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Do plágio à falsificação, controle de fraudes acadêmicas tem lacunas nas universidades

Falta de instrução e exigência de produtividade podem motivar infrações; debate veio à tona com polêmica de Decotelli

4 jul 2020 - 18h02
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SÃO PAULO - O plágio é a mais comum e antiga fraude acadêmica. Vem dos tempos da Roma e Grécia antigas, quando já se tinha noções básicas de propriedade sobre obras intelectuais. De lá para cá, o direito autoral e os tipos de transgressões deram nova cara às condutas antiéticas no meio acadêmico, que podem ser mais comuns do que se tem notícia. Embora universidades prezem pela integridade científica e tenham mecanismos de controle, o Brasil ainda tem lacunas para identificar esses problemas.

A discussão sobre isso ficou mais evidente nos últimos dias com a polêmica que envolve Carlos Alberto Decotelli. Nomeado ministro da Educação pelo presidente Jair Bolsonaro, ele pediu demissão após ter seu histórico acadêmico e profissional questionados, com suspeita de fraude na dissertação de mestrado e de registro de doutorado não concluído no currículo.

Mas o que não é amplamente noticiado fica restrito aos comitês de ética das instituições de ensino ou nem chega a ser desvendado. Isso faz pesquisadores do tema acreditarem que há casos de subnotificação.

"Quando a comunidade científica era pequena, tinha um autocontrole informal, que era eficiente. Acho que sempre teve fraude, mas o nível era mantido num patamar razoável. Hoje, tem uma comunidade científica de massa. Uma pessoa não consegue acompanhar tudo o que está na sua área, então você tem facilidade maior para ter fraudes não percebidas, não identificadas", afirma Luiz Henrique Lopes dos Santos, coordenador adjunto da diretoria científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Outro indicador de que pode haver casos não notificados é a grande quantidade de trabalhos acadêmicos produzidos a cada ano, somada à ausência de busca proativa por essas má condutas. Munir Skaf, pró-reitor de Pesquisa da Universidade de Campinas (Unicamp), explica que a instituição não possui um comitê que avalia as publicações, que chegam a 4,7 mil artigos por ano encaminhados a entidades internacionais. "Quem avalia é o próprio sistema internacional e (as fraudes) até são mais comuns do que desejaria. Quando aparecem casos de fraudes ou má conduta, isso provoca um desgaste enorme na carreira e também para a instituição."

Na Universidade de São Paulo (USP), cerca de 3 mil teses e 4 mil dissertações são defendidas a cada ano. Do total, três ou quatro são confirmadas com alguma fraude e o autor, que já foi nomeado doutor ou mestre, tem o título cancelado. Mas o processo de avaliação da má conduta só é feito a partir de denúncia. "Não tem como analisarmos ou manter grupo de pesquisadores analisando 7 mil trabalhos por ano. Teria de ter equipe formada por professores, não pessoas leigas", justifica Carlos Gilberto Carlotti Junior, pró-reitor de Pós-graduação da USP. "Confiamos que a banca e o orientador tenham feito esse serviço."

Já na Universidade Estadual Paulista (Unesp), o sistema é semelhante: um caso é apreciado pela Comissão de Ética da instituição só quando há denúncia de inconsistência nos trabalhos acadêmicos, explica Rosa Maria Feiteiro Cavalari, presidente do órgão interno. Antes de chegar nesse patamar, as queixas podem passar pela ouvidoria geral ou pró-reitorias de pesquisa. "A comissão discute não só casos específicos à pesquisa, mas questões amplas relativas a docentes, relações, publicação. Nossa preocupação é muito mais educativa."

Em nota, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) informou que possui um "rigoroso Código de Ética e Conduta e utiliza, já há 10 anos, as mais eficientes ferramentas anti-plágio, conforme a matéria abordada". Sobre a acusação de plágio na dissertação de mestrado de Decotelli, de 2008, a universidade prometeu apurar o caso.

Quanto aos cursos de educação continuada, da qual a instituição afirma que Decotelli foi professor, a FGV disse que "não é obrigatório, pelas diretrizes acadêmicas oficiais, que o corpo docente tenha mestrado ou doutorado, pelo que tais formações não têm que ser obrigatoriamente apresentadas pelos professores". Segundo a fundação, desde março de 2020, cerca de 950 professores em educação continuada atuavam na FGV, entre os quais o indicado ao Ministério da Educação.

Brasil tem regras pouco evidentes, diz especialista

Marilia Mendes Ferreira é professora livre-docente do Departamento de Letras Modernas da USP, trabalha com escrita acadêmica e, desde 2012, pesquisa plágio na educação. Mestre e doutora em Linguística Aplicada, tem experiência com boas e más condutas acadêmicas no Brasil e no exterior. "Lá fora, você tem mais orientação para que as pessoas não cometam isso, as regras do jogo são mais claras."

Ela cita, por exemplo, que é mandatório para qualquer ingressante em universidade internacional um curso de escrita acadêmica, independentemente da área em que vai atuar. A preparação pode durar mais de um semestre. Carlotti Junior, da USP, diz que todo aluno que ingressa na pós-graduação da instituição faz curso introdutório de três aulas sobre definições de plágio e autoplágio (quando o autor "recicla" os próprios trabalhos anteriores). Como complemento, diz, a instituição tem manuais de boas práticas dentro da pesquisa que fica disponível para professores e alunos.

Em uma de suas pesquisas, Marilia comparou o tratamento dado ao plágio pelas universidades de Harvard, Stanford, ambas dos Estados Unidos, USP e Unicamp. Ao analisar o site das instituições, notou que as internacionais deixam regras mais evidentes e há setores que ajudam os professores a lidarem com a questão.

"Nos EUA e Europa, a maior consequência que alguém pode sofrer é banimento acadêmico", diz François Ramos, professor da Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac), em Minas, que analisou fraude acadêmica no mestrado e doutorado. "A pessoa não é digna mais de habitar o ambiente acadêmico e terá de começar tudo de novo, em outra área", afirma.

"As punições são mais rigorosas e os códigos, de forma geral, são mais rigorosos." No Brasil, ele diz haver uma cultura de justificar as fraudes como incorreção curricular ou desajuste de informação.

Estadão
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