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Enem faz 15 anos com desconfiança e crédito por democratizar ensino

Em 1998, 157 mil estudantes fizeram o Enem. Quinze anos depois, são mais de 6 milhões de pessoas que buscam novas oportunidades pelo exame

26 mar 2013 - 10h08
(atualizado às 14h17)
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Clara, mãe aos 17 de Pedro (hoje com 4), chegou à universidade por meio de bolsa conquistada com a nota do Enem
Clara, mãe aos 17 de Pedro (hoje com 4), chegou à universidade por meio de bolsa conquistada com a nota do Enem
Foto: Divulgação

Com quase 6,5 milhões de inscritos na última edição, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) completa 15 anos em 2013 cercado de desconfiança, mas também com os créditos de ter ampliado as chances de acesso ao ensino superior. Ao longo dessa década e meia, o exame sofreu mudanças de formato, ampliou o público (na primeira edição, em 1998, os inscritos mal passaram dos 157 mil), foi alvo de críticas e suspeitas, mas também colocou pessoas como a paulista Clara Ribeiro e a gaúcha Jéssica Ribeiro na faculdade.

Aos 21 anos, Jéssica está no primeiro semestre do curso de Nutrição na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Não que antes ela já não tivesse dado o pontapé inicial na vida de universitária. Quando fez o Enem, em 2011, a menina natural de Camaquã, na região metropolitana de Porto Alegre, já cursava o 4º período de Psicologia na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) em Guaíba, para onde viajava todos os dias - uma jornada de 1h15min. O peso das mensalidades, somado à motivação da família, serviu de base para que ela tentasse o ingresso em uma federal por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). "Já tinha desistido de fazer Enem pelos inúmeros problemas. Por ideia dos meus pais, fiz e passei", relata Jéssica.

A aprovação exigiu que ela se transferisse de Camaquã para Pelotas, no sul do Estado. Hoje, ela aluga um apartamento e divide as despesas com uma amiga. A mudança, segundo ela, foi tranquila, e a satisfação de estudar em uma universidade pública deixaram-na mais motivada - e os pais (que ela geralmente visita nos finais de semana), orgulhosos. Mas apesar da oportunidade, ela não deixa de ser crítica ao exame. "É horrível, pois a todo momento sabemos dos erros", opina. Em 2011, ano em que Jéssica se inscreveu no Enem, algumas questões da prova haviam vazado em pré-testes aplicados no Colégio Christus, de Fortaleza (CE).

Antes disso, outros problemas já haviam sido registrados. Em 2009, os cadernos de prova foram furtados e divulgados antes da hora. O calendário do exame foi adiado, o que interferiu na utilização do exame na seleção de universidades. No ano seguinte, provas foram impressas com erros na ordem das questões e com itens repetidos, gabaritos foram divulgados com enganos. Folhas de respostas também tiveram o cabeçalho trocado, prejudicando os candidatos na hora do preenchimento. O exame chegou a ser aplicado novamente para alguns estudantes. A polêmica mais recente envolve as redações. Em 2012, textos com erros de ortografia como "enchergar" e "trousse" obtiveram nota máxima.

Para o doutor em educação na área de políticas públicas e professor colaborador da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Augusto de Medeiros, o fato de o Enem ser aplicado em larga escala contribui para a detecção de falhas. Mas ele destaca que os problemas não tiram o mérito do exame. Criado como uma tentativa de aferir a qualidade no ensino médio (papel que ele não cumpria, na visão de Medeiros), o Enem sofreu mudanças. Passou de 63 para 180 questões, foi estendido para dois dias de prova e foi moldado para servir como porta de ingresso ao ensino superior. Hoje, continua sendo um método inadequado para medir qualidade, mas serve para ranquear os alunos pela nota obtida e distribuí-los por diversas universidades do País que adotaram o exame como processo seletivo.

A credibilidade do Enem, arranhada por diversos acidentes de percurso, ainda deixa instituições como a Universidade de São Paulo (USP) na defensiva. Outras, como a Universidade Federal Fluminense (UFF), a Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) e a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) empregam o exame como método único de seleção, alocando as vagas pelo Sisu. Mas elas são apenas exemplos de uma lista muito maior. Para Medeiros, a adoção do Enem nesse processo é uma tendência. "Com a finalidade de ranquear e colocar [os alunos] em algum curso, ele cumpre bem a função. Parece ser, de fato, uma tendência. Não sei se tem como fugir", aposta. 

Sobre as instituições que ainda não adotaram a prova em substituição ao vestibular, ele entende que é normal que universidades fiquem "com um pé atrás", principalmente aquelas que primam pelo seu processo seletivo. Mas, por outro lado, ele lembra que há o benefício de fazer parte de um sistema que é nacional. Uma alternativa à tendência seria propor outros modelos - não só negar o processo. É o que faz a UnB com seu Programa de Avaliação Seriada (PAS), por meio do qual a universidade acompanha o desenvolvimento dos estudantes em todo o ensino médio e usa essas informações na hora da seleção.

Enem contribui para a democratização do ensino superior

No conjunto de iniciativas do Estado, o Enem se apresenta como um democratizador do ensino superior. "Ele possibilita o acesso de pessoas que, por outros meios, dificilmente teriam condição. Isso é algo muito louvável", opina Medeiros. Essa era a situação vivida por Clara Ribeiro em 2010. Se hoje ela está no 4º semestre de Jornalismo na Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (Fapcom), em São Paulo, é graças ao Enem. Mãe solteira aos 17 anos, ela foi reprovada na 2ª fase da Fuvest em 2008, quando tentava uma vaga para Letras. "Quando descobri a gravidez, fui para a prova meio desmotivada", relembra.

Durante a gestação, ela trabalhava e fazia cursinho pré-vestibular. "Meus pais sempre me incentivaram. Diziam 'aconteceu, mas vai continuar a estudar'", diz Clara. Sem conseguir aprovação em uma instituição pública, sem poder bancar os estudos devido à baixa renda da família e sem tempo para se dedicar à preparação do vestibular, ela encontrou no Enem uma porta de entrada. "Quem tem filho muitas vezes tem que parar de estudar, esperar ele crescer até ganhar independência. Foi por causa do exame que eu consegui entrar na faculdade", afirma Clara, hoje aos 22 anos e mãe de Pedro, 4 anos. Com a nota obtida na prova de 2010, ela conquistou uma bolsa integral no Programa Universidade para Todos (Prouni) no ano seguinte.

Apesar das vidas mudadas e da evolução do exame, Medeiros observa que a contribuição para melhorar o ensino médio no País foi muito pequena. Ele reitera a necessidade de haver um exame que avalie a qualidade das escolas brasileiras, voltando-se para a melhoria do processo - papel que o Enem está muito longe de cumprir. "O ranqueamento não ajuda as instituições de origem dos estudantes a aprimorarem suas práticas", lamenta o especialista.

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