Trabalhar no Canadá: brasileiros enfrentam desafios com visto, mas garantem que mudança vale a pena
Eles enfrentam desafios com a mudança, mas relatam qualidade de vida superior; especialistas explicam como conseguir emprego no país
Desde a adolescência, após um intercâmbio, João Guilherme Moura, 40, sabia que não queria continuar no Brasil. Nascido em Taubaté (SP), ele trabalha atualmente com gestão de dados e sistemas em Calgary, na província de Alberta, no Canadá, onde vive desde 2015. "Aqui é minha casa, sem dúvida", afirma.
A mesma certeza é compartilhada por Katy Castro, 39, analista de dados. Carioca, ela morou quase a vida inteira em João Pessoa (PB) e passou oito anos planejando realizar o sonho de morar fora. Em 2023, finalmente se mudou para Montreal, e garante: "valeu muito a pena".
Embora tenham chegado à mesma conclusão, os caminhos dos dois foram bem diferentes. Enquanto Katy conseguiu um emprego antes de sair do Brasil, Moura imigrou "na cara e na coragem", como ele diz, e só encontrou trabalho depois da chegada no Canadá.
Esses são dois dos principais caminhos de entrada no país: ser contratado por uma empresa canadense ainda no Brasil e obter um visto de trabalho temporário, ou conseguir o visto de residência permanente, que dá o direito de trabalhar no país.
Marilene Quintana, cofundadora e consultora da e-Visa Immigration, especializada em imigração canadense, ressalta que "não existe uma solução única para todos". A área de atuação e a província de destino influenciam bastante nos processos de imigração.
Como se preparar para imigrar a trabalho ao Canadá?
Daniel Braun, especialista em imigração canadense e fundador da Meegra, plataforma que oferece consultoria em imigração, orienta que a pessoa interessada em sair do país elabore um plano de imigração.
Segundo Braun, há mais de 60 programas de imigração disponíveis no Canadá. Diversos fatores, como a formação acadêmica, podem ajudar a definir o programa mais adequado para cada pessoa.
No Brasil, agências de consultoria de imigração regulamentadas pelo governo canadense podem auxiliar na escolha do caminho adequado. O governo do Canadá também oferece um questionário que ajuda a identificar quais programas são possíveis de aplicar.
O paulista João Moura chegou ao Canadá em 2015, inicialmente em Vancouver. Ele chegou ao país com seu marido, que imigrou como estudante, garantindo a Moura um visto aberto de trabalho (o que permite que ele trabalhe em qualquer lugar do Canadá enquanto o parceiro estiver estudando).
"Guardamos dinheiro para essa mudança desde 2013. Vendemos tudo no Brasil. Tínhamos um imóvel e um carro, que vendemos, o que nos permitiu começar de forma mais segura.", conta.
O processo, desde a solicitação do visto até a mudança, levou seis meses. Após a chegada, ele continuou prestando consultoria para uma empresa no Brasil por seis meses, enquanto buscava emprego no Canadá.
Já a carioca Katy Castro participou, ainda no Brasil, da feira de empregos online Québec en tête. Formada em matemática, ela se candidatou a três vagas compatíveis com seu perfil, e, em abril de 2022, foi aprovada em uma delas. A empresa então pediu os documentos que foram enviados a uma terceirizada responsável pelo visto de trabalho.
Após receber a resposta do governo, Katy comprou as passagens e se mudou para o Canadá com o marido e a filha de 10 anos em abril de 2023, um ano depois.
Katy começou a economizar pouco mais de um ano antes da mudança, enquanto trabalhava como cientista de dados no Itaú. "Depois que passei na vaga, comecei a acumular milhas e juntar dinheiro para as passagens. Viemos com o essencial para comprar o básico ao chegar e alugar um apartamento por alguns meses até eu começar a trabalhar."
Visto de trabalho é um desafio
Apesar da tranquilidade de chegar ao país empregada, Katy Castro relata preocupações relacionadas ao visto de trabalho patrocinado pelo empregador. "Como vim com o visto fechado, enquanto não me tornar residente permanente, só posso trabalhar na vaga para a qual fui selecionada; tenho que permanecer no mesmo cargo, na mesma empresa e na mesma cidade."
Ela passou por um período de experiência de nove meses na companhia canadense que patrocinou a sua ida e temia que, caso fosse demitida, tivesse que recomeçar do zero longe de casa. "Eu precisaria iniciar um novo processo para conseguir outra empresa, semelhante ao que fiz para vir, mas estando aqui. O visto fechado de trabalho causa angústia", considera.
No caso de João Moura, ele e o ex-marido chegaram "na cara e na coragem": sem emprego e sem conhecer ninguém. Ele afirma que a situação foi desafiadora, pois a maioria das vagas que encontrou durante a busca por trabalho exigia um período de experiência de pelo menos seis meses em uma empresa canadense, "pois querem entender se você segue os valores corporativos do país".
"A menos que você já chegue ao Canadá com um emprego, isso pode ser um obstáculo inicial. Muitas vezes, aceitar um trabalho temporário será importante para abrir portas para futuras oportunidades", explica.
Moura, que é gestor de base de dados e sistemas, teve a "sorte", como ele mesmo diz, de conseguir um emprego na sua área em três a quatro meses, sendo inicialmente contratado por uma pequena empresa de consultoria em Vancouver.
Mercado de trabalho canadense
O mercado de trabalho no Canadá traz algumas diferenças marcantes em relação ao Brasil, especialmente no que diz respeito à cultura corporativa e ao equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Braun ressalta o quanto os canadenses valorizam a qualidade de vida: "No Brasil, o profissional costuma ficar horas a mais, fazer mais do que o estabelecido em contrato. Já no Canadá, eles valorizam muito o que está no contrato e respeitam o horário de trabalho."
Além disso, o ambiente de trabalho tende a ser mais formal, sem a proximidade física comum no Brasil. "As pessoas não se tocam, não chegam se abraçando. São diferenças culturais", aponta o especialista em imigração.
Katy Castro, que se considera uma pessoa sociável, sente essa diferença de forma mais intensa. "Para mim, o mais difícil é que eu gosto de estar entre amigos, e aqui é complicado fazer amizades no trabalho. No Brasil, conheci meus melhores amigos no ambiente de trabalho."
Ainda assim, ela percebe aspectos positivos na cultura canadense, como a confiança nas relações de trabalho: "Aqui, as empresas confiam em você. Ninguém precisa bater ponto, por exemplo".
João Moura, por sua vez, destaca a ética no trabalho como um dos grandes diferenciais no Canadá. "A integridade tem muito valor aqui. Claro, existem exceções, mas a maioria das empresas e pessoas seguem esse princípio." Ele também percebe uma diferença significativa na valorização da formação acadêmica.
Morando há nove anos no país, o gestor de banco de dados também notou diferenças no ritmo de trabalho entre as cidades canadenses. "Vancouver é uma cidade mais tranquila, enquanto Calgary tem um ritmo mais intenso. Já Toronto é bem centrada no trabalho", conclui.
Como são os salários e a vida no Canadá?
Tanto Katy Castro quanto João Moura viram a sua qualidade de vida melhorar no Canadá. Questionados, ambos foram enfáticos ao responder que não pretendem voltar a morar no Brasil. Um fator é determinante para a sensação de satisfação: o salário e, especialmente, o que se pode fazer com ele - o chamado poder de compra.
Segundo Daniel Braun, especialista em imigração canadense, o poder de compra no Canadá é cerca de 5 vezes maior do que no Brasil, quando comparado o mesmo salário em cada moeda.
- A remuneração média no Canadá gira em torno de 5,3 mil dólares canadenses, o que equivale a mais de R$ 21 mil.
No caso de João Moura, seu salário inicial em Vancouver já era superior ao que ele recebia no Brasil, ao fazer a conversão. Em 2015, o dólar canadense valia pouco mais de R$ 2. Atualmente, como gerente, ele ganha 25% a mais do que ganharia ocupando a mesma função no Brasil.
"Mesmo no começo, a situação já era melhor do que no Brasil, especialmente considerando que o custo de vida aqui é menor", observa. Como residente permanente, ele se mudou para Calgary em 2022, uma cidade mais acessível financeiramente, e desde 2019 trabalha de forma remota.
Por telefone, ele contou à reportagem que viria ao Brasil visitar a família, mas que, na verdade, nem sente mais vontade de visitar o País. "Aqui é minha casa, não tenho dúvidas. Eu me sinto canadense porque realmente sou. Hoje me sinto livre. posso andar na rua sem medo, não preciso olhar pra trás, não me preocupo com a roupa que estou vestindo, nada."
Katy Castro compartilha uma percepção semelhante. "Sem converter, eu ganhava mais em real do que ganho aqui em dólar, mas minha vida aqui é muito mais acessível."
Custo de vida é alto, mas poder de compra compensa
Embora considere o aluguel caro (ela não revelou o valor), a carioca conseguiu mobiliar seu apartamento em três meses. No Brasil, teria levado um ano, acredita. Além disso, a educação da sua filha de 10 anos é totalmente gratuita, com exceção de uma pequena taxa anual de material escolar, o que, segundo ela, é incomparável ao custo de uma escola particular no Brasil.
Katy também cita a violência "monstruosamente menor" no Canadá, o que impacta diretamente no seu custo de vida. Ela costumava gastar mais de R$ 500 por mês em corridas de carro por aplicativo no Brasil, por medo de andar sozinha na rua. No Canadá, em um ano e meio, só usou o serviço duas vezes.
Outro ponto positivo para ela são as oportunidades linguísticas: sua filha aprendeu francês e inglês estudando no Quebec, e seu marido estuda francês gratuitamente, recebendo uma ajuda financeira de cerca de 200 dólares canadenses do governo.
Katy já iniciou o processo de solicitação de residência permanente, para permanecer no país mesmo após o término de seu contrato de dois anos na empresa onde trabalha.