Contrato para aplicação do Enem é questionado por procuradoria jurídica
Parecer pede que presidência explique razão de mais um ano de prorrogação do serviço com a mesma empresa
O contrato para aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano está sendo questionado pela Procuradoria-Geral Federal do próprio Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do Ministério da Educação (MEC). Em documento ao qual o Estadão teve acesso, o procurador Rodolfo de Carvalho Cabral pede que a presidência do órgão justifique a razão da prorrogação do contrato por mais 12 meses, o que estenderia o prazo legal de cinco anos.
A empresa que aplica o Enem desde 2017 é um consórcio formado pela Fundação Cesgranrio e a Fundação Getulio Vargas (Cesgranrio-FGV). O custo é de R$ 486 milhões.
Neste ano, que seria o sexto de vigência, o Inep deveria ter refeito o processo licitatório para o serviço. O parecer pede ainda que seja instaurado um "procedimento de apuração de responsabilidade" dentro do órgão sobre a decisão de prorrogar o contrato.
O Inep passa por uma crise desde o ano passado, quando dezenas de servidores deixaram seus cargos em protesto contra a atual chefia do instituto. Eles acusam o presidente Danilo Dupas de assédio e de desconsideração de critérios técnicos nas decisões.
Vários servidores foram transferidos de uma área para outra sem serem ouvidos e alegam perseguição. Outros, afastados, e novos coordenadores sem experiência foram colocados em cargos estratégicos. Desde então, há questionamentos sobre professores escolhidos em edital para montar a prova, logística e segurança do Enem.
No mês passado, o Inep avisou que vai usar questões repetidas na prova deste ano porque tinha acabado o estoque de perguntas, o que levou a mais dúvidas com relação à calibração da nota do exame, que segue uma complexa metodologia. Em 2021, houve ainda diversos atrasos em etapas do cronograma e a presidência ignorou alertas de relatórios de gestão de risco. Este ano, essa empresa não voltou a ser contratada e não há mais gestão de risco do Enem sendo realizada.
No parecer, a procuradoria pede que a "Administração justifique de forma clara e precisa a razão pela qual ocorreram os atrasos no andamento dos processos que resultariam em processo licitatório". Ela se refere a outro documento, ao qual o Estadão também teve acesso, em que a coordenadoria geral de administração do Inep diz que não haveria tempo suficiente para que a empresa atual transferisse conhecimento sobre a aplicação do exame a uma outra eventual ganhadora da licitação.
O texto exemplifica que, em 2017, houve demora de quatro meses para se assinar o contrato, o que, se ocorresse novamente, inviabilizaria o exame. E, ainda, que se o contrato não for prorrogado, haverá "impactos catastróficos no cronograma da realização do Enem 2022". Para o procurador, no entanto, "não se verifica a caracterização de qualquer excepcionalidade, de evento superveniente, grave e imprevisível" para a prorrogação.
A procuradoria do Inep é ocupada por advogados da Advocacia Geral da União (AGU). Sua função é a de fazer assessoramento jurídico ao presidente do órgão e ajudar os dirigentes "no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por elas praticados ou já efetivados", segundo o site do órgão. Conforme o Estadão apurou, o Inep deve seguir com a prorrogação do contrato mesmo com os quetionamentos.
Segundo servidores ouvidos pela reportagem, a demora em se organizar uma nova licitação para este ano se deu por causa da crise institucional e desorganização na gestão no Inep.
Procurado, o Inep não se pronunciou até a publicação desta reportagem. A Cesgranrio afirmou que não poderia comentar sobre o contrato. A FGV também não respondeu. O Enem deste ano está marcado para os dias 13 e 20 de novembro. As inscrições foram encerradas no dia 21.