Das ruas à faculdade: ex-sem-teto supera adversidades e sonha em trabalhar com surdo-cegos
Tiago está próximo de conseguir diploma em Letras e Libras, e tem o desejo de virar professor após ter a vida transformada pela educação
Viver nas ruas é encarar, todos os dias, a invisibilidade e a falta de esperança. Para Tiago Silva Barros, de 36 anos, foram 11 anos perdidos nas drogas e sem um lar. A saída que ele encontrou foi através da educação e do amor pela leitura, e hoje ele é graduando em Letras e Língua de Sinais Brasileira-Português como Segunda Língua (LSB-PSL) pela Universidade de Brasília (Unb). Ele sonha em ajudar o próximo, especificamente, atuar na educação de surdocegos.
Foi aos 18 anos de idade que Tiago quebrou o vínculo com a família devido ao vício em drogas, e acabou indo para as ruas. Até os 29 anos, foram idas e vindas entre a reabilitação e o uso de entorpecentes, vivendo sem um lar, até que houve uma virada de chave.
"Eu perdi meu pai bem cedo e bem novo, eu tinha apenas sete anos. Minha mãe é semi-analfabeta, e isso fez uma diferença enorme na minha criação. Na época eu vivia em uma das cidades mais violentas do País, com bastante criminalidade, e isso me influenciou a entrar nas drogas a partir dos 14 anos. Quando cheguei aos 18 anos eu já estava completamente afundado e fui parar nas ruas", relata o estudante.
A situação permaneceu igual por 11 anos. "Tentei me internar por cinco vezes e não conseguia, até que a educação me alcançou e me libertou disso", relembra.
"Não tinha nem o ensino fundamental"
Tiago conta que sempre gostou muito de ler, e, apesar de não ter dinheiro para comprar livros enquanto morava na rua, ele ia às bancas de jornal e observava as revistas e jornais. Com o tempo, ele buscou ajuda em um Centro Pop da cidade, um Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua. O local é mantido pela administração do DF e possui atendimento de assistentes sociais. Foi lá que ele recebeu estímulo para ir atrás dos estudos.
"O José Vicente, que é servidor de lá, sempre me influenciou para buscar o ensino. Eu passei 14 anos sem estudar, e com 29 anos retornei. Não tinha nem o ensino fundamental, fiz o EJA [Educação de Jovens e Adultos] e foi muito rápido. Logo após eu me matriculei em um Instituto Federal, e eu não sabia fazer a matrícula, porque não sabia manusear um computador na época, e pedi ajuda a uma servidora que me ajudou a me inscrever", lembra.
Foi assim que Tiago entrou para o ensino médio integrado a um curso técnico em administração. Logo no primeiro semestre, foram abertas as inscrições para o Encceja, exame que permite a diplomação de estudantes com ensino médio. Tiago se inscreveu e passou. Mesmo assim, quis continuar no ensino técnico, devido à qualidade do ensino.
"Logo após conseguir o Encceja, eu prestei o vestibular para a UnB e passei. Era para eu ter desistido do ensino técnico, mas no ano de 2019 todinho eu fiz os dois cursos. Passava o dia na UnB e à noite fazia o técnico", relata. Hoje, Tiago já está perto da formatura na graduação da UnB, e já é formado no ensino técnico.
Sustento com assistência estudantil
Atualmente, Tiago Barros recebe assistência estudantil da UnB, programa que visa ampliar as condições de acesso e permanência dos jovens em situação de vulnerabilidade social. Na UnB, a assistência estudantil é promovida e executada pela Diretoria de Desenvolvimento Social (DAC/DDS). O benefício é concedido apenas depois da realização de uma avaliação socioeconômica do estudante.
É com a assistência que Tiago sustenta a esposa e os dois filhos. Ele ainda diz que depois que sua vida tomou um novo rumo, retomou o contato com a mãe.
"Quando você está em situação de rua, você não está inserido em nenhuma classe social. Você é invisível para a sociedade. A educação me trouxe uma nova perspectiva de vida, eu pude ver outros horizontes, pude ver que é possível ainda ter sonhos e ainda construir minha educação", conta.
Um novo horizonte
Tiago é bolsista do projeto de extensão Afro Vai nas Escolas, em que vai até escolas públicas para estimular estudantes de periferias a irem atrás do estudo, como aconteceu com ele mesmo. Os participantes dessa iniciativas tentam mostrar aos jovens que também é possível eles entrarem na universidade.
"Os livros são o melhor remédio para tudo. Para qualquer problema que você tiver, procure um livro adequado, vá ler, que ele vai te trazer muitas coisas boas", aconselha.
Apesar de estar envolvido com o projeto voltado aos alunos, é com os surdocegos que Tiago deseja trabalhar. O objetivo dele é se tornar professor, e, por isso, ele se prepara para concluir a graduação e emendar um mestrado.
"Eu fui fazer um curso de Letras e Libras, eu não sabia nada de Libras. No primeiro semestre eu fui ser tutor de um surdocego. Ele me ensinou bastante e até hoje eu faço tutoria. Com a pandemia, ele desistiu, isso me deixou um pouco triste. Quando voltei, conheci outra surdo-cega, com quem eu faço tutoria, e ela me motiva todos os dias a vir aqui na universidade estudar e ter um futuro melhor, para mim e para ela", explica.
"Meu sonho é ser professor, mas tenho também meu sonho de continuar na carreira acadêmica com um mestrado. Estou trabalhando muito no meu TCC [trabalho de conclusão de curso], nessa área de surdocegueira. É uma área que me chamou a atenção, abriu meus olhos para ver a vida de outra forma", acrescenta.
Com a certeza de que teve a vida transformada pela educação, Tiago agora quer ser um vetor para também mudar a vida de outras pessoas. Dessa vez, ensinando. "Só a educação nos dá um novo horizonte", reforça.