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Corte de verbas ameaça pesquisas da covid em federais

Instituições como a UFRJ e a Unifesp afirmam que dinheiro só é suficiente até julho; na Bahia, reitor diz que falta de auxílio deixa alunos até 'passando fome'

12 mai 2021 - 10h10
(atualizado às 10h38)
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O corte de R$ 1 bilhão e o bloqueio de verbas para as universidades federais podem atrasar o retorno presencial de alunos aos câmpus, além de ameaçar pesquisas e ações de enfrentamento à covid-19. Pelo País, bolsas de auxílio a estudantes de baixa renda já estão sendo cortadas e as instituições falam em interromper até o atendimento de pacientes da covid-19 em hospitais universitários.

Funcionária de laboratório na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde testes com a vacina da Oxford/AstraZeneca contra o coronavírus estão sendo conduzidos. 24/6/2020. REUTERS/Amanda Perobelli
Funcionária de laboratório na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde testes com a vacina da Oxford/AstraZeneca contra o coronavírus estão sendo conduzidos. 24/6/2020. REUTERS/Amanda Perobelli
Foto: Reuters

Em abril, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o Orçamento de 2021, com redução de R$ 1 bilhão para as 69 universidades federais, 18% a menos na comparação com o que receberam no ano passado em verbas discricionárias - aquelas usadas para pagar contas como as de luz e manutenção. Além disso, houve bloqueio de 13,8% das verbas, o que faz com que as universidades tenham hoje 4,3 bilhões, metade do que tinham cinco anos atrás. Desde o início da gestão em 2019, o governo mantém relação turbulenta com as universidades, que vão de acusações de "balbúrdia" a medidas contra manifestações de professores.

"É um contrassenso, estamos estupefatos", disse ao Estadão a reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Pires de Carvalho, sobre os cortes. Na maior federal do País, que tem até pesquisas próprias para desenvolver uma vacina contra a covid-19, a verba para pagar contas básicas este ano é de R$ 258 milhões, a mesma de 2008, quando a universidade tinha pouca mais da metade do número atual de alunos.

Na pandemia, as federais adotaram ensino remoto para aulas teóricas e mantiveram atividades presenciais ligadas à pesquisa e a cursos de Saúde. Com o novo corte e bloqueio de recursos, as instituições calculam conseguir manter ações que têm realizado só até julho. Na UFRJ, atividades como a testagem da população e até mesmo o atendimento a pacientes com a covid no hospital universitário podem ser interrompidas, segundo a reitora, caso os cortes não sejam revertidos.

"Vamos ficar com funcionamento básico e, infelizmente, talvez tenhamos de fechar leitos nos hospitais, especificamente de atendimento à covid. Haverá atraso no desenvolvimento de vacinas e os testes moleculares talvez tenham de ser interrompidos, caso o orçamento não seja recomposto", afirma Denise.

Embora a contratação de profissionais para atender pacientes com a covid esteja a cargo do Ministério da Saúde, o hospital universitário da UFRJ depende de contratos de limpeza, luz, insumos e medicação - custeados com a verba cortada. Já o desenvolvimento da vacina anticovid ocorre em laboratórios da universidade - a pesquisa em si é paga por outros órgãos, mas a manutenção e limpeza desses espaços depende da verba proveniente do MEC.

Hoje, mais de 7 mil estudantes precisam fazer aulas presenciais para terminar seus cursos e a UFRJ preparava um retorno ao câmpus. Segundo Denise, porém, os cortes inviabilizam a limpeza das salas de aula e a testagem de alunos e professores, necessárias para a volta. "Não haverá retorno presencial possível em 2021 por escolha do governo, não da universidade. Nós queremos voltar", afirma a reitora.

A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que teve redução de 20,6% nos recursos para pagar despesas como contas de água e luz, também afirma só conseguir manter atividades até julho - e no modelo remoto. "Se houver obrigatoriedade do retorno presencial, o valor não seria suficiente sequer para as adaptações mínimas necessárias para atendimento dos protocolos sanitários", informou a Pró-Reitoria de Administração da Unifesp. Com a redução de verbas, a universidade voltou a ter valores compatíveis com os de 2009, quando não tinha nem metade dos alunos e estruturas físicas, como prédios, laboratórios e salas de aula, que tem hoje. "O risco de paralisação total é real", afirma a Unifesp.

"Estamos preparados para um retorno híbrido das atividades tão logo os números (da pandemia) abaixem. Temos um plano de biossegurança, estamos preparados para o plano de retorno gradual, seguro, a começar pelas unidades que demandam aulas práticas", diz o reitor da Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Marcelo Fonseca. "Todavia, se o dinheiro não for desbloqueado, a universidade não tem condições de retornar para o ensino presencial."

Atividades de pesquisa ligadas à covid na instituição não sofrem impacto direto da redução orçamentária porque são custeadas por outros órgãos ou pastas, mas, segundo Fonseca, o orçamento bloqueado causa dificuldades. Mesmo com recurso para pagar pesquisadores, um laboratório para desenvolver vacina ou tratamento contra o coronavírus pode ter de deixar os cientistas no escuro porque não foi possível pagar a conta de energia. "Se o laboratório não é limpo, a pesquisa acaba sendo afetada."

Segundo Edward Madureira, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o retorno presencial ao câmpus impõe a necessidade de mais investimentos, mas o cenário é de redução. "A maioria das universidades dispensou terceirizados de limpeza, segurança e tem aquelas com aviso da empresa de energia de que vai cortar se não pagar", diz ele, reitor da Federal de Goiás (UFG). A Andifes tenta reverter no Congresso o contingenciamento dos recursos e conseguir suplementação de verbas para as federais.

'Estudantes estão passando fome', diz reitor

A redução de verbas para assistência estudantil também preocupa, em um cenário de crise econômica e mais alunos em situação de vulnerabilidade. Segundo estudo da Andifes, 26,6% dos alunos de graduação têm renda de até meio salário mínimo. Na UFG, o valor das bolsas teve de ser reduzido para evitar deixar estudantes sem qualquer auxílio - o mesmo ocorreu na Federal da Bahia (UFBA). "Você não imagina a dor que é receber mensagens dos estudantes, dizendo que estão passando fome, sem conseguir comer", disse o reitor da UFBA, João Carlos Salles. O risco é de aumento da evasão de alunos.

A Federal de Minas Gerais (UFMG), que faz seu primeiro movimento de retomada de atividades presenciais na semana que vem, afirma que a situação é "insustentável". E há preocupação com os 8,5 mil alunos apoiados por ações de inclusão e manutenção.

Já na Federal do Pernambuco (UFPE), o reitor, Alfredo Gomes, afirmou em evento online que pode não conseguir mais pagar o "auxílio covid", de R$ 274 a alunos de baixa renda a partir de junho. A UFederal de Juiz de Fora (UFJF) reduziu o valor de bolsas de monitoria e extinguiu 869 auxílios. Em Alagoas, a Ufal teve se suspender o pagamento de bolsas de extensão.

Procurado, o MEC informou que "não tem medido esforços nas tentativas de recomposição e/ou mitigação das reduções orçamentárias" e que promove ações com o Ministério da Economia "para que as dotações sejam desbloqueadas e o orçamento seja disponibilizado em sua totalidade para a pasta".

O MEC destaca que não houve redução no orçamento das unidades por parte da pasta. "O que ocorreu foi o bloqueio de dotações orçamentárias para atendimento ao decreto (nº 10.686, de 22 de abril de 2021)", afirmou. "Na expectativa de uma evolução do cenário fiscal no segundo semestre, essas dotações poderão ser desbloqueadas e executadas", disse o ministério chefiado por Milton Ribeiro, que tem feito tentantivas de aproximação com as universidades, com visitas aos câmpus e divulgação de ações relacionadas às federais.

Comissão da Câmara dos Deputados voltada a analisar o trabalho do MEC apontou omissão da pasta no apoio a aulas remotas e à volta das atividades presenciais desde o início da crise sanitária no Brasil.

Estadão
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