Fraude no Enem: entenda investigação da PF contra estudantes de Medicina
Polícia diz que aluno do Pará teria feito a prova no lugar de outras pessoas nas últimas edições. Investigados negam envolvimento em crimes
Três estudantes do Pará são investigados pela Polícia Federal (PF) por um suposto esquema de fraude no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A operação "Passe Livre", deflagrada na última sexta-feira, 16, no município de Marabá, sudeste do Estado, teve o cumprimento de mandados de busca e apreensão nas casas dos suspeitos, ocasião em que foram apreendidos celulares, provas do exame de 2019 a 2023 e manuscritos. Eles não foram presos.
Segundo a investigação, um dos acusados, André Rodrigues Ataíde, estudante de Medicina de 23 anos, teria feito a prova no lugar de outras duas pessoas, também aprovadas no mesmo curso por meio das notas alcançadas com a suposta fraude, que teria ocorrido em 2022 e 2023, como aponta a PF.
A instituição de ensino é a Universidade Estadual do Pará (Uepa) de Marabá. Outro acusado é Eliesio Bastos Ataíde, de 25 anos, que já é aluno de Medicina. O terceiro investigado se chama Moisés Oliveira Assunção, também de 25 anos, mas ainda não teve as aulas iniciadas. Todos negam envolvimento em crimes.
Investigação
O delegado Ezequias Martins, da Polícia Federal, afirma que a investigação teve início a partir de uma notícia-crime apresentada no órgão e, a partir disso, foi verificada a procedência das informações, o que confirmou a existência de elementos mínimos para a instauração do inquérito policial.
"Foi requisitada a realização da perícia grafotécnica ou grafoscópica, que é uma perícia documentoscópica, que identificou que as provas não foram realizadas pela mesma pessoa que estava inscrita no exame do Enem", aponta.
Ainda de acordo com ele, a PF conseguiu cópias dos documentos com a própria Uepa, além da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), já que um dos investigados havia cursado psicologia naquela instituição.
Também foram reunidas cópias das provas do Enem de vários anos e foi realizado um cruzamento das informações. "Houve um robusto trabalho de análise desse material e o laudo pericial concluiu".
Pela perícia da Polícia Federal, as assinaturas nos cartões de resposta e as redações não foram produzidas pelos inscritos no Enem.
Para se passar por outros candidatos, o suspeito de fazer as provas pode ter usado documentos falsos, diz a corporação. Martins ainda aponta que, durante a operação, outras provas surgiram, como postagens em redes sociais que mostravam um dos suspeitos interagindo com uma pessoa durante o horário de realização das provas.
"Conseguimos diversas mensagens que comprovam que ele não estava realizando a prova. Também com o avanço da investigação, identificamos que a pessoa que realizou a prova no lugar dos outros dois esteve no município vizinho, de Itupiranga, justamente no dia das provas. Não é um destino comum e, nos dias 5 e 12 de novembro de 2023, ele estava no município de Itupiranga realizando a prova do Enem 2023?, detalhou.
A corporação afirma que as investigações seguem em andamento, até para descobrir se existem outros aprovados irregularmente por meio do esquema criminoso. Se confirmada a hipótese, os investigados podem responder pelos crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso.
Defesa
Após a deflagração da operação, segundo o delegado Ezequias Martins, os três investigados foram ouvidos na Delegacia da Polícia Federal em Marabá e negaram envolvimento com os crimes.
O advogado Diego Adriano Freires, que representa os estudantes André e Eliesio, afirma que os clientes têm contribuído para elucidar o caso, mas ressalta que não há "prova técnica que possa colocar o André como uma pessoa que realizou provas em nome de outros".
Segundo a defesa, André não esteve no município de Itupiranga, como diz a PF, e a corporação "ainda não conseguiu trazer uma prova material de que André esteve lá, é só uma denúncia de uma pessoa anônima", enfatiza. Quanto ao outro cliente, Eliesio, Diego diz que a defesa tem buscado elementos que consigam provar que ele esteve no local e realizou o exame.
Para fazer uso da ampla defesa, no entanto, o advogado aguarda o acesso à plenitude dos autos para saber o teor de toda a investigação. Ele espera ainda o fechamento do inquérito e diz que apresentará dados bancários de André comprovando que ele não recebeu valores para realizar o Enem em nome de outros candidatos.
Em nota, o escritório Valente & Matias Advogados, representante de Moisés, afirma que o estudante se declara inocente das acusações.
"Queremos reforçar que trata-se de uma investigação de suposta participação de fraude na prova do Enem, e que o princípio da presunção de inocência deve sempre ser respeitado, e que, durante toda a instrução processual, iremos buscar provar sua inocência", diz o texto.
A reportagem também entrou em contato com a Uepa, que informou que a execução das provas do Enem é de responsabilidade do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
"A Universidade do Estado do Pará (Uepa) acompanha e colabora com as investigações conduzidas pela Polícia Federal e aguarda a conclusão do processo para tomar as medidas cabíveis", informa a instituição. Procurado, o MEC ainda não se manifestou.