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'É melhor fazer o que se gosta do que ter de aprender a gostar do que faz'

Segundo a psicóloga Roselene Espírito Santo, especialista em neurociência, teste vocacional moderno é voltado para autoconhecimento e leva em conta os múltiplos talentos que a pessoa pode ter

16 out 2019 - 10h11
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SÃO PAULO - Para muitos especialistas em desenvolvimento profissional, a clássica pergunta "O que você vai ser quando crescer?", que sempre atormentou gerações de estudantes, ganhou uma versão atualizada: "Quais são as múltiplas atividades você vai ser capaz de executar no futuro?".

A dinâmica atual do mercado de trabalho, com perspectivas de grandes transformações por causa dos avanços tecnológicos, faz com que o conceito de carreiras e profissões estáticas seja algo ultrapassado. Por isso, as formas tradicionais de ajudar os estudantes em suas escolhas profissionais, como os testes de orientação profissional, tiveram de se reinventar para permanecerem relevantes.

"O teste vocacional moderno, aplicado na maior parte do mundo, é mais voltado para questões autoconhecimento e leva em conta os múltiplos talentos que a pessoa pode ter", afirma Roselene Espírito Santo, psicóloga especialista em neurociência, psicometria e treino cognitivo.

Entretanto, acrescenta, a essência dos exames permanece a mesma: identificar e valorizar as perspectivas com as quais as pessoas mais se identificam.

"É sempre melhor fazer o que se gosta, o que se tem como talento inato, dom, inclinação natural, do que ter de aprender a gostar do que faz."

Leia a entrevista completa:

Como deve ser um bom teste vocacional?

Na maioria dos casos, quando os jovens são chamados a refletir sobre as dificuldades e possibilidades do mercado de trabalho e a escolher uma profissão, usam meios não muito seguros. Muitos recorrem a mitos e ideologias que até podem ajudar a diminuir a ansiedade, mas não são verdadeiras saídas. O indicado é que a orientação vocacional tenha um trabalho clínico, terapêutico embutido no processo. Quando isso se dá, o ganho de autoconhecimento deixa o indivíduo mais alinhado com a autoimagem, sem distorções. Isso eleva a autoestima, aumenta a segurança e a confiança. Tudo isso é fator de proteção psíquica.

Como os testes vocacionais evoluíram nos últimos anos?

O método antigo do teste vocacional, que identificava se a pessoa tinha talento para Humanas ou Exatas, ficou obsoleto, caiu em descrédito quando foi desenvolvido o conceito dos sete tipos de inteligência: linguística, lógica, motora, espacial, musical interpessoal e intrapessoal. Isso aconteceu ainda nos anos 1990. Atualmente, em uma sociedade cada vez mais globalizada, em que as transformações se operacionalizam cada vez mais rápido, a boa orientação vocacional precisa considerar que os jovens sentem-se pressionados, seja pela própria complexidade do mercado de trabalho, seja pelo avanço da tecnologia que indica novos rumos e caminhos a serem seguidos.

E é sempre necessário levar em consideração que os jovens passam por um período conturbado em relação a aspectos maturacionais e de ordem psicológica, em que as dúvidas emergem provocando confusões e conflitos.

O que o aluno tem de levar em conta ao considerar os resultados de testes vocacionais?

Hoje em dia, a orientação vocacional é resultado de um certo número de movimentos, pesquisas e trabalhos que no início tiveram o objetivo de auxiliar os jovens na escolha de ocupações adequadas. Dessa forma, coletaram-se e organizam-se informações de forma que tais inventários, somados aos testes psicológicos, tornam o processo de orientação vocacional mais complexo e eficiente. O processo como um todo desenvolve o autoconhecimento, fazendo com que o estudante torne-se apto a diferenciar se está sendo orientado ou forçado a uma escolha que não lhe representa.

Há quem diga que a idade de 17 anos (quando se escolhe a profissão aqui no Brasil) é muito prematura. Qual é sua opinião?

Ainda que esse seja um momento de imaturidade, quando o processo é bem conduzido se torna um momento importante até para o amadurecimento desse jovem. Ele vai ter a oportunidade de se conhecer, de saber o que o motiva. E também temos recursos clínicos e técnicas que nos possibilitam lidar com uma adolescência prolongada. Dezessete anos pode ser de fato cedo para alguns, mas para a maioria é uma oportunidade de passar por um processo de descoberta de si.

Existem campos de trabalho para os quais testes vocacionais não funcionam?

Na minha experiência profissional, a orientação vocacional e todo o processo que compõem essa testagem funcionam para qualquer campo de trabalho. Porém, para cumprir sua real finalidade, deve ser operacionalizada de maneira coerente. Ou seja, mais do que informar sobre as carreiras profissionais, a orientação vocacional deve promover o autoconhecimento do indivíduo. Como meio facilitador para a escolha profissional, ela ajuda o indivíduo a formar-se cidadão em seu sentido mais pleno: auxiliá-lo a estruturar uma identidade pessoal, favorece a elaboração de um projeto de vida de forma mais responsável e consciente. Nesse sentido, volto a afirmar, ela funciona para todo e qualquer campo de trabalho, pois auxilia o sujeito em sua descoberta e construção.

Mesmo com os testes vocacionais, pode ser que a pessoa não se identifique com o curso. O que fazer nesses casos?

Estamos lidando com um ser humano. Tudo é possível. Não temos como prever, pois a imprevisibilidade é uma característica humana. Nesses casos, se o processo foi bem conduzido, o ideal é voltar para a análise clínica do indivíduo. Em algum momento, que pode ter escapado do olhar do profissional, ele se perdeu dele. Está no autoengano. Pode estar tentando se encaixar em algo que não o representa para atender demanda externa, de pai, mãe, avós, ou até do próprio mercado. É o momento de refazer alguma etapa do processo ou chamar a família para uma sessão em grupo. Mas, de qualquer forma, esses casos são bem raros.

Estadão
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