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"Como se vivesse o inacreditável": ex-panfleteira realiza sonho de ensinar para crianças

Autodidata em inglês, AnaLu dá aulas em uma escola bilíngue e, assim como foi com ela, transforma a vida de outras pessoas com a educação

24 jul 2023 - 05h00
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Ana Luiza Damasceno Maciel trabalha com crianças de 3 a 4 anos
Ana Luiza Damasceno Maciel trabalha com crianças de 3 a 4 anos
Foto: Arquivo Pessoal

Ana Luiza Damasceno Maciel, também conhecida pelos mais próximos como AnaLu, tinha 17 anos quando andava diariamente pelas ruas paulistanas entregando panfletos. No final do dia, ela ganhava R$ 10, dinheiro que juntava para ajudar nas contas de casa no fim do mês e tentar um dia se tornar professora. Hoje com 34 anos, casada e mãe de um menino, ela não só realizou o seu sonho, como também trabalha em uma escola bilíngue e transforma a vida de outras pessoas através da educação.

Nascida em São Paulo, AnaLu passou por muitas adversidades durante a infância. Filha de mãe solo, ela foi abandonada pelo pai quando tinha apenas 3 anos de idade. 

Devido às dificuldades financeiras, ela e a mãe passaram por várias mudanças: moraram na Bahia, depois voltaram para a capital paulista e viveram em bairros como Interlagos, Itaim Paulista, Osasco e Tucuruvi. Por um período, elas chegaram, inclusive, a morar de favor com outros familiares.

"Minha mãe trabalhava mais de 12 horas para sustentar a casa, pagar o aluguel", lembra AnaLu.

Desde criança, ela sempre teve muito interesse pelos estudos. AnaLu estudou em escolas públicas a vida toda e, como sua mãe não tinha condições de pagar cursos, procurava participar de projetos sociais. 

"Eu estudava em uma escola de periferia. Tinha muito tráfico na porta, perdi colegas. Eu poderia ter ido por caminhos diferentes, mas eu sempre estava em busca de um projetinho. Se a Prefeitura lançava um curso de graça, eu estava lá. Eu era viciada em biblioteca também, porque eu não tinha livros, não tinha recursos para comprar, para fazer o que eu sonhava", conta.

Autodidata em inglês

AnaLu é autodidata em inglês. Desde adolescente, por volta dos seus 12 anos, ela percebeu o quanto gostava da língua inglesa e tinha facilidade para aprender o idioma sozinha. 

Conforme conta ao Terra, elal aprendeu o segundo idioma ouvindo Spice Girls e Backstreet Boys.

"Eu escutava as músicas e tinha muita facilidade de pronúncia e de entender o que eles estavam falando. Eu pegava fita cassete e CDs e gravava as músicas da rádio para, depois, escutar de novo e tentar entender e escrever a letra. Nessa época, eu morava na casa das minhas primas e uma delas fazia curso de inglês e me dava as apostilas para estudar", lembra.

Sozinha, AnaLu conseguiu chegar ao nível intermediário do idioma. Somente depois de casada, ela fez um semestre de curso de inglês para saber o nível em que estava e conquistar o avançado. 

A paixão pelo inglês foi um dos fatores que fizeram Ana Luiza escolher cursar Letras na faculdade. Como não tinha condições de pagar o ensino superior, ela entrou no Programa Escola da Família e o Estado pagou a sua primeira faculdade, de forma integral.

"Eu não tinha grana. Durante a semana, eu trabalhava como panfleteira, ganhava R$ 10 por dia e juntava o dinheiro para minha mãe pagar a energia da casa. À noite, eu ia para a faculdade e de sábado e domingo, das 8h às 17h, trabalhava na Escola da Família. Ficava na brinquedoteca, fazia recreação. Foi assim que eu me formei. Foi bem difícil, com muita luta", relembra.

Ana Luiza Damasceno Maciel, também conhecida como AnaLu
Ana Luiza Damasceno Maciel, também conhecida como AnaLu
Foto: Arquivo Pessoal

Trabalho em ONG na Brasilândia

Após se formar em Letras, AnaLu trabalhou em uma unidade da ONG Obras Sociais de Vista Alegre, no bairro Brasilândia, na Zona Norte de São Paulo. Lá, ela devolveu à comunidade todo o conhecimento que conquistou, lecionando para adolescentes da região e jovens que cumpriam medida socioeducativa. 

Na ONG, Ana Luiza deu aulas de prevenção às drogas, cidadania e de orientação profissional, como simulados para entrevistas. Ela comenta que foi um lugar que aprendeu muito como ser humano e educadora.

"Era um lugar muito sofrido. Muitas vezes, os meninos não iam porque não tinham comida em casa, a gente ia visitar para entregar a cesta básica. Muitos estavam lá também só pela comida. Era um lugar que a gente mostrava uma luz no fim do túnel, era um ambiente onde eles precisavam muito de nós. Em frente, tinha muito tráfico, os meninos eram chamados. A gente tentava alimentar o sonho deles de trabalhar, por exemplo. Cadastrava em sites de emprego, dava dinheiro para irem fazer a entrevista".

Emocionada, AnaLu relata que, na ONG, ela se identificava com a história dos estudantes, e, olhando para trás, consegue ver o quanto impactou a vida deles. 

"Fico muito orgulhosa de tudo o que fiz. Minha história de vida também era exemplo para eles. Eu era bolsista, não tinha dinheiro para pagar uma faculdade e eu mostrava o quanto era difícil. Muitos deles se espelhavam. Muitos a gente perdeu, mas, para a grande maioria, a gente conseguiu dar uma ponta de esperança para eles terem um futuro diferente", acrescenta.

Na sala de aula

Durante o período que atuou na ONG, AnaLu já sabia que queria trabalhar com crianças e cursou pedagogia online. Depois que essa unidade na Brasilândia fechou, ela trabalhou vendendo artesanatos e laços para cabelo, até conseguir um emprego em uma escola bilíngue de São Paulo, onde atuou como assistente de sala por dois anos, em 2019 e 2020.

Um ano depois, ela conseguiu realizar o seu grande sonho de trabalhar lecionando para crianças e ainda aliou isso ao inglês. Desde 2021, ela trabalha na Camino School como class teacher.   

Na instituição de ensino, AnaLu é professora de sala e trabalha com crianças de 3 e 4 anos. Suas aulas são todas em inglês, com aprendizagem ativa e pedagogia do afeto. Durante todo o período de aula, ela conversa em inglês com os alunos, outros professores e os familiares.  

"Isso é viver um sonho. Às vezes, eu não acredito que eu consegui. Estou em um lugar que eu gosto, construindo uma escola, construindo a educação. É mais do que gratificante. Alegro-me todos os dias. Hoje tenho minha casa própria também", afirma.

Atualmente, o filho de 8 anos de AnaLu estuda na mesma escola. Além do trabalho, ela continua investindo nos estudos e faz pós-graduação em bilinguismo. Seu próximo sonho é realizar um intercâmbio.

"É como se eu vivesse o inacreditável. Se volto no passado, quem eu era jamais teria essa perspectiva. Hoje, eu posso proporcionar esses estudos para o meu filho. A educação transformou minha vida, minha realidade e a vida que meu filho vai ter. Por mais que seja difícil, não podemos desacreditar, porque a educação transforma", diz AnaLu.

Fonte: Redação Terra
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