Do sertão para a Europa, estudante baiana é aprovada para doutorado no Reino Unido
Gabriela Costa comemorou a conquista nas redes sociais e contou ao Terra sobre as expectativas para etapa, onde deve estudar imigração
Movida pelo sonho de estudar na Inglaterra, Gabriela Almeida Costa, uma jovem baiana de Salvador, foi aprovada em um doutorado na Anglia Ruskin University, na Inglaterra. Aluna prodígio desde os tempos de escola, ela tem uma trajetória marcada por desafios, mas sempre movida pela paixão por conhecimento.
Receba as principais notícias direto no WhatsApp! Inscreva-se no canal do Terra
Nas redes sociais, a jovem comemorou a aprovação mostrando o e-mail de aprovação na universidade, e o post teve uma grande repercussão, com quase 80 mil curtidas, mais de 850 comentários e cerca de mil republicações no X, antigo Twitter.
Filha de pais sem educação formal, que migraram do sertão da Bahia para Salvador em busca de oportunidades, Gabriela cresceu em um ambiente onde a educação era vista como a chave para transformar vidas. Desde cedo, seus pais enfatizaram a importância dos estudos, incentivando tanto ela quanto o irmão a buscar educação de qualidade. Essa determinação resultou em Gabriela estudando em uma escola particular com bolsa na infância e, posteriormente, cursando o ensino médio no Instituto Federal da Bahia (IFBA).
O talento acadêmico de Gabriela foi comprovado quando ela tirou a nota máxima na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), destacando-se entre milhões de candidatos. Isso abriu as portas para que ela cursasse Geografia na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
"Eu tinha vontade de estudar fora, porque eu aprendi inglês e tinha curiosidade. A ideia de estudar na Inglaterra veio por uma série de motivos: eu já tinha uma amiga que é brasileira e inglesa, que cresceu junto comigo, e, além disso, o meu autor favorito é britânico. Aí eu decidi fazer minha pesquisa de mestrado em geografia literária, baseada no livro dele, que é 'Os Pilares da Terra', de Ken Follett", conta
Logo, ela começou a tentar entrar em instituições de ensino britânicas.
"Comecei a aplicar para lá, tentei em outros países também. Foi difícil, como tudo é para uma estudante de escola pública. Eu consegui bolsa, mas não era suficiente para cobrir tudo, então, fiz vaquinha, apareci em vários veículos de comunicação, e foi na época da pandemia, em 2020, então conseguir dinheiro para custear isso foi muito difícil, mas eu consegui arrecadar R$ 40 mil, e me mudei para lá. E aí começou toda a minha saga morando fora", relembra.
Estudos fora do Brasil
Durante esse período estudando fora do Brasil, Gabriela sentiu na pele as dificuldades enfrentadas por imigrantes, como a xenofobia e a precariedade das redes de apoio. O desejo de entender e ajudar a resolver os desafios enfrentados por imigrantes a levou a mudar os rumos de sua estadia em Bristol, na Inglaterra, onde sua paixão pela temática se intensificou.
"Eu tinha me formado como geógrafa e nunca consegui um emprego na área. Realmente é um pouco difícil mesmo, mas é mais difícil ainda quando você é imigrante. Eu trabalhava como recrutadora, e via muitos imigrantes passando por dificuldades, sofrendo xenofobia, e aí eu perdi meu emprego também por questão de xenofobia, e foi muito difícil para mim", desabafa.
Foi a partir dessa experiência que a jovem conversou com outros imigrantes e percebeu que muitas pessoas já haviam passado pela mesma situação. Então, ela decidiu estudar isso em seu doutorado, para tentar construir políticas públicas que diminuíssem essa desigualdade.
Durante o tempo que ficou desempregada na Inglaterra, foi seu namorado britânico, Christopher, quem lhe ofereceu suporte. Essa rede de apoio foi crucial para que Gabriela pudesse seguir seus objetivos.
Doutorado
Agora, Gabriela se prepara para retornar à Inglaterra como doutoranda na Anglia Ruskin University, no leste do país, onde vai se aprofundar nas questões de migração e colonialismo. Apesar de não poder revelar detalhes específicos sobre sua pesquisa, devido a questões técnicas, ela enfatiza que seu trabalho busca abordar as desigualdades geradas pelo colonialismo e ajudar a construir políticas públicas que protejam os direitos dos imigrantes.
A situação atual do Reino Unido, marcada por protestos contra imigrantes e clima de tensão política, é motivo de preocupação para Gabriela. Como especialista e imigrante, ela entende as raízes históricas desse problema e, ao mesmo tempo, sente-se otimista com as manifestações de apoio que têm surgido em defesa dos imigrantes.
"O meu foco é justamente evitar que coisas como as que estão acontecendo agora no Reino Unido continuem acontecendo, para que a gente consiga desfazer, ou pelo menos diminuir, as consequências do colonialismo nos países que foram colonizados tanto pelo Reino Unido quanto pelos demais países europeus, que são as causas desse tipo de violência que a gente sofre, não só durante esses protestos, mas também no dia a dia, em vários setores da sociedade", pontua.
Apoio da família
Para a estudante, sua história é uma continuidade da saga familiar de migração. Assim como seus pais deixaram o sertão para construir uma vida em Salvador, ela vê sua mudança para a Inglaterra como um novo capítulo dessa narrativa de busca por melhores oportunidades.
"Eu lembro quando eu fui visitar meus avós, e levei uma foto da minha formatura do mestrado, porque no Reino Unido a gente tem formatura de mestrado e doutorado, e a minha avó, mãe da minha mãe, chorou muito quando viu a foto da neta dela, mestra. Ela ficou tão emocionada! Foi muito bom, é um sentimento bom de ver que eu cheguei lá, eu tô chegando lá e eu tô trazendo essa representatividade para minha família, que veio lá do sertão, que cortava palha de sisal para botar no motor e sobreviver. Isso é muito bacana", conta, emocionada.
Atualmente, Gabriela está no Brasil, aguardando a emissão de seu visto para retornar à Inglaterra e iniciar seu doutorado. Seus pais, que antes se surpreendiam com cada nova etapa acadêmica, agora já encaram suas conquistas com naturalidade.
"Eles têm bastante orgulho, mas hoje em dia, eu falei para eles: 'Ah, passei no doutorado', e eles ficaram: 'Ah, beleza', porque não é a primeira vez que eles ouvem alguma coisa assim de mim. Acho que para eles já é só mais alguma etapa", diz.