Covid fará desigualdade aumentar na educação, diz estudo da FGV
Números apontam ainda que os estudantes brasileiros tiveram menos horas/aula do que estabelece a Lei de Diretrizes Básicas da Educação
RIO - Um estudo divulgado nesta terça-feira, 20, pela FGV Social mostra que as desigualdades educacionais no País devem se acentuar por causa da pandemia de covid-19. Entre os motivos, estão as dificuldades encontradas pelos estudantes para acompanhar as aulas remotas, que afetaram principalmente alunos de baixa renda.
Os números apontam ainda que os estudantes brasileiros tiveram menos horas/aula do que estabelece a Lei de Diretrizes Básicas da Educação (LDBE). "A desigualdade educacional, que caía havia pelo menos 40 anos, vai aumentar agora na pandemia", afirma Marcelo Neri ao Estadão.
O pesquisador se baseia nos números apresentados no estudo 'O Tempo para a Escola na Pandemia'. O trabalho foi elaborado por ele com Manuel Camillo Osorio, a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Covid do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de julho e agosto.
O levantamento mostra que em todas as classes sociais a quantidade de horas/aula ficou abaixo do que prevê a lei - e muito disso por falhas do sistema educacional. A LDB estabelece jornada diária mínima de quatro horas, cinco dias da semana. Mas a jornada de estudos ficou, em média, em 2,37 horas na faixa etária de 6 a 15 anos, e em 2,34 entre os alunos de 16 e 17 anos.
"A falta de atividades escolares pelos estudantes é mais relacionada à inexistência de oferta por parte das redes escolares do que a problemas de demanda dos próprios alunos", ressalta Neri. "Enquanto 13,5% dos estudantes de 6 a 15 anos não receberam materiais dos gestores educacionais e professores, apenas 2,88% não utilizaram os materiais que receberam por alguma razão pessoal."
Há diferenças enormes entre as regiões do País, mas mesmo os melhores exemplos apresentam números ruins. "A análise territorial para o grupo de 6 a 15 anos mostra que o Acre é a última colocada entre as Unidades da Federação, com menos da metade do tempo para escola do líder Distrito Federal (1,29 e 2,96, respectivamente). Nossos resultados mostram que, para além desta desigualdade amazônica, os melhores colocados entre os Estados e capitais também não tiveram um tempo para escola superior à jornada escolar mínima proposta pela LDBE", frisa Marcelo Neri.
Dificuldade de acesso. Os pesquisadores também destacam problemas envolvendo a conectividade no País. Estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2018 apontavam que cerca de 16% dos alunos do Ensino Fundamental (4,35 milhões) e 10% dos alunos do Ensino Médio (780 mil) não tinham acesso à internet. Quase todos eram da rede pública, e isso tem reflexo direto no ensino remoto.
"No Brasil, embora os Estados tenham adotado alguma plataforma digital via internet para oferecer atividades escolares durante o período de isolamento social, somente onze mobilizaram também a televisão, o que ilustra as poucas ações implementadas para superar a barreira do acesso desigual à internet no País", ressaltam os pesquisadores em um trecho do relatório.
"O fato de que o Ministério da Educação (MEC) até agora só gastou R$ 479 milhões no combate à pandemia, enquanto o Ministério da Saúde, por exemplo, gastou R$ 34,3 bilhões e o Ministério da Economia gastou R$ 168,5 bilhões, já revela que a educação não foi vista como uma área prioritária pelo Governo Federal neste momento", avaliam.
O levantamento da FGV Social mostra ainda que os alunos das famílias mais pobres do Brasil (renda per capita de até R$ 245) foram os que menos frequentaram a escola, menos receberam atividades e os que menos dedicaram horas às atividades de aula. No sentido oposto, os que integram famílias de classes A e B foram os que mais aproveitaram.