Da escola pública para as eleições: conheça o projeto de estudantes que checam informações em combate a fake news
Observatório criado dentro da sala de aula virou referência na rede estadual de Sergipe, e agora vai atuar com desinformação eleitoral
Em uma aula de redação na escola estadual Centro da Excelência Atheneu Sergipense, em Aracaju, o professor Ronney Marcos mostrava à sua turma slides sobre o aumento de autorizações de agrotóxicos no Brasil. Enquanto passava números relacionados a diversos governos, um aluno levantou a mão e questionou: 'Esse dado aí tá certo?'.
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Ronney, tendo sido perguntado sobre isso pela primeira vez, apontou para a parte da apresentação em que eram citadas as fontes, que teve cuidado de pesquisar e detalhar no material, e informou: "Tá aqui a fonte". Mas o aluno continuou: "Posso tirar foto? Vou pesquisar com algumas pessoas mais próximas pra ver se isso é verdadeiro".
Foi essa situação, em 2022, que acendeu o alerta de Ronney com relação à desinformação. Quem seriam essas "pessoas mais próximas" com quem esse aluno iria conversar? Em que espaço ele iria fazer essas perguntas? Nisso, em conversas pelo colégio, ele descobriu que o aluno em questão fazia parte de bolhas de desinformação nas redes sociais, principalmente no X, antigo Twitter. Ele se preocupou.
Encarando o caso como uma missão pessoal, o professor, então, criou um perfil no Twitter e acompanhou de perto em grupos de pessoas que desinformavam, propagavam discursos de ódio e, também, se mantinham muito próximos do público jovem.
"A gente tem que fazer alguma coisa. Se eles estão organizados, a gente tem que se organizar muito mais para combater isso, né?", observou, em entrevista ao Terra.
A partir disso, Ronney se uniu ao professor Yuri, de sociologia, para passar a incluir discussões sobre fake news, desinformação e cultura de ódio nas aulas para os estudantes do ensino médio. Disso, surgiu o 'Observa! Observatório de Fake News Atheneu Sergipense'.
A escola em questão é de ensino em tempo integral, com aulas das 7h às 17h30. E, mesmo assim, Ronney utilizou seu tempo livre para se aprofundar no assunto e fazer um curso da EducaMídia, projeto que forma professores como multiplicadores de educação midiática do Brasil. Aos poucos, ele foi repassando as reflexões aos alunos e capacitando-os.
Para além da escola
Divididos em grupos, os alunos monitoraram as principais redes sociais em busca de mentiras e desinformação. Tudo foi tabelado e, depois, discutido em sala de aula. O choque dos alunos com a quantidade de mentiras que circulam sobre os mais variados assuntos -- e como, em grande parte das vezes, um 'Google' já resolveria as fake news -- os motivou a se aprofundarem cada vez mais nas discussões.
O impacto foi tão positivo que não demorou para o projeto se expandir. Ronney e seus alunos chegaram, até mesmo, a ir em três outras escolas da rede estadual apresentar o projeto, como multiplicadores da causa. Jovens protagonistas também receberam capacitações, para passar os conhecimentos para suas turmas.
A iniciativa, que segue sendo implementada nas novas turmas de Ensino Médio da escola, também tem elucidado os objetivos de muitos estudantes com relação ao futuro. É o caso de Junior, o Paixão, como é conhecido. Ele tem 21 anos e se formou no Centro da Excelência Atheneu Sergipense ano passado. Agora, é estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Sergipe.
À reportagem, ele contou que gosta muito da linha investigativa e que a experiência com o observatório o ajudou com a escolha do curso. Além disso, ele destaca que o ambiente imersivo proporcionado pela escola o fez entender o que é a política, na prática.
"Vou confessar pra você que no meu segundo ano do ensino médio eu tinha uma mente um pouco fechada. Pra mim, política que era política velha, de partido, sabe? Mas fui entender realmente o que era política, que eu fazia política, na prática, por brigar por um ônibus, por brigar por uma rua calçada, de reclamar porque meu tênis tá cheio de lama…", contou Junior Paixão.
Nessa ponte entre a informação e a política, o Observatório de Fake News foi chamado para participar de um projeto de combate à desinformação eleitoral junto à Mangue Jornalismo, iniciativa que é fruto do Centro de Estudos em Jornalismo e Cultura Cirigype.
"Apreciamos iniciativas que tragam adolescentes para o jornalismo de maneira democrática, e não há forma mais democrática do que introduzir a educação midiática nas escolas públicas, tendo professores como os orientadores nesse processo", avalia Ana Paula Rocha, repórter e gestora de projetos na Mangue Jornalismo.
No projeto, os alunos receberão treinamentos e atuarão em diversas etapas do processo de checagem e divulgação. Tudo, como explicou Ronney, dentro do horário escolar.
Orgulho de professor
Ronney começou o Observa! de maneira despretensiosa, mas, agora, sonha cada vez mais alto. Em julho, por exemplo, ele foi um dos professores de todo o Brasil selecionados pelo Google para participar de um evento de inovação na educação.
"Estou com um projeto já engatilhado de capacitação, de formação para outros colegas e professores que passam pelo mesmo problema [de desinformação no ambiente escolar]. Que a gente possa criar um ambiente colaborativo na nossa rede de ensino. Começando, talvez, pela capital, depois expandindo pelos interiores, depois indo pra rede municipal, e talvez, quem sabe, também as escolas particulares", almeja Ronney.
Questionado se imaginava que o projeto de combate a fake news chegaria tão longe, Ronney respondeu que, para ele, o papel do educador é de transformar o espaço, de plantar sementinhas e causar impacto social.
"A gente está aqui para servir. Eu acho que esse é o papel do servidor público, é servir. E quando você está na educação, é servir muito mais ainda. Então, eu fico muito feliz com tudo o que aconteceu, o que está acontecendo. Mas eu sempre falo que isso não teria acontecido se não fossem eles. A gente está ali só observando e orgulhosos, assim, de olho brilhando", diz ele emocionado.
Para Ronney, o segredo está em dar espaço aos alunos.
"Se a gente acreditar nessa garotada, eles vão longe. Enquanto a gente ficar podando, cerceando... 'Ah, não faz isso; não vai dar certo; isso é demais', eles não vão, né? Eles precisam ser estimulados. Tem que dar espaço para eles falarem. Eles têm muita coisa para falar, muita energia para gastar", acrescenta.