores moveu a fintech a buscar a consultoria de Fusco. Após novas análises, um plano de ação foi implementado com resultados positivos.

"Agora, não falamos de produtividade, mas de performance coletiva", diz a gerente de experiência do cliente do Will Bank, Karina Bucceli. "Continuamos fazendo a avaliação de qualidade pessoa a pessoa, mas o retorno é individual, de como ela pode melhorar como profissional. Quando falamos de indicadores de performance coletiva, é um grupo de agentes que tem um objetivo de entrega, não mais metas."

Essa experiência fez a equipe se aproximar mais da cultura jovem e colaborativa da empresa, permitiu que as pessoas se apoiassem e diminuiu a ansiedade por resultados. Já a questão da carreira foi trabalhada com um mapa visual. "Agora, eles sabem em que posição estão, como e para onde podem ir." De 2019 para cá, a executiva conta que o resultado do diagnóstico de clima evoluiu 55% e a taxa de absenteísmo reduziu 7,5%. "Percebemos mais colaboração entre os times, de buscar em conjunto alcançar o objetivo do grupo."

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Apoio na jornada

Outro cenário em que o presenteísmo pode ocorrer é no retorno do profissional que ficou afastado do trabalho. "Se a pessoa já adoeceu ali, vai ter indisposição maior e uma busca por culpados. E quanto maior o tempo de afastamento, mais difícil é a volta", avalia Fusco. Segundo ele, o fenômeno pode ser mais comum nesses casos, pois há receio da demissão após o afastamento. "A empresa não considera a dificuldade e delicadeza desse retorno. A volta precisa ser gradativa e respeitosa."

"O problema da saúde mental hoje no trabalho é a forma como nosso trabalho está organizado", diz o médico, citando os modelos de produção baseados nas linhas de montagem de Henry Ford e Frederick Taylor, com alta produtividade e pouca atenção ao ser humano. Por isso, o olhar dele está voltado para os métodos de avaliação, metas, plano de carreira, modos de seleção e relação com clientes. Ele também faz um trabalho para desmistificar doenças mentais e apoiar no acolhimento de quem adoece.

"Percebo a noção de valor que o ambiente gera, se tem espaço para desenvolvimento pessoal, aprendizado, evolução. São vários aspectos psíquicos importantes e vejo onde a empresa está 'atrapalhando'. Trago as grandes dores e, junto com a empresa, desenvolvemos soluções", explica.

Estadão
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